CARTA AOS ROMANOS: CARTA MAGNA DA TEOLOGIA PAULINA

A carta aos Romanos é uma das mais profundas e sistemáticas exposições da fé cristã no Novo Testamento. Escrita pelo apóstolo Paulo provavelmente por volta do ano 57 d.C., durante sua estada em Corinto, ela se dirige a uma comunidade mista de judeus e gentios em Roma. Seu tema central é o evangelho como poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1,16-17), revelando a justiça de Deus que se manifesta pela fé.

Abaixo apresento um estudo teológico estruturado sobre a carta:

1. Contexto Histórico e Propósito

  • Paulo ainda não havia visitado Roma, mas desejava estabelecer ali uma base missionária para alcançar a Espanha (Rm 15,22-24).
  • A igreja de Roma provavelmente surgiu de judeus convertidos no Pentecostes (At 2,10) e posteriormente se expandiu para incluir gentios.
  • O propósito principal é unir judeus e gentios em torno do evangelho e apresentar a mensagem paulina de forma ordenada, servindo como sua “carta magna” teológica.

A maioria dos estudiosos situa a redação em torno de 57/58 d.C., durante a terceira viagem missionária de Paulo. O apóstolo estava em Corinto (ou em Cencréia, porto próximo), antes de viajar para Jerusalém (cf. Rm 15,25-26). Isso é confirmado pela referência a Febe, diaconisa da Igreja de Cencréia (Rm 16,1).

A comunidade cristã de Roma não foi fundada por Paulo, nem há registro apostólico direto (Atos não menciona a fundação). Provavelmente, os primeiros cristãos romanos foram peregrinos judeus convertidos em Jerusalém no Pentecostes (cf. At 2,10: “visitantes de Roma”). Esses judeus levaram a fé em Cristo ao Império. A comunidade cresceu e passou a incluir gentios convertidos, o que gerou tensões.

No ano 49 d.C., o imperador Cláudio expulsou os judeus de Roma por causa de conflitos ligados a “Chrestus” (Suetônio, Cláudio 25,4) – provavelmente disputas entre judeus sobre Jesus Cristo. Entre os expulsos estavam Áquila e Priscila, que Paulo encontra em Corinto (At 18,2). Após a morte de Cláudio (54 d.C.), os judeus retornaram a Roma, mas a comunidade já havia se tornado majoritariamente gentílica. Isso gerou tensões culturais e religiosas: judeus queriam observar a Lei e tradições; e os gentios viviam a liberdade em Cristo sem a Torá. A carta, portanto, busca unidade entre judeus e gentios.

O propósito desta carta visa apresentar o evangelho de Paulo de forma sistemática, pois ele ainda não conhecia a comunidade pessoalmente (Rm 1,10-13). Também unir judeus e gentios em torno da fé em Cristo, superando divisões e preparar sua missão à Espanha: Paulo queria Roma como base missionária no Ocidente (Rm 15,22-24). Por fim, esta carta recolhe apoio espiritual para sua viagem iminente a Jerusalém, onde levaria a coleta em favor dos pobres (Rm 15,25-27).

O contexto religioso e cultural de Roma

Roma era a capital do Império, multicultural e religiosa, marcada por idolatria e culto ao imperador. A comunidade cristã vivia no coração do paganismo e sob risco de perseguição, ainda que localizada (as grandes perseguições viriam mais tarde, sob Nero e Domiciano). O cristianismo era visto como seita judaica, mas começava a ter identidade própria.

Assim, Romanos funciona como uma “carta magna” da teologia paulina:

  • O pecado universal (Rm 1–3).
  • A justificação pela fé (Rm 3–5).
  • A vida no Espírito (Rm 6–8).
  • O lugar de Israel no plano de Deus (Rm 9–11).
  • A vida cristã prática (Rm 12–15).

Enfim a Carta aos Romanos é uma síntese madura de uma reflexão teológica, escrita no fim de mais de 20 anos de missão apostólica.

2. Estrutura da Carta

Introdução à Carta aos Romanos: O Poder Transformador do Evangelho (Rm 1,1-17)

A carta aos Romanos é uma das obras-primas de Paulo, combinando profundidade teológica, clareza e aplicação prática para a vida do cristão. Nos primeiros dezessete versículos do capítulo 1, o apóstolo apresenta-se e resume a essência do evangelho: Cristo como cumprimento das promessas divinas, o poder de Deus para salvar e a justiça que se revela pela fé.

Paulo: servo e apóstolo de Cristo

Paulo começa sua carta dizendo: “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus” (Rm 1,1). Mais do que uma formalidade, essa introdução estabelece sua credibilidade e compromisso. Ao se declarar “servo”, Paulo mostra que sua vida está totalmente subordinada a Cristo. Ao se identificar como “apóstolo”, destaca que foi enviado diretamente por Deus para compartilhar a boa notícia. E ao dizer que foi “separado para o evangelho”, ele enfatiza que sua missão é clara e única: anunciar Jesus.

Esse cuidado é especialmente importante, já que a igreja de Roma reunia pessoas de diferentes culturas e origens. Paulo ainda não conhecia a comunidade pessoalmente, mas queria que eles compreendessem sua autoridade e seu coração pastoral. Ele nos lembra que, quando falamos de fé, é essencial unir convicção, transparência e respeito pelo outro.

Cristo: cumprimento das promessas de Deus

Nos versículos 2 a 4, Paulo conecta Jesus à história de Israel: o evangelho foi “prometido anteriormente por Deus, por meio dos profetas nas Escrituras Sagradas, a respeito de seu Filho”. Cristo não aparece de forma isolada; Ele é o cumprimento das promessas feitas por Deus ao longo dos séculos.

Paulo menciona que Jesus nasceu da descendência de Davi, reafirmando sua ligação histórica com o povo de Israel, mas também destaca que, pela ressurreição, Ele se tornou Filho de Deus em poder. Essa combinação de humanidade e divindade mostra que Jesus é o ponto central da história da salvação — a ponte entre Deus e a humanidade.

O evangelho: poder de Deus para a salvação

Paulo não apresenta o evangelho como mera teoria ou conjunto de normas, mas como o poder de Deus para salvar todo aquele que crê (Rm 1,16). A palavra “poder” indica eficácia real e transformadora. A salvação não depende de esforço humano, de títulos ou riqueza, mas da ação de Deus na vida de quem confia em Cristo.

Para os romanos, acostumados a valorizar prestígio, força e conquistas, essa mensagem era revolucionária. Paulo nos lembra que o verdadeiro poder não está em nós, mas em Deus — e que Ele age na vida de cada um que se entrega a Ele.

Justiça de Deus revelada pela fé

Outro tema central da introdução é a justiça de Deus, revelada pela fé (Rm 1,17). Paulo cita: “O justo viverá por fé”, mostrando que a fé é o meio pelo qual participamos da justiça de Deus, não um conjunto de obras para ganhar aprovação divina. A justiça de Deus é, portanto, uma realidade viva, que transforma corações e atitudes.

Essa justiça não discrimina. Ela é acessível a todos, independentemente de etnia, cultura ou condição social. O evangelho é inclusivo, oferecendo a mesma esperança e transformação a todos que creem.

O desejo de Paulo de visitar Roma

Nos versículos 8 a 15, Paulo expressa seu desejo de visitar a igreja de Roma. Ele quer compartilhar o evangelho e ser encorajado pela fé dos irmãos. Isso mostra duas dimensões essenciais da vida cristã: comunhão e missão. A fé se fortalece quando é vivida em comunidade, e o evangelho se espalha quando é compartilhado de forma sincera e amorosa.

Paulo lembra que a igreja não é apenas receptora de instruções, mas parceira na obra de Deus, formando uma rede de fé que atravessa fronteiras geográficas e culturais.

Enfim, uma introdução que transforma

A introdução de Romanos (Rm 1,1-17) é muito mais do que um texto formal. Ela combina autoridade, clareza teológica e sensibilidade pastoral. Paulo apresenta Cristo como cumprimento das promessas, revela o poder do evangelho e destaca a justiça que se recebe pela fé. Ele mostra que a fé cristã não é um ideal distante, mas uma relação viva com Deus, capaz de transformar vidas e comunidades.

Ler esses versículos nos convida a refletir: o cristianismo é um caminho de confiança, mudança e ação. É a experiência de viver pela fé, deixar que Deus nos transforme e compartilhar essa vida com outros. A mensagem que Paulo escreveu há quase dois mil anos continua sendo atual, poderosa e libertadora — um verdadeiro convite para experimentar o evangelho em sua plenitude.

Condição humana e necessidade da salvação (Rm 1,18 – 3,20)

    • Todos pecaram: os gentios pela idolatria e imoralidade, os judeus por hipocrisia e confiança na lei.
    • Conclusão: “Não há justo, nem um sequer” (3,10).

    Uma das partes centrais da carta aos Romanos é o diagnóstico que Paulo faz da humanidade diante de Deus. Nos capítulos 1,18 até 3,20, ele apresenta com clareza a condição humana, mostrando que todos, sem exceção, estão debaixo do pecado e necessitam da salvação oferecida por Deus através de Jesus Cristo. Essa análise não é apenas teológica; ela tem implicações profundas para a compreensão da fé e da vida cristã.

