O dia 1º de maio tornou-se dia do trabalhador, celebrado internacionalmente, depois que um grupo de operários morreu em violentos confrontos nos EUA, em 1886, justamente quando reivindicavam a valorização e o reconhecimento da dignidade do seu trabalho. Cumprindo jornadas extenuantes de até 13 ou 14 horas diárias de atividades laborais, os operários não tinham benefícios, seguridade social ou direitos trabalhistas garantidos em leis. A industrialização seguia acelerada priorizando o capital em prejuízo da mão-de-obra dos trabalhadores.

Assim, a celebração desse dia surgiu para fazer memória dos trabalhadores que morreram defendendo a causa do trabalho com dignidade. No entanto, aos poucos, a data foi se transformando em dia de festa e comemoração. E o eixo da celebração se deslocou da memória da vida dos trabalhadores para “dia do trabalho”. No entanto, o mais correto é que o dia 1º de maio seja “dia do trabalhador”, uma vez que todos os dias do ano são dias de trabalho, especialmente para os mais pobres que são, justamente, os que mais trabalham ao longo da vida, com jornadas mais intensas, realizando trabalhos mais exigentes e com menor remuneração.

Em 1955 o Papa Pio XII (1939-1958) estabeleceu que no dia 1º de maio seja celebrada, na Igreja, a memória de São José Operário, pai adotivo de Jesus, cuja vida foi toda marcada pelo trabalho e pelo cuidado e proteção dispensados ao Menino e a Maria, sua mãe. Refletindo sobre a importância da figura de São José e do testemunho de sua vida para os cristãos, o Papa João Paulo II (1978-2005) afirmou que “no crescimento humano de Jesus em sabedoria, em estatura e em graça teve uma parte notável a virtude da laboriosidade, dado que o trabalho é um bem do homem, que transforma a natureza e torna o homem, em certo sentido, mais homem [ou seja, mais humano]” (Exortação apostólica Redemptoris Custos, n. 23).

O trabalho, com efeito, é uma dimensão constitutiva do ser humano, sem a qual a pessoa não se realiza plenamente. Segundo os relatos evangélicos, o próprio Filho de Deus foi primeiramente identificado entre os seus conterrâneos pelo trabalho que exercia, herdado do pai, conforme o costume da época. O evangelista Mateus informa que, entrando Jesus em sua cidade natal, as pessoas admiradas com a sabedoria de seu ensinamento se perguntavam: “Não é este o filho do carpinteiro” (Mt 13,55). No evangelho de Marcos a mesma cena se repete e as pessoas se indagam: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria?” (Mc 6,3). Em outra passagem Jesus afirma que Deus Pai também é trabalhador: “Meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho” (Jo 5,17). O livro do Gênesis, com efeito, afirma que Deus trabalhou intensamente na obra da criação durante vários dias e que também descansou: “Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, descansou do seu trabalho” (Gn 2,2). 

Ora, criada à imagem e semelhança de Deus, a pessoa humana define-se pelo trabalho, que lhe dá sustento, satisfação, alegria, realização, e a ajuda a significar cotidianamente a vida. Os filósofos afirmam que o homem é homo faber, ou seja, aquele ser que transforma constantemente a natureza com seu trabalho, elaborando ferramentas e desenvolvendo tecnologias para essa finalidade, visando sempre satisfazer suas necessidades e criar condições mais favoráveis à vida. E, na mesma medida em que trabalhando o homem transforma a natureza, ele é também transformado por seu trabalho. Bem por isso o trabalho é algo de sagrado na vida humana, tanto quanto é sagrada a vida dos trabalhadores.

De acordo com o Papa João Paulo II, São José “é o modelo dos humildes…é a prova de que para ser bons e autênticos seguidores de Cristo não se necessitam grandes coisas, mas requerem-se somente virtudes comuns, humanas, simples e autênticas” (Exortação apostólica Redemptoris Custos, n.24). A São José Operário, portanto, confiamos todos os trabalhadores, de todas as categorias, bem como os aposentados e os que se encontram desempregados.

Sofrendo as consequências das reformas trabalhista (que privilegiou o capital em prejuízo do trabalho) e previdenciária (que violou a dignidade dos trabalhadores) e com um contingente de aproximadamente 12 milhões de trabalhadores desempregados, a celebração do 1º de maio de 2020 não comporta festa e comemoração, mas é momento de reflexão acerca do futuro do país e da vida dos trabalhadores. A pandemia do covid-19 (corona vírus), enfrentada com atraso pelas autoridades do país, de forma mais ou menos improvisada e sob o véu da negação da seriedade do problema, ameaça gravemente a vida de todos, sobretudo dos trabalhadores, expostos ao vírus e às graves consequências que se seguirão à pandemia.

A oposição entre a defesa da vida e a salvaguarda da economia é um falso dilema, criado para encobrir a falta de projetos sérios e competentes para resgatar a vida da sociedade quando o surto viral for vencido. Não se trata de escolher entre uma e outra coisa, pois a vida humana e a economia são realidades interdependentes. Mas, é urgente e prioritário defender a vida acima de qualquer outro bem ou valor, para que, vivos, os trabalhadores possam reconstruir a economia quando a pandemia arrefecer.

São José, o virtuoso operário de Nazaré, rogue a Deus por todos os trabalhadores do Brasil e do mundo inteiro para que não lhes falte trabalho, moradia e condições dignas para sustento de suas vidas e de suas famílias. E, sempre que faltar justiça nas condições de trabalho ou nas relações trabalhistas, que não faltem aos trabalhadores consciência e coragem para se organizar e defender seus direitos.

Pe. João Batista Cesário

Presbítero da Arquidiocese de Campinas

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