A Campanha da Fraternidade de 2025, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), traz como tema “Fraternidade e Ecologia Integral” e o lema “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Essa escolha reflete a preocupação da Igreja com a preservação do meio ambiente e a construção de relações mais fraternas entre os seres humanos.
A ecologia integral é um conceito que busca valorizar a interdependência entre todos os elementos da criação: seres humanos, natureza e Deus. Ao abordar esse tema, a Campanha da Fraternidade nos convida a refletir sobre a urgência de cuidar da nossa Casa Comum, promovendo uma ecologia integral que conecta a fé cristã com a responsabilidade socioambiental.
O Papa Francisco, na encíclica Laudato Si’, enfatiza a necessidade de uma conversão ecológica que una a dimensão espiritual à prática cotidiana de cuidado com o meio ambiente. Ele nos lembra que “tudo está interligado” e que o clamor da terra é inseparável do clamor dos pobres. Assim, ao promover a ecologia integral, a Campanha da Fraternidade de 2025 nos chama a reconhecer a presença de Cristo em toda a criação e a agir em conformidade com esse reconhecimento.
Além disso, a identidade visual da Campanha deste ano foi cuidadosamente elaborada para refletir essa mensagem. O cartaz apresenta elementos que simbolizam a harmonia entre a humanidade e a natureza, ressaltando a beleza da criação divina e a responsabilidade humana em preservá-la.
Portanto, ao questionarmos “Aonde está o Cristo nestas Campanhas da Fraternidade?”, especialmente na de 2025, encontramos a resposta na centralidade de Cristo como fundamento e inspiração para o cuidado com a criação. Ele está presente no chamado à conversão ecológica, na promoção da justiça socioambiental e na vivência concreta do amor ao próximo e à natureza. Assim, a Campanha da Fraternidade nos convida a reconhecer e a responder ao chamado de Cristo para sermos guardiões responsáveis e amorosos da obra criada por Deus.
Aonde está o Cristo nestas Campanhas da Fraternidade?
É uma pergunta que ecoa com força, especialmente nos tempos atuais, quando tantos questionam as intenções por trás de ações e movimentos da Igreja. Ao longo dos anos, a Campanha da Fraternidade tem sido alvo de críticas, incompreensões e, às vezes, desconfianças. Muitos se perguntam: “Onde está o Cristo nesta campanha?” A resposta, porém, é clara para aqueles que se permitem olhar com o coração atento ao Evangelho: Cristo está no centro de cada Campanha da Fraternidade. Ele está presente em cada tema, em cada gesto concreto, em cada chamado à conversão, à justiça e ao amor ao próximo.
Para entender onde está o Cristo nas Campanhas da Fraternidade, é preciso antes lembrar quem é esse Cristo a quem seguimos. Não é um Cristo apenas espiritualizado, distante das dores humanas, mas o Cristo encarnado, que andou com os pobres, tocou os doentes, defendeu os excluídos, enfrentou as estruturas injustas de seu tempo e nos ensinou a amar não com palavras, mas com gestos concretos de compaixão e justiça. O Cristo do Evangelho não é um conceito, mas uma pessoa viva que age na história — especialmente por meio da sua Igreja.
Desde 1964, quando foi lançada a primeira Campanha da Fraternidade, a proposta sempre foi inspirar a vivência do tempo da Quaresma com profundidade: oração, jejum e esmola, sim, mas também compromisso com a transformação da sociedade à luz do Evangelho. A cada ano, um tema nos convida a olhar com mais atenção para uma dimensão concreta da vida que precisa ser iluminada pela Palavra de Deus. E é exatamente aí que Cristo se revela: onde há sofrimento humano, onde há injustiça, ali está o Cristo crucificado; e onde há ações de amor, justiça, escuta, solidariedade, ali está o Cristo ressuscitado.
As campanhas não têm por objetivo substituir a fé pelo ativismo, mas tornar a fé operante pelo amor, como nos ensina São Paulo (Gl 5,6). Elas são um chamado à coerência entre aquilo que professamos aos domingos e aquilo que vivemos de segunda a sábado. São um convite a transformar nossa oração em ação, e nossa devoção em compromisso. Em outras palavras: a Campanha da Fraternidade nos desafia a viver um cristianismo encarnado.
Quando a campanha trata da fome, por exemplo, Cristo está ali — porque Ele mesmo disse: “Tive fome e me destes de comer” (Mt 25,35). Quando o tema é o cuidado com a casa comum, Cristo está ali — pois Ele é o Verbo por quem todas as coisas foram criadas, e nos chama a sermos bons administradores da criação. Quando a campanha fala sobre políticas públicas, fraternidade, superação da violência, diálogo e cultura de paz, Cristo está presente — porque foi Ele quem disse: “Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Cada tema pode parecer, à primeira vista, “social demais” para alguns, mas todos são profundamente evangélicos, pois tocam na dignidade da vida humana e no mandamento do amor.