    A revelação da ira de Deus contra o pecado (Rm 1,18-32)

    Paulo inicia essa seção afirmando que a ira de Deus se revela contra toda impiedade e injustiça dos homens, aqueles que suprimem a verdade pela injustiça (Rm 1,18). Aqui ele mostra que a humanidade não está neutra diante de Deus; o pecado não passa despercebido.

    • A revelação de Deus na criação: Mesmo sem ter acesso à Escritura, os seres humanos conhecem Deus por meio da natureza e da criação (Rm 1,19-20). O que vemos no mundo, na complexidade da vida e na ordem do universo, aponta para um Criador.
    • A recusa em glorificar a Deus: Apesar dessa evidência, muitos rejeitam Deus, tornando-se idólatras e entregues à corrupção moral (Rm 1,21-23). Paulo descreve a consequência de afastar-se da verdade: comportamentos imorais, degradação ética e relacionamentos marcados pelo egoísmo.
    • O resultado do pecado: Uma sociedade centrada em si mesma e em prazeres passageiros inevitavelmente enfrenta o caos moral e espiritual. Paulo apresenta uma lista de pecados que resultam da rejeição a Deus, incluindo imoralidade sexual, inveja, maldade e desrespeito ao próximo (Rm 1,24-32).

    A mensagem é clara: o pecado é universal e suas consequências afetam todos os níveis da vida humana — pessoal, social e espiritual.

    Todos os seres humanos estão debaixo do pecado (Rm 2,1 – 3,8)

    No capítulo 2, Paulo volta-se para aqueles que poderiam pensar que estão “melhores” ou mais justos do que outros. Ele lembra que não há favoritismo diante de Deus: tanto judeus quanto gentios estão sob a mesma necessidade de salvação.

    • A tentação do julgamento: Alguns se consideram superiores por conhecer a Lei de Deus ou por seguir tradições religiosas. Paulo alerta que julgar os outros não elimina o pecado pessoal (Rm 2,1).
    • A responsabilidade universal: Deus “retribuirá a cada um segundo suas obras” (Rm 2,6-10), mas ninguém consegue justificar-se apenas por mérito ou pela observância da lei externa.
    • O papel da lei: Para os judeus, a Lei de Deus revelava o padrão de justiça. No entanto, mesmo os que têm acesso à lei não estão automaticamente justificados, pois o pecado é mais profundo que simples desobediência externa (Rm 2,12-16).

    Paulo mostra que a condição humana não depende de religião, cultura ou conhecimento religioso: todos precisam da intervenção divina.

    Conclusão inevitável: ninguém é justo por si mesmo (Rm 3,9-20)

    Paulo conclui essa análise com uma afirmação contundente: “Não há ninguém justo, nem um sequer” (Rm 3,10). Aqui ele sintetiza todo o diagnóstico humano: todos, judeus e gentios, estão sob o pecado.

    • A universalidade do pecado: Todos pecaram e carecem da glória de Deus (Rm 3,23). Não há distinção entre culturas, etnias ou contextos sociais — o problema é universal.
    • O papel da lei: A lei não é inútil; ela revela o pecado, mostra o padrão de Deus e evidencia a necessidade de justiça. No entanto, ninguém pode alcançá-la perfeitamente apenas por esforço próprio (Rm 3,19-20).
    • A necessidade da salvação: Diante desse diagnóstico, fica evidente que nenhum ser humano pode salvar-se sozinho. A condição de pecado torna impossível conquistar a justiça por mérito próprio, enfatizando a necessidade do evangelho como única solução.

    Paulo prepara o terreno para a revelação da graça: se todos estão sob pecado, a salvação só pode vir de Deus, mediante fé em Jesus Cristo.

    Implicações para o leitor moderno

    O ensino de Paulo sobre a condição humana não é apenas histórico; tem aplicação direta para a vida de qualquer pessoa hoje:

    • Reconhecimento do pecado: É necessário reconhecer nossas limitações e falhas, sem cair em autoengano ou comparações.
    • Dependência da graça de Deus: Nenhuma obra humana é suficiente para obter salvação; a fé em Cristo é essencial.
    • Humildade e comunhão: Compreender que todos pecam promove humildade, respeito e empatia, fortalecendo a vida comunitária e a solidariedade.
    • Urgência do evangelho: A consciência da universalidade do pecado evidencia a importância de compartilhar a mensagem de salvação com todos.

    Nos capítulos 1,18 a 3,20, Paulo apresenta um diagnóstico preciso da condição humana: todos estão debaixo do pecado e, portanto, necessitam da salvação que somente Deus oferece. Ele mostra que o pecado é universal, afeta todas as pessoas, independentemente de origem, cultura ou religião, e que a Lei de Deus revela, mas não remove, essa condição.

    Essa análise prepara o leitor para a grande notícia de Romanos: a salvação pela fé em Jesus Cristo (Rm 3,21 em diante), que é o único caminho para restaurar a relação entre Deus e a humanidade. O evangelho, portanto, não é apenas uma proposta moral ou ética, mas uma resposta à nossa profunda necessidade espiritual.

    Justificação pela fé (Rm 3,21 – 5,21)

      • A justiça de Deus se manifesta independente da lei, mediante a fé em Cristo.
      • Abraão é exemplo de fé (Rm 4).
      • A justificação traz paz com Deus e reconciliação (Rm 5).

      A carta de Paulo aos Romanos é uma das exposições mais profundas do evangelho no Novo Testamento, e um dos temas centrais dessa epístola é a justificação pela fé. Nos capítulos 3 a 5, o apóstolo apresenta uma explicação detalhada de como a humanidade pode ser reconciliada com Deus, demonstrando que a justiça divina não depende da Lei, mas da fé em Cristo. Essa revelação é fundamental para compreender a essência da mensagem cristã e a maneira como Deus se relaciona com a humanidade.

      Em Romanos 3,21, Paulo afirma que a justiça de Deus se manifesta independentemente da Lei, ou seja, não depende das obras humanas ou do cumprimento estrito das regras. A Lei, embora importante como guia moral e revelação da vontade de Deus, não tem o poder de tornar o ser humano justo diante do Criador. Isso ocorre porque o pecado afetou toda a humanidade, tornando impossível que alguém alcance a perfeição necessária para ser aceito por Deus apenas por méritos próprios. A boa notícia é que Deus provê uma justiça alternativa, acessível mediante a fé em Jesus Cristo, oferecida gratuitamente a todos os que creem.

      A fé, nesse contexto, não é apenas um assentimento intelectual, mas uma confiança ativa e pessoal na obra de Cristo. Por meio de sua morte e ressurreição, Jesus torna possível que os seres humanos sejam declarados justos, apesar de suas falhas e limitações. A justificação, portanto, não é um prêmio pelas boas ações, mas um dom divino, fruto do amor e da graça de Deus. Essa verdade liberta o crente do medo da condenação, trazendo paz interior e segurança na relação com Deus.

      Para ilustrar a natureza da fé, Paulo recorre ao exemplo de Abraão, considerado o pai da fé. No capítulo 4, ele mostra que Abraão foi justificado não por obras, mas por sua confiança nas promessas de Deus, mesmo antes de estas se cumprirem concretamente. Abraão creu que Deus cumpriria aquilo que prometera, e essa fé lhe foi considerada justiça. Esse exemplo tem duas funções importantes: primeiro, conecta a tradição judaica com a nova realidade em Cristo, mostrando continuidade entre Antigo e Novo Testamento; segundo, demonstra que a fé verdadeira sempre foi o caminho para a comunhão com Deus. Assim, Paulo estabelece um modelo para todos os crentes: a fé, não o mérito humano, é o que permite a justificação.

      O capítulo 5 de Romanos aprofunda os efeitos da justificação. Paulo explica que a fé não apenas declara o ser humano justo, mas transforma a experiência de vida do crente. A justificação gera paz com Deus, libertando a pessoa da culpa e da condenação, e promove reconciliação, restaurando a relação rompida pelo pecado. Essa reconciliação não é apenas teórica; ela tem implicações práticas, pois transforma o modo como o indivíduo vive, age e se relaciona com os outros. A fé verdadeira, então, é acompanhada de uma vida ética coerente, fundamentada na gratidão e na confiança em Deus.

      Paulo também apresenta um contraste entre Adão e Cristo, que ajuda a compreender a profundidade da justificação. Por meio de Adão, o pecado entrou no mundo e trouxe a morte para toda a humanidade. Por meio de Cristo, no entanto, a graça e a vida eterna são oferecidas a todos que creem. Esse contraste evidencia que a fé em Jesus é universal e inclusiva, rompendo barreiras de raça, cultura ou histórico pessoal. A justificação, portanto, não é limitada a um grupo específico, mas está disponível a todos que respondem com confiança ao chamado de Deus.

      Além disso, a justificação pela fé tem implicações sociais e comunitárias. Ao ser justificado, o crente é chamado a viver de forma coerente com a graça recebida, manifestando amor, compaixão e justiça em suas relações. A fé não é passiva; ela gera frutos que refletem a transformação interior e a presença do Espírito Santo. A paz e a reconciliação com Deus se estendem, assim, à vida cotidiana, tornando-se fundamento para a ética cristã e para a construção de comunidades justas e fraternas.

