Irmã Dulce: uma samaritana comprometida com a vida

A Campanha da Fraternida deste ano de 2020, no seu cartaz, traz a imagem de Irmã Dulce, o Anjo Bom da Bahia, canonizada 13 de outubro de 2019 pelo Papa Francisco.

Diante do convite à conversão, na luz do evangelho do Bom Samaritano (Lc 10, 33 ss.), a imagem desta mulher traduz numa prática extrema de amor com os mais pobres. Caminhando com os excluídos de Salvador e outras cidades, atraídos pela sua bondade, ir. Dulce (Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes – 1914 a 1992), transformou a realidade que via pela compaixão. Acollhia a todos os que eram abandonados e necessitavam da sua ajuda para minimizar o seu sofrimento.

A Verbo Filmes registrou um pouco deste trabalho desta maravilhosa mulher. No filme, ela mesma conta sua vida doada e santificada pelos irmãos e irmãs com quem conviveu. Um dos vídeos mais importantes e que registram em primeira pessoa a visão deste mulher, exemplo de fé, amor, cuidado com a vida e compromisso cristão com aqueles mais necessitados.

Assista ao vídeo abaixo:

O Bom Samaritano: Anúncio da compaixão e do cuidado com a vida

Fonte: Texto Base da CF 2020, Nº 1-14.

Em meio aos inúmeros e ricos textos bíblicos que podem iluminar a nossa Quaresma, um deles é destacado pela Campanha da Fraternidade deste ano, tornando-se referência para tudo o que viermos a rezar, refletir e agir: “Um doutor da Lei se levantou e, para experimentar Jesus, perguntou: “Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?” Jesus lhe disse: “Que está escrito na Lei? Como lês?” Ele respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo coração, com toda a tua alma, com toda a tua força e com todo o teu entendimento; e a teu próximo como a ti mesmo!” Jesus lhe disse: “Respondeste corretamente. Faze isso e viverás”. Ele, porém, querendo justificar-se, disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?” Jesus retomou: “Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes, que lhe arrancaram tudo, espancaram-no e foram embora, deixando-o meio morto. Por acaso descia por aquele caminho um sacerdote, mas ao ver o homem, passou longe. Assim também um levita: chegou ao lugar, viu o homem e seguiu adiante pelo outro lado. Um samaritano, porém, que estava viajando, chegou perto dele e, ao vê-lo, moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele e tratou-lhe as feridas, derramando nelas azeite e vinho. Depois, colocou-o sobre seu próprio animal e o levou a uma hospedaria, onde cuidou dele. No dia seguinte, pegou dois denários e deu-os ao dono da hospedaria, recomendando: ‘Cuida dele, e o que gastares a mais, eu o pagarei quando eu voltar’. No teu parecer, qual dos três fez-se próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” Ele respondeu: “Aquele que usou de misericórdia para com ele”. Então Jesus lhe disse: “Vai e faze o mesmo” (Lc 10,25-37).

Essa parábola, proposta por Jesus em seu caminho de subida a Jerusalém (Lc 9, 51 -19,27), é parte da explicação do que seria necessário fazer para entrar na vida eterna. Esse tipo de questionamento era muito comum naquele tempo já que existiam mais de 613 leis e outras prescrições pontuais a serem cumpridas para se chegar a esse fim. Por essa razão, vendo a impossibilidade de cumprir fielmente todos os mandamentos, o doutor da lei questiona Jesus sobre o que realmente não poderia deixar de ser feito para herdar a vida eterna.

“Que devo fazer?”. A busca pelo cumprimento exato das prescrições da lei deveria ser seguida do esforço pessoal para coloca-las em prática. Diante da questão, Jesus responde com uma nova pergunta com a qual indaga sobre o conteúdo das Escrituras. O que elas dizem sobre o que fazer para herdar a vida eterna? A resposta oferecida pelo doutor da lei a Jesus conecta Dt 6,5 a Lv 19,18 criando um mandamento único composto de duas partes: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o coração, com toda a tua alma, com toda a tua força e com todo o teu entendimento; e a teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10,27).