É importante também recordar que Cristo nos deixou um mandamento: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34). E esse amor não é apenas sentimental. É um amor que age, que se compromete, que serve. A Campanha da Fraternidade é um exercício quaresmal de viver esse amor de maneira concreta e transformadora. É o esforço da Igreja no Brasil para ajudar os fiéis a verem os rostos sofredores de Cristo hoje, em cada irmão e irmã feridos pelas estruturas do pecado social.
Há quem diga que certas campanhas parecem políticas, ideológicas ou “progressistas”. Mas é necessário discernir: a caridade cristã é necessariamente política, no sentido mais nobre da palavra — ou seja, relacionada à vida da polis, da cidade, da sociedade. O Papa Francisco nos lembra constantemente que a fé sem compromisso social é uma fé estéril. Ele mesmo afirma, na Evangelii Gaudium: “Nenhum cristão pode pensar que a preocupação com os pobres é uma missão reservada a alguns. Todos somos chamados a cuidar dos mais frágeis da terra.” E é exatamente isso que a Campanha da Fraternidade tenta despertar.
Portanto, ao perguntarmos “Onde está o Cristo?”, precisamos nos abrir para perceber que Ele está na ação concreta da Igreja que se movimenta com compaixão pelos dramas do povo. Cristo está nas comunidades que se organizam para debater soluções para os problemas sociais. Está nos jovens que são sensibilizados a fazer o bem. Está nos padres e leigos que se doam para formar consciências críticas e solidárias. Está no gesto da criança que compartilha o pouco que tem com o coleguinha da escola. Está no olhar da idosa que reza o terço e depois participa das reuniões para pensar a realidade do bairro.
Cristo está na proposta da Campanha da Fraternidade não como um adereço, mas como o centro. Porque Ele mesmo disse: “O que fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). A campanha é, assim, um reflexo da presença de Cristo em meio ao povo, um convite para que não celebremos a Páscoa sem antes termos passado pela cruz do compromisso com os irmãos.
Em resumo, o Cristo está na Campanha da Fraternidade porque Ele é a fonte, o caminho e o objetivo de tudo que ela propõe. Que possamos, então, abrir os olhos e o coração para reconhecê-Lo, assim como os discípulos de Emaús, que só perceberam a presença do Ressuscitado ao partir do pão. Que também nós possamos reconhecê-Lo no partir do pão da solidariedade, no partir do pão da justiça e no partir do pão do amor ao próximo.
A Campanha da Fraternidade acaba com o espírito da Quaresma?
Entre tantos comentários que circulam nas comunidades e nas redes sociais durante o período quaresmal, uma dúvida tem ganhado espaço: “A Campanha da Fraternidade acaba com o espírito da Quaresma?” A resposta, com serenidade e clareza, é não. Pelo contrário: a Campanha da Fraternidade aprofunda, amplia e dá carne ao espírito da Quaresma, fazendo com que esse tempo litúrgico se torne ainda mais autêntico, mais encarnado e verdadeiramente cristão.
Mas para compreender essa afirmação, de novo, é preciso, antes, entender o que é a Quaresma e qual o seu verdadeiro espírito.
A Quaresma é o tempo litúrgico de preparação para a Páscoa. São quarenta dias de oração, penitência e caridade. É um convite à conversão, à mudança de vida e à renovação da fé. A Igreja propõe a todos os fiéis três práticas fundamentais: oração, jejum e esmola. Ou seja, não se trata apenas de um tempo de espiritualidade interior, mas também de um tempo de abertura ao outro, de solidariedade, de escuta e reconciliação com Deus, consigo mesmo e com os irmãos.
Mais uma vez, retomando a história da Campanha da Fraternidade que nasce em 1964, vemos que ela surge numa iniciativa da Igreja no Brasil que, longe de esvaziar a Quaresma, foi pensada como um instrumento para viver a Quaresma com profundidade e coerência. Ela é uma proposta concreta de conversão que nos ajuda a ver, julgar e agir à luz da fé. A cada ano, a campanha propõe um tema que toca alguma realidade sofrida ou desafiadora da sociedade e nos convida a refletir, rezar e agir de forma comprometida com o Evangelho.