      Em síntese, Romanos 3 a 5 apresenta um panorama completo da justificação pela fé:

      1. A humanidade não pode ser justificada pela Lei, pois todos são afetados pelo pecado.
      2. A fé em Cristo torna possível a justificação, independentemente das obras humanas.
      3. Abraão exemplifica a fé verdadeira, mostrando que a confiança em Deus é contada como justiça.
      4. A justificação traz paz e reconciliação, transformando a vida do crente.
      5. Cristo supera Adão, oferecendo graça, vida e salvação universal.

      Essa doutrina não é apenas teológica, mas profundamente prática. Ela oferece esperança, segurança e liberdade ao crente, ensinando que a salvação é dom de Deus e não conquista humana. Ao mesmo tempo, ela desafia os cristãos a viver de forma coerente com a fé, refletindo a justiça divina em atos concretos de amor e serviço. A justificação pela fé revela o coração do evangelho: Deus, em sua misericórdia, torna possível que a humanidade, apesar do pecado, participe de sua vida e graça, transformando cada pessoa de dentro para fora.

      Portanto, entender a justificação pela fé é compreender o cerne do cristianismo: a graça de Deus, manifestada em Cristo, que liberta, reconcilia e transforma. É a certeza de que, independentemente de nosso passado ou imperfeições, a fé em Jesus nos garante justiça, paz e vida eterna, inaugurando uma nova realidade de comunhão com Deus e com os irmãos.

      Santificação e vida nova em Cristo (Rm 6 – 8)

        • O crente está morto para o pecado e vivo para Deus.
        • A lei revela o pecado, mas não salva.
        • O Espírito Santo capacita para a vida cristã (Rm 8), culminando com a esperança da glória futura.

        Após apresentar a justificação pela fé, Paulo continua em Romanos 6 a 8 explicando a vida nova que o crente recebe em Cristo. Enquanto a justificação trata de ser declarado justo diante de Deus, a santificação refere-se ao processo pelo qual essa justiça começa a se manifestar na vida cotidiana, transformando atitudes, desejos e ações.

        No capítulo 6, Paulo introduz a ideia de que aqueles que foram batizados em Cristo compartilham de sua morte e ressurreição. Ele enfatiza que, assim como Cristo morreu para o pecado e ressuscitou para a vida, os cristãos também são chamados a morrer para o pecado e viver para Deus. Essa morte simbólica ao pecado significa que o crente não está mais escravizado às práticas e desejos antigos que o afastavam de Deus. A ressurreição em Cristo representa, portanto, uma nova vida, caracterizada pela liberdade espiritual e pela possibilidade de viver segundo a vontade divina. Paulo ressalta que essa transformação não é superficial: ela atinge o coração e a mente, permitindo uma mudança duradoura de comportamento.

        A santificação não é obra humana isolada; ela ocorre pela graça de Deus e pela ação do Espírito Santo. Em Romanos 7, Paulo descreve o conflito interno que permanece no crente: apesar de desejar obedecer a Deus, o ser humano ainda sente a presença do pecado em sua carne. Esse conflito mostra que a santificação é um processo contínuo, que exige dependência constante de Deus. É nesse contexto que Paulo apresenta a figura do Espírito Santo, no capítulo 8, como aquele que capacita o crente a viver de maneira plena e livre. O Espírito não apenas fortalece a obediência, mas também produz frutos espirituais, como amor, paciência, bondade e autocontrole, evidenciando a transformação interior.

        Romanos 8 apresenta uma das promessas mais consoladoras do evangelho: não há condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus. Esse capítulo reforça que a vida nova em Cristo não é marcada por medo ou insegurança, mas por liberdade, esperança e intimidade com Deus. O Espírito Santo intercede pelos crentes, garantindo que suas fraquezas e limitações não os separem do amor divino. Assim, a santificação é inseparável da vida no Espírito: é por meio dele que a fé se traduz em ações concretas, em uma vida alinhada à vontade de Deus.

        Paulo também destaca a dimensão escatológica da santificação. A vida nova em Cristo é uma antecipação da glória futura, quando o pecado e a morte serão finalmente derrotados. Mesmo diante das dificuldades, sofrimentos e lutas diárias, o crente pode viver com confiança, sabendo que Deus trabalha para o bem daqueles que O amam. A santificação, portanto, não é apenas moralização ou esforço pessoal, mas participação na obra contínua de Deus de restaurar e transformar toda a criação.

        Em síntese, Romanos 6 a 8 apresenta uma progressão clara na vida do crente:

        1. Morte para o pecado e nova vida em Cristo – a ressurreição de Cristo se torna modelo e força para a transformação pessoal.
        2. Conflito interno e dependência do Espírito – o pecado ainda é realidade, mas o Espírito Santo capacita o crente a vencê-lo.
        3. Liberdade e segurança no amor de Deus – a vida no Espírito garante que não há condenação, mesmo diante das falhas humanas.
        4. Esperança futura e glorificação – a santificação aponta para a participação plena na glória de Deus, quando a vida nova se consumará eternamente.

        A santificação, portanto, é uma vida de constante crescimento em Cristo, marcada pela transformação de pensamentos, atitudes e relacionamentos. É viver a fé de forma prática, traduzindo a justificação recebida em liberdade, amor e integridade diária. Essa vida nova não é fruto de esforço humano isolado, mas da cooperação com Deus, que atua no coração do crente por meio do Espírito Santo.

        Romanos 6 a 8 revela que a santificação é um chamado à consciência de identidade em Cristo. O crente não é mais definido pelo pecado, pelo passado ou por falhas humanas, mas por sua união com Cristo e pela obra do Espírito em sua vida. É um convite a viver de maneira coerente com a graça recebida, experimentando a liberdade, a paz e a plenitude que só podem ser encontradas em Deus. Essa transformação não é apenas individual, mas comunitária, refletindo-se na ética, no amor ao próximo e na contribuição para a construção de um mundo mais justo e compassivo.

        Em resumo, a santificação e a vida nova em Cristo mostram que a fé cristã não se limita a um estado legal diante de Deus, mas se manifesta em uma experiência diária de crescimento, liberdade e comunhão com Deus. A vida nova em Cristo é a evidência prática da graça recebida, o testemunho de que Deus transforma, renova e conduz aqueles que confiam plenamente em Seu poder. Ela nos lembra que a fé verdadeira se traduz em ação, esperança e perseverança, mesmo diante dos desafios da vida.

        O plano de Deus para Israel e os gentios (Rm 9 – 11)

          • A eleição divina e a soberania de Deus.
          • Israel rejeitou o Messias, mas não foi rejeitado definitivamente.
          • O mistério: a inclusão dos gentios e a futura restauração de Israel.

          Nos capítulos 9 a 11 da carta aos Romanos, Paulo aborda uma questão delicada e central para a compreensão do evangelho: a relação entre Deus, Israel e os gentios. Ele trata da fidelidade divina às promessas feitas ao povo de Israel, da responsabilidade humana diante da fé e do papel dos gentios no plano redentor de Deus. Esse trecho revela a sabedoria e a soberania de Deus na condução da história da salvação.

          Paulo começa no capítulo 9 expressando sua profunda dor e preocupação pelo seu povo, Israel. Ele reconhece que, embora Israel tenha sido o escolhido de Deus e tenha recebido as promessas, nem todos se voltaram para a fé em Cristo. Essa realidade levanta a questão de por que alguns são alcançados pela salvação e outros não. Paulo enfatiza que a escolha de Deus não depende de mérito humano, mas de sua misericórdia e propósito soberano. Ele cita exemplos do Antigo Testamento, como Isaque e Jacó, para ilustrar que Deus atua segundo seu plano e chama aqueles que Ele deseja, conforme Sua sabedoria e justiça.

          No capítulo 10, Paulo apresenta uma resposta pastoral e prática: a salvação está disponível a todos, mas depende da confissão de fé e da pregação do evangelho. Ele afirma que “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”, destacando que a justiça que vem da fé é acessível tanto a judeus quanto a gentios. A obediência à Lei, por si só, não garante a salvação; é a fé em Cristo que une a humanidade ao plano de Deus. Assim, Paulo demonstra que o evangelho não anula a promessa feita a Israel, mas a cumpre e a expande, incluindo os gentios.

          O capítulo 11 aprofunda a compreensão do papel de Israel e dos gentios no plano divino. Paulo apresenta a metáfora da oliveira: os judeus, como ramos naturais, foram parcialmente endurecidos, enquanto os gentios, como ramos enxertados, participam agora da mesma árvore de vida espiritual. Essa imagem mostra que a salvação é um dom de Deus, oferecido pela graça, sem distinção de origem étnica. Ao mesmo tempo, Paulo enfatiza que Deus não rejeitou definitivamente Israel; há sempre a possibilidade de arrependimento e restauração, demonstrando que o plano divino é inclusivo e fiel às promessas feitas aos antepassados.

          Paulo também ensina que a história da salvação é marcada por mistério e sabedoria divina. Deus permite que algumas situações, como o endurecimento temporário de Israel, sirvam para que os gentios conheçam a graça, enquanto mantém a promessa de restauração futura para Israel. Esse equilíbrio revela a justiça e misericórdia divinas, mostrando que o plano de Deus é maior do que a compreensão humana e que Ele age sempre para cumprir seus propósitos eternos.