A Jesus não interessa inserir um novo ensino teórico sobre os deveres em relação ao mandamento do amor a Deus e ao próximo. Diante da segunda pergunta do doutor da lei, “Quem é meu próximo?”, Jesus propõe uma nova perspectiva e uma nova possibilidade de realizar tal mandamento, divergindo do que havia sido proposto. Os mestres fariseus já haviam ensaiado muitas vezes respostas sobre quem seria o próximo citado em Lv 19,18. No entanto, suas respostas oscilavam sempre entre as ligações nacionais, étnicas, afetivas, sociais e religiosas. No texto do Antigo Testamento, o próximo era o compatriota, membro do povo de Deus e também aquele que tinha sido inserido no povo na medida em que assumia sua religião e seus costumes (Lv 19,33-34).

A parábola é composta por cinco personagens anônimos, indicados apenas por suas etnias ou funções, e ocorre em um local de fácil compreensão para alguém daquele tempo. Por isso, embora seja uma parábola, a história narrada possui grande possibilidade de ter sido, ao menos em parte, um fato que realmente aconteceu na estrada que ligava Jericó a Jerusalém. Um homem, vítima de salteadores, é deixado quase morto, à beira da estrada. O fato de ter sido agredido leva a pensar na possibilidade de ter resistido ao assalto, o que lhe teria ocasionado a agressão quase fatal e o abandono à beira da estrada, não sendo capaz de fazer algo por si mesmo.

Dois transeuntes oriundos do templo, o sacerdote, responsável pelos sacrifícios, e o levita, responsável pela animação da liturgia, retornaram de Jerusalém após concluírem seus turnos de trabalho e agem com indiferença diante daquele que jaz sofrendo à beira da estrada. Não se descreve o motivo da indiferença. Poderia ser por motivos culturais, religiosos [se fossem contaminados com o sangue ou o homem viesse a morrer, ficariam impuros (Lv 15; 21,11)], ou simplesmente por não desejarem interromper a viagem, não mudarem seus planos, não terem seu trajeto e horário prejudicados por esse acontecimento. De qualquer forma, é dito que viram o homem e se distanciaram dele, seguindo o trajeto anteriormente proposto.

Um samaritano que passava, ao ver o homem, sentiu compaixão. Essa compaixão nasceu do seu modo diferente de olhar, do seu modo diferente de perceber aquela realidade. Essa compaixão o levou a se aproximar do homem, gastar tempo, modificar parcialmente sua viagem, tudo para não ser indiferente com aquele que sofria diante dele. Os cuidados práticos descritos na parábola são emergenciais: desinfeta as feridas com vinho e alivia a dor com o óleo, costumes daquele tempo; transporta o homem até a hospedaria e paga as despesas de sua estrada.

A postura inesperada do samaritano contém o centro do ensinamento de Jesus: o próximo não é apenas alguém com quem possuímos vínculos, mas todo aquele de quem nos aproximamos. É todo aquele que sofre diante de nós. Não é a lei que estabelece prioridades, mas a compaixão que impulsiona a fazer pelo outro aquilo que é possível, rompendo, dessa forma, com a indiferença. A fé leva necessariamente à ação, à fraternidade e à caridade.

A vida nos traz oportunidades de concretizar a fé em atitudes bem específicas. Para perceber os outros, principalmente em suas necessidades, não bastam os conceitos, mas, sim, a compaixão e a proximidade. Não se deve questionar quem é o destinatário do amor. Importa identificar quem deve amar e não tanto quem deve ser amado, pois todos devem ser amados, sem distinção. Não importa quem é o próximo. Importa quem, por compaixão, se torma próximo do outro (Lc 10,36). A medida do amor para como próximo não é estabelecida com base em pertença religiosa, grupo social ou visão de mundo. Ela é estabelecida pela necessidade do outro, acolhendo como próximo qualquer pessoa de quem possa acercar com amor generoso e operativo. Isso abre uma nova perspectiva nos relacionamentos, excluindo a indiferença diante da dor alheia.

O Bom Samaritano nos inspira e ensina como vencer a globalização da indiferença.