Em 2025, por exemplo, a Campanha da Fraternidade tem como tema “Fraternidade e Ecologia Integral” e o lema “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Esse tema não é algo “fora da fé”, mas profundamente bíblico e espiritual. Cuidar da criação é cuidar da obra de Deus. A destruição do meio ambiente, a poluição, o desmatamento e a exploração desenfreada da natureza afetam diretamente os mais pobres e vulneráveis, e ferem o projeto divino de harmonia entre todas as criaturas.
Logo, a pergunta se inverte: como poderíamos viver a Quaresma ignorando essas realidades? Como rezar, jejuar e dar esmola sem nos importar com o clamor da terra e o clamor dos pobres? Como preparar o coração para a Páscoa sem olhar para os irmãos que sofrem e para a criação ferida?
A espiritualidade quaresmal nos convida à conversão integral, e isso inclui uma conversão social e ecológica. O Papa Francisco nos lembra, na encíclica Laudato Si’, que tudo está interligado. Cuidar do meio ambiente é uma forma concreta de amar o próximo e de obedecer ao mandamento de Deus. Portanto, a Campanha da Fraternidade nos oferece uma oportunidade de tornar visível e operante nossa fé.
Infelizmente, algumas críticas surgem por falta de compreensão ou por uma visão reducionista da espiritualidade. A espiritualidade cristã não é fuga do mundo, mas presença transformadora nele. Jesus nos ensinou a ir ao encontro dos que sofrem, a agir com misericórdia, a denunciar o pecado — não só o individual, mas também o social e estrutural. A verdadeira espiritualidade não se fecha em si mesma: ela se torna amor ativo.
A Campanha da Fraternidade, nesse sentido, não concorre com a Quaresma — ela a encarna. Ela traduz em linguagem contemporânea aquilo que os profetas já anunciavam no Antigo Testamento: Deus não se agrada de sacrifícios vazios, mas de um coração convertido, que pratica a justiça, defende os oprimidos e cuida dos necessitados (cf. Is 1,11-17; Am 5,21-24).
Ao participar da Campanha da Fraternidade, o fiel é chamado a viver um jejum mais profundo: não apenas o jejum de alimentos, mas o jejum da indiferença, do egoísmo e da omissão. A oração se amplia: não é só súplica individual, mas intercessão por todos que sofrem. E a esmola se concretiza não apenas na oferta material, mas na doação do tempo, do cuidado e do compromisso.
Em nível comunitário, a Campanha da Fraternidade ajuda as paróquias a viverem a Quaresma em comunhão, debatendo realidades que precisam ser evangelizadas. Ela forma a consciência social dos cristãos e fortalece o laço entre fé e vida. Muitas vezes, desperta vocações para o serviço, inspira projetos sociais e transforma realidades locais — tudo isso como fruto do tempo de conversão.
Por isso, é injusto e equivocado dizer que a Campanha da Fraternidade “acaba” com o espírito da Quaresma. Na verdade, ela o amplia, o concretiza e o renova. É um instrumento precioso da Igreja do Brasil para que não celebremos uma Páscoa abstrata, mas a Páscoa da vida que vence a morte em todas as suas formas — inclusive a morte causada pela injustiça, pela exclusão e pela destruição da criação.
Portanto, acolher a Campanha da Fraternidade é acolher o chamado de Cristo à conversão. É caminhar com Ele pelo deserto da Quaresma, atentos às dores do povo e dispostos a sermos sinais de esperança. É preparar o coração para a verdadeira alegria pascal, aquela que brota de uma vida transformada pelo amor.
Que possamos viver esta Quaresma com profundidade, sabendo que oração e ação caminham juntas, e que a espiritualidade cristã verdadeira não se fecha nas práticas internas, mas se abre ao mundo como luz, sal e fermento do Reino de Deus.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: tradução da CNBB. Brasília: Edições CNBB, 2008.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Campanha da Fraternidade 2025: conheça o tema, a identidade visual e a oração. Brasília: CNBB, 2024. Disponível em: https://www.cnbb.org.br/campanha-da-fraternidade-2025-conheca-o-tema-a-identidade-visual-e-a-oracao/. Acesso em: 5 abr. 2025.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Campanha da Fraternidade 2025: Fraternidade e Ecologia Integral. “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Brasília: CNBB, 2024. Disponível em: https://www.cnbb.org.br/campanha-da-fraternidade-2025-conheca-o-tema-a-identidade-visual-e-a-oracao/. Acesso em: 5 abr. 2025.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CATÓLICA DO BRASIL (ANEC). Campanha da Fraternidade 2025. Brasília: ANEC, 2024. Disponível em: https://anec.org.br/acao/campanha-da-fraternidade-2025/. Acesso em: 5 abr. 2025.
FRANCISCO. Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html. Acesso em: 5 abr. 2025.