          Em síntese, Romanos 9 a 11 apresenta os seguintes pontos centrais:

          1. Soberania e fidelidade de Deus – Ele escolhe segundo seu propósito, não pelo mérito humano.
          2. Inclusão dos gentios – A salvação é oferecida a todos os que creem, integrando-os no povo de Deus.
          3. Esperança para Israel – O povo escolhido permanece parte do plano divino, com possibilidade de arrependimento e restauração.
          4. Mistério da história da salvação – Deus conduz a história de forma sábia, equilibrando justiça e misericórdia.

          O ensino de Paulo sobre Israel e os gentios é relevante não apenas para a compreensão histórica, mas também para a vida cristã contemporânea. Ele nos lembra que a salvação é obra de Deus, não fruto do esforço humano, e que o evangelho é universal, rompendo barreiras culturais, étnicas e sociais. Além disso, destaca a importância de respeitar a diversidade dentro do plano de Deus, reconhecendo que cada pessoa, povo e história estão sob a providência divina.

          Portanto, Romanos 9 a 11 revela a complexidade e profundidade do plano de Deus para a humanidade. Ele é justo, misericordioso, soberano e fiel às promessas. Israel e os gentios participam da mesma obra de salvação, mostrando que a graça divina é universal e transformadora. Esse trecho da carta convida os crentes a confiar na sabedoria de Deus, a viver a fé de forma inclusiva e a reconhecer que o plano divino é maior do que qualquer compreensão humana limitada. A história da salvação, portanto, não é apenas um relato do passado, mas um convite contínuo à esperança, à fidelidade e à participação ativa na obra de Deus no mundo.

          Exortações práticas (Rm 12 – 15,13)

          • Vida cristã transformada: amor, serviço, submissão às autoridades, cuidado com os fracos na fé.
          • O evangelho se manifesta em ética comunitária.

          Após apresentar a doutrina da justificação, da santificação e da vida no Espírito, Paulo dedica os capítulos 12 a 15,13 de Romanos a instruções práticas sobre como a fé deve se manifestar na vida diária do cristão. Essas exortações têm um caráter ético, relacional e comunitário, mostrando que o evangelho não é apenas conhecimento teológico, mas força transformadora para a ação, convivência e serviço.

          No início do capítulo 12, Paulo enfatiza a consagração total a Deus, chamando os crentes a oferecerem seus corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Essa linguagem remete à ideia de entrega integral, sugerindo que a fé não se limita a crenças ou rituais, mas se traduz em atitudes concretas de obediência, serviço e amor. A consagração envolve tanto a esfera espiritual quanto as escolhas práticas da vida cotidiana, desde decisões éticas até comportamentos sociais.

          Paulo segue com instruções sobre humildade, serviço e diversidade de dons. Ele compara a comunidade cristã a um corpo, no qual cada membro desempenha um papel específico, mas todos são essenciais para o funcionamento saudável do todo. Essa metáfora reforça a importância de reconhecer talentos, vocações e funções diferentes, promovendo unidade, colaboração e respeito mútuo. Os dons espirituais — como ensino, serviço, administração e hospitalidade — devem ser usados não para glória própria, mas para edificação da comunidade e expansão do Reino de Deus.

          O capítulo 13 enfatiza a responsabilidade social e ética. Paulo instrui os crentes a se submeterem às autoridades civis, pagando impostos e vivendo de forma honesta e pacífica. Ele destaca que o amor ao próximo é o cumprimento da Lei, lembrando que a ética cristã não se restringe ao culto, mas se manifesta no respeito às regras, à justiça e à convivência harmoniosa na sociedade. Nesse contexto, o amor é entendido como força transformadora que orienta comportamentos e decisões.

          No capítulo 14 e início do 15, Paulo aborda questões de consciência e convivência entre diferentes membros da comunidade. Ele reconhece que existem diferenças legítimas entre os crentes, como práticas alimentares ou observância de dias específicos, e exorta a não julgar uns aos outros. A prioridade deve ser preservar a unidade, edificar o próximo e agir com sensibilidade, evitando causar escândalo ou tropeço. Essa orientação evidencia que a vida cristã envolve responsabilidade comunitária, empatia e discernimento, equilibrando liberdade e cuidado pelo outro.

          Paulo também enfatiza a importância da esperança, da paciência e da perseverança. Ele encoraja os crentes a se alegrarem na esperança, suportarem as tribulações e manterem a prática da oração constante. Essas exortações revelam que a fé cristã é dinâmica, exigindo resistência diante das dificuldades e confiança na fidelidade de Deus. O foco não está apenas na sobrevivência, mas em uma vida ativa de serviço, amor e crescimento espiritual.

          Em resumo, as exortações práticas de Romanos 12 a 15,13 apresentam princípios claros para a vida cristã:

          1. Entrega e consagração a Deus – a fé deve guiar pensamentos, ações e decisões.
          2. Humildade e uso dos dons – cada membro da comunidade tem um papel único, a serviço do bem comum.
          3. Amor e responsabilidade ética – a moral cristã se manifesta em respeito, honestidade e serviço social.
          4. Unidade na diversidade – diferenças legítimas devem ser respeitadas, priorizando a edificação do outro.
          5. Esperança e perseverança – viver a fé exige paciência, oração e confiança na obra de Deus.

          Essas instruções permanecem extremamente relevantes para os cristãos hoje. Elas lembram que a fé verdadeira não é isolada, mas se manifesta na convivência, no serviço, no amor e no cuidado pelos outros. Paulo mostra que a vida cristã é integral, conectando crença, ética, relacionamentos e missão.

          Em síntese, Romanos 12 a 15,13 ensina que a fé deve ser prática e transformadora, conduzindo o credente a viver com integridade, amor e responsabilidade. Ao seguir essas exortações, a comunidade cristã se fortalece, a sociedade é impactada positivamente e o evangelho é vivido de forma concreta, fiel à mensagem de Cristo.

          Conclusão (Rm 15,14 – 16,27)

            • Saudações, recomendações e bênção final.

            Nos capítulos finais da carta aos Romanos, Paulo encerra sua exposição teológica com instruções práticas, saudações pessoais e palavras de encorajamento, mostrando que a fé não é apenas conhecimento, mas se traduz em relações, serviço e comunhão. A conclusão (Rm 15,14 – 16,27) revela a dimensão pastoral da carta e oferece importantes lições sobre a vida cristã em comunidade.

            Paulo começa reafirmando sua confiança na maturidade espiritual dos cristãos em Roma. Ele os descreve como pessoas cheias de capacidade para ensinar e exortar uns aos outros, evidenciando que a fé verdadeira gera sabedoria, discernimento e ação prática. Essa afirmação reforça que a teologia apresentada ao longo da carta não é apenas teoria, mas deve produzir frutos na vida cotidiana: encorajamento mútuo, edificação da comunidade e unidade entre judeus e gentios.

            Em seguida, Paulo apresenta sua intenção missionária. Ele compartilha seu desejo de visitar Roma e, a partir daí, seguir para a Espanha, mostrando que a missão cristã é global e que a propagação do evangelho depende da mobilidade, coragem e fidelidade dos crentes. Esse aspecto revela a dimensão universal do evangelho, que não se restringe a uma cultura ou território específico, mas se estende a todos os povos.

            A carta também enfatiza a importância da união e da humildade dentro da comunidade. Paulo exorta os cristãos a aceitarem uns aos outros, assim como Cristo os aceitou, promovendo harmonia entre diferentes grupos étnicos e sociais. Essa instrução é particularmente relevante, considerando que a igreja de Roma incluía tanto judeus quanto gentios, cada um com suas tradições e experiências espirituais. O apóstolo destaca que a verdadeira unidade cristã não é conformidade superficial, mas um respeito profundo e mútuo, enraizado no amor e na fé em Cristo.

            Nos versículos finais, Paulo dedica uma atenção especial às saudações pessoais, mencionando diversos colaboradores, líderes e irmãos na fé. Essa lista de nomes revela a rede de relacionamentos que sustentava a missão cristã e mostra como a vida da igreja dependia de comunhão, apoio mútuo e serviço conjunto. Cada saudação transmite reconhecimento, gratidão e incentivo, refletindo a importância do cuidado pastoral e da valorização das pessoas dentro da obra de Deus.

            Paulo conclui com orações e bênçãos, destacando a grandeza e a fidelidade de Deus. Ele enfatiza que todo louvor e glória pertencem a Deus, que é capaz de fortalecer, orientar e guardar a comunidade em união com Cristo. Essa doxologia final (Rm 16,25-27) serve como um lembrete de que, apesar das dificuldades e desafios enfrentados na vida cristã, o plano de Deus é soberano e eficaz, garantindo que a mensagem do evangelho seja propagada e que a obra de salvação seja consumada.

            A conclusão da carta aos Romanos, portanto, cumpre várias funções essenciais:

            1. Reforço da maturidade espiritual – Paulo reconhece a capacidade dos cristãos de viver e ensinar a fé.
            2. Dimensão missionária – O apóstolo expressa seu compromisso de levar o evangelho a outros lugares, inspirando a comunidade a apoiar a missão.
            3. Unidade e aceitação – Paulo enfatiza a necessidade de harmonizar diferenças culturais e sociais na comunidade cristã.
            4. Reconhecimento das pessoas – As saudações pessoais mostram a importância da rede de apoio e do cuidado pastoral.
            5. Doxologia final – A carta termina com louvor a Deus, lembrando que a salvação e a propagação do evangelho dependem da ação soberana do Criador.

            Além disso, a conclusão de Romanos tem um valor pedagógico e inspirador. Ela ensina que a fé deve se manifestar em atitudes concretas: amor ao próximo, serviço, unidade e reconhecimento das contribuições de cada membro da comunidade. Paulo mostra que a vida cristã é simultaneamente profunda em doutrina e prática, combinando teologia com vivência comunitária e compromisso missionário. É um convite a viver a fé de forma integral, unindo conhecimento, ação e relacionamento.

            Em suma, Romanos 15,14 – 16,27 encerra a carta com uma síntese do que Paulo defendeu desde os primeiros capítulos: a graça de Deus transforma vidas, promove reconciliação e estabelece a comunidade como instrumento de propagação do evangelho. A conclusão reforça a centralidade de Cristo na vida do crente, a importância da unidade na diversidade e a necessidade de viver a fé de maneira prática, amorosa e missionária. Ela serve como um modelo para todas as comunidades cristãs, lembrando que a teologia deve sempre conduzir à ação, à edificação e à glorificação de Deus.

            3. Temas Teológicos Principais

            • Justificação pela fé: A salvação não depende de obras da lei, mas da graça de Deus recebida pela fé em Jesus Cristo.
            • Universalidade do pecado e da salvação: Tanto judeus como gentios estão debaixo do pecado, mas também são chamados à mesma salvação.
            • O papel da lei: A lei é santa, mas impotente para salvar; ela aponta para Cristo.
            • O Espírito Santo: Central na vida cristã, como poder para vencer o pecado e viver em santidade (Rm 8).
            • Eleição e soberania de Deus: Deus dirige a história da salvação segundo sua misericórdia.
            • Unidade da igreja: A diversidade entre judeus e gentios deve ser superada em Cristo.

            4. Relevância Atual

            Estes temas teológicos são os principais tópicos que fazem com que a Carta aos Romanos tenha ainda a sua relevância para o cristianismo ainda nos dias de hoje. A Carta aos Romanos, escrita pelo apóstolo Paulo no século I, continua sendo uma das epístolas mais influentes do Novo Testamento, com profunda relevância para a fé cristã contemporânea. Apesar de seu contexto histórico distante, os temas centrais da carta — justificação pela fé, santificação, graça de Deus, vida no Espírito e relação entre judeus e gentios — oferecem orientações práticas e espirituais que permanecem essenciais para os cristãos de hoje.

            Uma das principais contribuições de Romanos é a ênfase na justificação pela fé. Em um mundo marcado por competição, busca por mérito e autoafirmação, a carta lembra que a salvação não depende de esforço humano ou status social, mas da fé em Cristo e da graça divina. Essa mensagem oferece segurança, paz interior e liberdade diante de pressões externas, reforçando que o valor do ser humano não é medido por conquistas, mas pela aceitação e amor de Deus.

            A Carta aos Romanos também destaca a vida nova em Cristo e a santificação. Em um contexto contemporâneo de crises éticas e conflitos sociais, Paulo oferece um modelo de transformação pessoal que vai além de normas externas: a fé verdadeira produz mudanças internas, moldando pensamentos, atitudes e relacionamentos. A santificação é apresentada como um processo de crescimento contínuo, auxiliado pelo Espírito Santo, que capacita o crente a viver de maneira coerente com seus valores e princípios, mesmo diante de desafios e tentações.

            Outro ponto de grande relevância é a universalidade do evangelho. Romanos mostra que a graça de Deus não se limita a um povo ou cultura específica; judeus e gentios, diferentes grupos sociais e históricos, são igualmente convidados a participar da salvação. Para o cristão moderno, essa mensagem reafirma a importância da inclusão, tolerância e respeito à diversidade, fortalecendo a visão de uma comunidade de fé que transcende barreiras étnicas, culturais e sociais.

            A carta também trata do propósito e soberania de Deus na história, especialmente na relação entre Israel e os gentios. Para os leitores contemporâneos, isso oferece esperança em meio às incertezas da vida, lembrando que Deus está trabalhando para o bem de todos que confiam Nele. Essa perspectiva ajuda a enfrentar dificuldades pessoais e coletivas com paciência, confiança e perseverança, sabendo que os eventos da vida não ocorrem ao acaso, mas fazem parte de um plano maior.

            Além disso, Romanos apresenta um modelo de ética comunitária e responsabilidade social. Paulo enfatiza a necessidade de viver em harmonia, de apoiar uns aos outros e de servir com humildade. Em sociedades frequentemente marcadas por individualismo, conflitos e desigualdades, esses ensinamentos inspiram práticas de solidariedade, justiça e cuidado com o próximo. A carta mostra que a fé não é apenas experiência pessoal, mas deve se manifestar em ações concretas de amor, reconciliação e serviço.

            Finalmente, a carta oferece fundamento teológico sólido para a reflexão e ensino cristão. Temas como a natureza do pecado, a graça, a fé, a ressurreição e a esperança eterna ajudam o cristão a compreender a profundidade do evangelho, fortalecendo a fé e fornecendo respostas para questões existenciais e espirituais. Em um mundo que frequentemente questiona sentido, propósito e moralidade, Romanos continua sendo uma fonte de clareza, orientação e segurança espiritual.

            Em síntese, a relevância atual da Carta aos Romanos se manifesta em múltiplos níveis:

            • Espiritual: reforça a fé e a confiança na graça de Deus.
            • Ético: orienta a transformação de vida e prática do amor ao próximo.
            • Comunitário: promove unidade, inclusão e cooperação entre diferentes pessoas.
            • Esperança: lembra que Deus é soberano e fiel aos seus propósitos.
            • Missionário: incentiva a propagação do evangelho de forma global e inclusiva.

            Romanos não é apenas um documento histórico ou teológico; é um guia para viver a fé de forma plena e prática no mundo atual. Ele desafia o cristão a equilibrar conhecimento, espiritualidade e ação ética, mostrando que a fé verdadeira transforma o indivíduo e a sociedade. Por isso, a carta continua sendo indispensável, oferecendo inspiração, direção e esperança a todos que buscam compreender e viver o evangelho de maneira autêntica.

            Fontes:

            1. BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.
            2. FITZMYER, Joseph A. Romanos: Introdução, Tradução e Comentário. São Paulo: Paulus, 1993. (Comentário Bíblico)
            3. SUETÔNIO. A Vida dos Doze Césares. Trad. Sady Garibaldi. São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2017.
            4. WRIGHT, N. T. Paul and the Faithfulness of God. Minneapolis: Fortress Press, 2013.
            5. KONINGS, Johan. Cartas Paulinas. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2009.

            50 anos de vida religiosa

            Nós Pias Discípulas do Divino Mestre temos a alegria de festejar com as nossas irmãs Lourdes Tonon e Irene Brunetta 50 anos de vida religiosa.

            Ir. Lourdes Tonon atualmente mora na comunidade de Brasília, DF. Ela nos escreve:

            50 Anos: Jubileu de Ouro! No dia 23 de setembro 2020, completei 50 anos de dedicação e sim constante ao Mestre Jesus. É um tempo de louvor, tempo de dar gracas, tempo de júbilo e alegria pela fidelidade de Deus para comigo. Também um tempo de avaliação e de pedido de perdão pelas incorrespondências ao projeto dele sobre mim. Que ele me conserve fiel e feliz na missao de amar e servir, na certeza de que havendo iniciado em mim sua boa obra a levará a um bom final. Senhor, envia novos operários para tua messe. Amem.

            Ir. Irene Brunetta mora na comunidade de Olinda/Recife, PE. Ela atualmente cumpre a desafiante missão de coordenar a loja Apostolado Litúrgico, em Recife, PE.

            Às nossas duas irmãs, pedimos a Deus a constante presença na vida delas. Para que Ele leve a bom termo tudo que começou em cada uma delas!

            Nossa comunhão na oração.

            Comunidade de atendimento à população de rua faz bazar beneficiente

            A Associação Solidária Amigos de Betânia (ASAB) está com uma exposição na Rua Uruguaiana, 39B, Rio de Janeiro, RJ. É um bazar beneficiente. Nele está a exposição de móveis customizados e objetos para decoração feitos pelos internos do projeto sob a orientação dos professores do projeto.

            Em janeiro de 2020, na sede da ASAB houve um incêndio e eles perderam o espaço que tinham. Agora estão trabalhando para reconstrução do espaço. Esta exposição faz parte deste projeto de arrecadação de fundos para adequação do espaço novamente para os atendimentos aos moradores em situação de rua.

            A Comunidade Betânia tem como público alvo a população de Rua adulta, gênero masculino, com idade de 18 à 59 anos, em situação de risco e vulnerabilidade, enquadrando-se assim, no serviço de alta complexidade e vulnerabilidade social agravado ou não pela dependência de álcool e/ou outras drogas. Assim, a comunidade trabalha no resgate de valores essenciais, tais como: autonomia, saúde integral, respeito e direito à vida, resgate da autoestima, exercício de direitos e cidadania, prática da fraternidade e justiça, igualdade de direitos e solidariedade.

            O Apostolado Litúrgico cedeu o espaço onde haverá a venda destes objetos. Era o espaço da antiga loja. É a arte que reconstrõe a vida destes nossos irmãos da Comunidade Betânia, no Rio de Janeiro.

            A partir do dia 04 de novembro de 2020, haverá o atendimento ao público de 09h às 17hs, durante a semana, e sábado de 09h às 12h. Serão aceitos como forma de pagamento cartões de crédito, débito e espécie.

            Para mais informações de como colaborar com este projeto:
            E-mail: faleconosco@asab.org.br
            www.betaniaasab.org.br
            Facebook: Associação Solidários Amigos de Betânia
            Contato: (21) 2424.5702
            Whats: (21) 97972.4035

            Com Motu Proprio "Aperuit illis" Papa institui Domingo da Palavra de Deus

            “Portanto estabeleço que o III Domingo do Tempo Comum seja dedicado à celebração, reflexão e divulgação da Palavra de Deus. Este Domingo da Palavra de Deus colocar-se-á, assim, num momento propício daquele período do ano em que somos convidados a reforçar os laços com os judeus e a rezar pela unidade dos cristãos. Não se trata de mera coincidência temporal: a celebração do Domingo da Palavra de Deus expressa uma valência ecumênica, porque a Sagrada Escritura indica, a quantos se colocam à sua escuta, o caminho a seguir para se chegar a uma unidade autêntica e sólida.”, escreve o Papa no n.3 do documento.

            Cidade do Vaticano

            Fonte: Vatican News

            Com a Carta Apostólica na forma de Motu Proprio Aperuit illis o Santo Padre instituiu o Domingo da Palavra de Deus. Eis o texto do documento na íntegra:

            1.        «ABRIU-LHES o entendimento para compreenderem as Escrituras» (Lc 24, 45). Trata-se de um dos últimos gestos realizados pelo Senhor ressuscitado, antes da sua Ascensão. Encontrando-se os discípulos reunidos, Jesus aparece-lhes, parte o pão com eles e abre-lhes o entendimento à compreensão das sagradas Escrituras. Revela àqueles homens, temerosos e desiludidos, o sentido do mistério pascal, ou seja, que Ele, segundo os desígnios eternos do Pai, devia sofrer a paixão e ressuscitar dos mortos para oferecer a conversão e o perdão dos pecados (cf. Lc 24, 26.46-47); e promete o Espírito Santo que lhes dará a força para serem testemunhas deste mistério de salvação (cf. Lc 24, 49).

            A relação entre o Ressuscitado, a comunidade dos crentes e a Sagrada Escritura é extremamente vital para a nossa identidade. Sem o Senhor que nos introduz na Sagrada Escritura, é impossível compreendê-la em profundidade; mas é verdade também o contrário, ou seja, que, sem a Sagrada Escritura, permanecem indecifráveis os acontecimentos da missão de Jesus e da sua Igreja no mundo. Como justamente escreve S. Jerónimo, «a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo» (Commentarii in Isaiam, Prologus: PL 24, 17).

            2.        No termo do Jubileu Extraordinário da Misericórdia,pedi que se pensasse num «domingo dedicado inteiramente à Palavra de Deus, para compreender a riqueza inesgotável que provém daquele diálogo constante de Deus com o seu povo» (Carta ap. Misericordia et misera, 7). A dedicação dum domingo do Ano Litúrgico particularmente à Palavra de Deus permite, antes de mais nada, fazer a Igreja reviver o gesto do Ressuscitado que abre, também para nós, o tesouro da sua Palavra, para podermos ser no mundo arautos desta riqueza inexaurível. A propósito, voltam à mente os ensinamentos de Santo Efrém: «Quem poderá compreender, Senhor, toda a riqueza duma só das tuas palavras? Como o sedento que bebe da fonte, muito mais é o que perdemos do que o que tomamos. A tua palavra apresenta muitos aspetos diversos, como diversas são as perspetivas daqueles que a estudam. O Senhor pintou a sua palavra com muitas belezas, para que aqueles que a perscrutam possam contemplar aquilo que preferirem. Escondeu na sua palavra todos os tesouros, para que cada um de nós se enriqueça em qualquer dos pontos que medita» (Comentários sobre o Diatessaron, 1, 18).

            Assim, com esta Carta, pretendo dar resposta a muitos pedidos que me chegaram da parte do povo de Deus no sentido de se poder celebrar o Domingo da Palavra de Deus em toda a Igreja e com unidade de intenções. Já se tornou uma prática comum viver certos momentos em que a comunidade cristã se concentra sobre o grande valor que a Palavra de Deus ocupa na sua vida diária. Nas diversas Igrejas locais, há uma riqueza de iniciativas que torna a Sagrada Escritura cada vez mais acessível aos crentes para os fazerem sentir-se agradecidos por tão grande dom, comprometidos a vivê-lo no dia a dia e responsáveis por testemunhá-lo com coerência.

            O Concílio Ecuménico Vaticano II deu um grande impulso à redescoberta da Palavra de Deus, com a constituição dogmática Dei Verbum. Das suas páginas que merecem ser sempre meditadas e vividas, emergem de forma clara a natureza da Sagrada Escritura, a sua transmissão de geração em geração (cap. II), a sua inspiração divina (cap. III) que abraça o Antigo e o Novo Testamento (caps. IV e V) e a sua importância para a vida da Igreja (cap. VI). Para incrementar esta doutrina, Bento XVI convocou em 2008 uma Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre o tema «A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja» e, depois dela, publicou a exortação apostólica Verbum Domini, que constitui um ensinamento imprescindível para as nossas comunidades.[1] Neste Documento, aprofunda-se de modo particular o caráter performativo da Palavra de Deus, sobretudo quando, na ação litúrgica, emerge o seu caráter propriamente sacramental.[2]

            Por isso, é bom que não venha jamais a faltar na vida do nosso povo esta relação decisiva com a Palavra viva, que o Senhor nunca Se cansa de dirigir à sua Esposa, para que esta possa crescer no amor e no testemunho da fé.

            3.        Portanto estabeleço que o III Domingo do Tempo Comum seja dedicado à celebração, reflexão e divulgação da Palavra de Deus. Este Domingo da Palavra de Deus colocar-se-á, assim, num momento propício daquele período do ano em que somos convidados a reforçar os laços com os judeus e a rezar pela unidade dos cristãos. Não se trata de mera coincidência temporal: a celebração do Domingo da Palavra de Deus expressa uma valência ecuménica, porque a Sagrada Escritura indica, a quantos se colocam à sua escuta, o caminho a seguir para se chegar a uma unidade autêntica e sólida.

            As comunidades encontrarão a forma de viver este Domingo como um dia solene. Entretanto será importante que, na celebração eucarística, se possa entronizar o texto sagrado, de modo a tornar evidente aos olhos da assembleia o valor normativo que possui a Palavra de Deus. Neste Domingo, em particular, será útil colocar em evidência a sua proclamação e adaptar a homilia para se pôr em destaque o serviço que se presta à Palavra do Senhor. Neste Domingo, os Bispos poderão celebrar o rito do Leitorado ou confiar um ministério semelhante, a fim de chamar a atenção para a importância da proclamação da Palavra de Deus na liturgia. De facto, é fundamental que se faça todo o esforço possível no sentido de preparar alguns fiéis para serem verdadeiros anunciadores da Palavra com uma preparação adequada, tal como já acontece habitualmente com os acólitos ou os ministros extraordinários da comunhão. Da mesma maneira, os párocos poderão encontrar formas de entregar a Bíblia, ou um dos seus livros, a toda a assembleia, de modo a fazer emergir a importância de continuar na vida diária a leitura, o aprofundamento e a oração com a Sagrada Escritura, com particular referência à lectio divina.

            4.        O regresso do povo de Israel à pátria, depois do exílio de Babilónia, foi assinalado de modo significativo pela leitura do livro da Lei. A Bíblia dá-nos uma comovente descrição daquele momento, no livro de Neemias. O povo está reunido em Jerusalém, na praça da Porta das Águas, a escutar a Lei. Aquele povo dispersara-se com a deportação, mas agora encontra-se reunido à volta da Sagrada Escritura «como um só homem» (Ne 8, 1). Durante a leitura do Livro sagrado, o povo «escutava com atenção» (Ne 8, 3), ciente de encontrar naquela palavra o sentido para os acontecimentos vividos. Em reação à proclamação daquelas palavras, brotou a comoção e o pranto. Os levitas «liam, clara e distintamente, o livro da Lei de Deus e explicavam o seu sentido, de modo que se pudesse compreender a leitura. O governador Neemias, Esdras, sacerdote e escriba, e os levitas que instruíam o povo disseram a toda a multidão: “Este é um dia consagrado ao Senhor, vosso Deus; não vos entristeçais nem choreis”. Pois todo o povo chorava ao ouvir as palavras da Lei. (…) “Não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa força”» (Ne 8, 8-9.10).

            Estas palavras encerram uma grande lição. A Bíblia não pode ser património só de alguns e, menos ainda, uma coletânea de livros para poucos privilegiados. Pertence, antes de mais nada, ao povo convocado para a escutar e se reconhecer nesta Palavra. Muitas vezes, surgem tendências que procuram monopolizar o texto sagrado, desterrando-o para alguns círculos ou grupos escolhidos. Não pode ser assim. A Bíblia é o livro do povo do Senhor que, escutando-a, passa da dispersão e divisão à unidade. A Palavra de Deus une os crentes e faz deles um só povo.

            5.        Nesta unidade gerada pela escuta, primariamente os Pastores têm a grande responsabilidade de explicar e fazer compreender a todos a Sagrada Escritura. Uma vez que é o livro do povo, todos os que têm a vocação de ser ministros da Palavra devem sentir fortemente a exigência de a tornar acessível à sua comunidade.

            De modo particular, a homilia desempenha uma função totalmente peculiar, porque possui «um caráter quase sacramental» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 142). Introduzir profundamente na Palavra de Deus, com uma linguagem simples e adaptada a quem escuta, requer do sacerdote que faça descobrir também «a beleza das imagens que o Senhor utilizava para incentivar a prática do bem» (Ibid., 142). Trata-se duma oportunidade pastoral a não perder!

            Com efeito, para muitos dos nossos fiéis, esta é a única ocasião que têm para captar a beleza da Palavra de Deus e a ver referida à sua vida diária. Por isso, é preciso dedicar tempo conveniente à preparação da homilia. Não se pode improvisar o comentário às leituras sagradas. Sobretudo a nós, pregadores, pede-se o esforço de não nos alongarmos desmesuradamente com homilias enfatuadas ou sobre assuntos não atinentes. Se nos detivermos a meditar e rezar sobre o texto sagrado, então seremos capazes de falar com o coração para chegar ao coração das pessoas que escutam, de modo a expressar o essencial que é recebido e produz fruto. Nunca nos cansemos de dedicar tempo e oração à Sagrada Escritura, para que seja acolhida, «não como palavra de homens, mas como ela é realmente, palavra de Deus» (1 Ts 2, 13).

            É bom também que os catequistas, atendendo ao ministério que desempenham de ajudar a crescer na fé, sintam a urgência de se renovar através da familiaridade e estudo das sagradas Escrituras, que lhes consintam promover um verdadeiro diálogo entre aqueles que os escutam e a Palavra de Deus.

            6.        Antes de ir ter com os discípulos, que estavam fechados em casa, e de lhes abrir a mente ao entendimento da Sagrada Escritura (cf. Lc 24, 44-45), o Ressuscitado aparece a dois deles no caminho que vai de Jerusalém a Emaús (cf. Lc 24, 13-35). Na sua narração, o evangelista Lucas faz notar que se verificou no próprio dia da Ressurreição, ou seja, no domingo. Aqueles dois discípulos conversavam sobre os recentes acontecimentos da paixão e morte de Jesus. O seu caminho é marcado pela tristeza e a desilusão, devido ao trágico fim de Jesus. Esperaram n’Ele como Messias libertador, e agora embatem no escândalo do Crucificado. Discretamente, o Ressuscitado em pessoa aproxima-Se e caminha com os discípulos, mas eles não O reconhecem (cf. Lc 24, 16). Ao longo do caminho, o Senhor interpela-os, dando-Se conta de que não compreenderam o sentido da sua paixão e morte; chama-lhes «homens sem inteligência e lentos de espírito» (Lc 24, 25) e, «começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que Lhe dizia respeito» (Lc 24, 27). Cristo é o primeiro exegeta! Não só as Escrituras antigas tinham predito aquilo que Jesus havia de realizar, mas Ele próprio quis ser fiel àquela Palavra para tornar evidente a única história da salvação, que n’Ele encontra a sua realização.

            7.        Por isso a Bíblia, enquanto Escritura Sagrada, fala de Cristo e anuncia-O como Aquele que deve passar pelo sofrimento para entrar na glória (cf. Lc 24, 26). E d’Ele falam não só uma parte, mas todas as Escrituras. Sem estas, são indecifráveis a sua morte e ressurreição. Por isso, uma das mais antigas confissões de fé sublinha que Cristo «morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Cefas» (1 Cor 15, 3-5). Uma vez que as Escrituras falam de Cristo, consentem acreditar que a sua morte e ressurreição não pertencem à mitologia mas à história, e encontram-se no centro da fé dos seus discípulos.

            É profundo o vínculo entre a Sagrada Escritura e a fé dos crentes. Sabendo que a fé vem da escuta, e a escuta centra-se na Palavra de Cristo (cf. Rm 10, 17), daí se vê a urgência e a importância que os crentes devem dar à escuta da Palavra do Senhor, tanto na ação litúrgica, como na oração e reflexão pessoais.

            8.        A «viagem» do Ressuscitado com os discípulos de Emaús conclui com a ceia. O misterioso Viandante acede ao pedido insistente que os dois Lhe dirigem: «Fica connosco, pois a noite vai caindo e o dia já está no ocaso» (Lc 24, 29). Sentam-se à mesa; Jesus toma o pão, pronuncia a bênção, parte-o e dá-o a eles. Naquele momento, abrem-se-lhes os olhos e reconhecem-No (cf. Lc 24, 31).

            A partir desta cena, compreendemos como seja indivisível a relação entre a Sagrada Escritura e a Eucaristia. O Concílio Vaticano II ensina: «A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo» (Dei Verbum, 21).

            A frequência assídua da Sagrada Escritura e a celebração da Eucaristia tornam possível o reconhecimento entre pessoas que são parte umas das outras. Como cristãos, somos um só povo que caminha na história, fortalecido pela presença no meio de nós do Senhor que nos fala e alimenta. O dia dedicado à Bíblia pretende ser, não «uma vez no ano», mas uma vez por todo o ano, porque temos urgente necessidade de nos tornar familiares e íntimos da Sagrada Escritura e do Ressuscitado, que não cessa de partir a Palavra e o Pão na comunidade dos crentes. Para tal, precisamos de entrar em confidência assídua com a Sagrada Escritura; caso contrário, o coração fica frio e os olhos permanecem fechados, atingidos, como somos, por inumeráveis formas de cegueira.

            Sagrada Escritura e Sacramentos são inseparáveis entre si. Quando os Sacramentos são introduzidos e iluminados pela Palavra, manifestam-se mais claramente como a meta dum caminho onde o próprio Cristo abre a mente e o coração ao reconhecimento da sua ação salvífica. Neste contexto, é preciso não esquecer um ensinamento que vem do livro do Apocalipse; lá se ensina que o Senhor está à porta e bate. Se uma pessoa ouvir a sua voz e Lhe abrir a porta, Ele entra para cear junto com ela (cf. 3, 20). Cristo Jesus bate à nossa porta através da Sagrada Escritura; se ouvirmos e abrirmos a porta da mente e do coração, então Ele entra na nossa vida e permanece connosco.

            9.        Na II Carta a Timóteo, que de certa forma constitui o testamento espiritual de Paulo, este recomenda ao seu fiel colaborador que frequente assiduamente a Sagrada Escritura. O Apóstolo está convencido de que «toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça» (3, 16). Esta recomendação de Paulo a Timóteo constitui uma base sobre a qual a constituição conciliar Dei Verbum aborda o grande tema da inspiração da Sagrada Escritura, base essa donde emergem particularmente a finalidade salvífica, a dimensão espiritual e o princípio da encarnação para a Sagrada Escritura.

            Apelando-se, antes de mais nada, à recomendação de Paulo a Timóteo, a Dei Verbum sublinha que «os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus, para nossa salvação, quis que fosse consignada nas sagradas Escrituras» (n. 11). Porque estas instruem tendo em vista a salvação pela fé em Cristo (cf. 2 Tm 3, 15), as verdades nelas contidas servem para a nossa salvação. A Bíblia não é uma coletânea de livros de história nem de crónicas, mas está orientada completamente para a salvação integral da pessoa. A inegável radicação histórica dos livros contidos no texto sagrado não deve fazer esquecer esta finalidade primordial: a nossa salvação. Tudo está orientado para esta finalidade inscrita na própria natureza da Bíblia, composta como história de salvação na qual Deus fala e age para ir ao encontro de todos os homens e salvá-los do mal e da morte.

            Para alcançar esta finalidade salvífica, a Sagrada Escritura, sob a ação do Espírito Santo, transforma em Palavra de Deus a palavra dos homens escrita à maneira humana (cf. Dei Verbum, 12). O papel do Espírito Santo na Sagrada Escritura é fundamental. Sem a sua ação, estaria sempre iminente o risco de ficarmos fechados apenas no texto escrito, facilitando uma interpretação fundamentalista, da qual é necessário manter-se longe para não trair o caráter inspirado, dinâmico e espiritual que o texto possui. Como recorda o Apóstolo, «a letra mata, enquanto o Espírito dá a vida» (2 Cor 3, 6). Por conseguinte, o Espírito Santo transforma a Sagrada Escritura em Palavra viva de Deus, vivida e transmitida na fé do seu povo santo.

            10.      A ação do Espírito Santo não diz respeito apenas à formação da Sagrada Escritura, mas atua também naqueles que se colocam à escuta da Palavra de Deus. É importante a afirmação dos padres conciliares, segundo a qual a Sagrada Escritura deve ser «lida e interpretada com o mesmo Espírito com que foi escrita» (Dei Verbum, 12). Com Jesus Cristo, a revelação de Deus alcança a sua realização e plenitude; e, todavia, o Espírito Santo continua a sua ação. De facto, seria redutivo limitar a ação do Espírito Santo apenas à natureza divinamente inspirada da Sagrada Escritura e aos seus diversos autores. Por isso, é necessário ter confiança na ação do Espírito Santo que continua a realizar uma sua peculiar forma de inspiração, quando a Igreja ensina a Sagrada Escritura, quando o Magistério a interpreta de forma autêntica (cf. ibid., 10) e quando cada crente faz dela a sua norma espiritual. Neste sentido, podemos compreender as palavras ditas por Jesus aos discípulos, depois que estes Lhe asseveraram ter compreendido o significado das suas parábolas: «Todo o doutor da lei instruído acerca do Reino do Céu é semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro» (Mt 13, 52).

            11.      Por fim, a Dei Verbum especifica que «as palavras de Deus, expressas por línguas humanas, tornaram-se intimamente semelhantes à linguagem humana, como outrora o Verbo do eterno Pai Se assemelhou aos homens, tomando a carne da fraqueza humana» (n. 13). Isto equivale a dizer que a encarnação do Verbo de Deus dá forma e sentido à relação entre a Palavra de Deus e a linguagem humana, com as suas condições históricas e culturais. É neste evento que ganha forma a Tradição, também ela Palavra de Deus (cf. ibid., 9). Muitas vezes corre-se o risco de separar Sagrada Escritura e Tradição, sem compreender que elas, juntas, constituem a única fonte da Revelação. O caráter escrito da primeira, nada tira ao facto de ela ser plenamente palavra viva; assim como a Tradição viva da Igreja, que no decurso dos séculos a transmite incessantemente de geração em geração, possui aquele livro sagrado como a «regra suprema da fé» (Ibid., 21). Além disso, antes de se tornar um texto escrito, a Sagrada Escritura foi transmitida oralmente e mantida viva pela fé dum povo que a reconhecia como sua história e princípio de identidade no meio de tantos outros povos. Por isso, a fé bíblica funda-se sobre a Palavra viva, não sobre um livro.

            12.      Quando a Sagrada Escritura é lida com o mesmo Espírito com que foi escrita, permanece sempre nova. O Antigo Testamento nunca é velho, uma vez que é parte do Novo, pois tudo é transformado pelo único Espírito que o inspira. O texto sagrado inteiro possui uma função profética: esta não diz respeito ao futuro, mas ao hoje de quem se alimenta desta Palavra. Afirma-o claramente o próprio Jesus, no início do seu ministério: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir» (Lc 4, 21). Quem se alimenta dia a dia da Palavra de Deus torna-se, como Jesus, contemporâneo das pessoas que encontra; não se sente tentado a cair em nostalgias estéreis do passado, nem em utopias desencarnadas relativas ao futuro.

            A Sagrada Escritura desempenha a sua ação profética, antes de mais nada, em relação a quem a escuta, provocando-lhe doçura e amargura. Vêm à mente as palavras do profeta Ezequiel, quando, convidado pelo Senhor a comer o rolo do livro, confessa: «Ele foi, na minha boca, doce como o mel» (3, 3). Também o evangelista João revive, na ilha de Patmos, a mesma experiência de Ezequiel de comer o livro, mas acrescenta algo de mais específico: «Na minha boca era doce como o mel; mas, depois de o comer, as minhas entranhas encheram-se de amargura» (Ap 10, 10).

            A doçura da Palavra de Deus impele-nos a comunicá-la a quantos encontramos na nossa vida, expressando a certeza da esperança que ela contém (cf. 1 Ped 3, 15-16). Entretanto a amargura apresenta-se, muitas vezes, no facto de verificar como se torna difícil para nós termos de a viver com coerência, ou de constatar sensivelmente que é rejeitada, porque não se considera válida para dar sentido à vida. Por isso, é necessário que nunca nos abeiremos da Palavra de Deus por mero hábito, mas nos alimentemos dela para descobrir e viver em profundidade a nossa relação com Deus e com os irmãos.

            13.      Outra provocação que nos vem da Sagrada Escritura tem a ver com a caridade. A Palavra de Deus apela constantemente para o amor misericordioso do Pai, que pede a seus filhos para viverem na caridade. A vida de Jesus é a expressão plena e perfeita deste amor divino, que nada guarda para si, mas a todos se oferece sem reservas. Na parábola do pobre Lázaro, encontramos uma indicação preciosa. Depois da morte de Lázaro e do rico, este vê o pobre no seio de Abraão e pede para Lázaro ser enviado a casa dos seus irmãos a fim de os advertir sobre a vivência do amor do próximo para evitar que venham sofrer os mesmos tormentos dele. A resposta de Abraão é incisiva: «Têm Moisés e os Profetas; que os oiçam!» (Lc 16, 29). Escutar as sagradas Escrituras para praticar a misericórdia: este é um grande desafio lançado à nossa vida. A Palavra de Deus é capaz de abrir os nossos olhos, permitindo-nos sair do individualismo que leva à asfixia e à esterilidade enquanto abre a estrada da partilha e da solidariedade.

            14.      Um dos episódios mais significativos desta relação entre Jesus e os discípulos é a Transfiguração. Acompanhado por Pedro, Tiago e João, Jesus sobe ao monte para rezar. Os evangelistas lembram como se tornaram resplandecentes o rosto e as vestes de Jesus, enquanto dois homens conversavam com Ele: Moisés e Elias, que personificam respetivamente a Lei e os Profetas, isto é, as sagradas Escrituras. A reação de Pedro a tal visão transborda de jubilosa maravilha: «Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para Ti, uma para Moisés e outra para Elias» (Lc 9, 33). Naquele momento, uma nuvem cobre-os com a sua sombra, e o medo apodera-se dos discípulos.

            A Transfiguração faz pensar na Festa dos Tabernáculos, quando Esdras e Neemias liam o texto sagrado ao povo, depois do regresso do exílio. Ao mesmo tempo, antecipa a glória de Jesus como preparação para o escândalo da paixão; glória divina que é evocada também pela nuvem que envolve os discípulos, símbolo da presença do Senhor. Esta Transfiguração é semelhante à da Sagrada Escritura, que se transcende a si mesma, quando alimenta a vida dos crentes. Como nos recorda a Verbum Domini, «para se recuperar a articulação entre os diversos sentidos da Escritura, torna-se decisivo identificar a passagem entre letra e espírito. Não se trata duma passagem automática e espontânea; antes, é preciso transcender a letra» (n. 38).

            15.      No caminho da receção da Palavra de Deus, acompanha-nos a Mãe do Senhor, reconhecida como bem-aventurada por ter acreditado no cumprimento daquilo que Lhe dissera o Senhor (cf. Lc 1, 45). A bem-aventurança de Maria antecede todas as bem-aventuranças pronunciadas por Jesus para os pobres, os aflitos, os mansos, os pacificadores e os que são perseguidos, porque é condição necessária para qualquer outra bem-aventurança. Nenhum pobre é bem-aventurado por ser pobre; mas passa a sê-lo, se, como Maria, acreditar no cumprimento da Palavra de Deus. Lembra-o um grande discípulo e mestre da Sagrada Escritura, Santo Agostinho: «Uma pessoa do meio da multidão, cheia de entusiasmo, exclamou: “Bem-aventurado o ventre que Te trouxe”. E Ele: “Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a guardam”. Como que a dizer: também a minha mãe, a quem tu chamas bem-aventurada, é bem-aventurada justamente porque guarda a palavra de Deus, não porque n’Ela o Verbo Se fez carne e habitou entre nós, mas porque guarda o próprio Verbo de Deus por meio do Qual foi feita, e que n’Ela Se fez carne» (Sobre o Evangelho de São João, 10, 3).

            Possa o domingo dedicado à Palavra fazer crescer no povo de Deus uma religiosa e assídua familiaridade com as sagradas Escrituras, tal como ensinava o autor sagrado já nos tempos antigos: esta palavra «está muito perto de ti, na tua boca e no teu coração, para a praticares» (Dt 30, 14).

            Roma, em São João de Latrão, no dia 30 de setembro de 2019, Memória litúrgica de São Jerónimo e início do 1600º aniversário da sua morte.

            [Franciscus]

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            [1] Cf. AAS 102 (2010), 692-787.

            [2] «Assim é possível compreender a sacramentalidade da Palavra através da analogia com a presença real de Cristo sob as espécies do pão e do vinho consagrados. Aproximando-nos do altar e participando no banquete eucarístico, comungamos realmente o corpo e o sangue de Cristo. A proclamação da Palavra de Deus na celebração comporta reconhecer que é o próprio Cristo que Se faz presente e Se dirige a nós para ser acolhido» (Verbum Domini, 56).