A liturgia de hoje (21/08/2025) nos apresenta leituras profundamente desafiadoras, capazes de provocar em nós tanto estranhamento quanto esperança. De um lado, a primeira leitura (Jz 11,29-39a) traz a história trágica do voto insensato de Jefté, que termina com a morte de sua própria filha. De outro, o Evangelho (Mt 22,1-14) nos abre a perspectiva de um Deus que convida todos para o banquete de bodas do Reino, revelando sua graça gratuita. O salmo responsorial (Sl 39/40) se coloca no meio desses dois textos como chave de interpretação: “Sacrifício e oblação não quiseste, mas abriste, Senhor, os meus ouvidos”.
Essas leituras, quando lidas em conjunto, nos ajudam a refletir sobre a diferença entre uma religiosidade baseada em medo, violência e barganha, e a verdadeira fé, fundada na escuta da Palavra e no acolhimento do amor gratuito de Deus.
A liturgia de hoje e o contexto do Livro dos Juízes
A liturgia de hoje começa com um episódio marcante do Livro dos Juízes. Jefté, um homem de origem marginalizada, é escolhido para libertar Israel da opressão dos amonitas. Antes da batalha, tomado pelo desejo de vitória, ele faz uma promessa precipitada: se vencer, oferecerá em holocausto a primeira pessoa que sair da porta de sua casa para saudá-lo. Para sua tragédia, quem sai é sua filha única.
O texto bíblico não é um modelo a ser imitado, mas um retrato cru da mentalidade da época, quando práticas religiosas pagãs — como sacrifícios humanos — ainda influenciavam Israel. Aqui, a Escritura não silencia a dor, nem tenta “adoçar” a dureza do acontecimento. Ela nos coloca diante de uma experiência de fé mal compreendida, que acaba gerando morte e sofrimento.
Um voto insensato e uma religiosidade distorcida
O drama de Jefté é, antes de tudo, um alerta. Ele tinha sido revestido pelo Espírito do Senhor para conduzir o povo (Jz 11,29), mas isso não o impediu de agir de maneira equivocada. Seu voto revela uma tentativa de “comprar” o favor divino, como se Deus precisasse de pagamento humano para conceder a vitória.
Essa postura mostra uma compreensão distorcida de Deus: em vez de confiar na sua misericórdia e na sua promessa, Jefté se deixou levar pelo medo e pela superstição. O resultado é um ato de violência contra a própria vida, justamente contra a filha que representava sua descendência e esperança de futuro.
O contraste com o salmo da liturgia de hoje
É interessante perceber como o salmo responsorial da liturgia de hoje oferece uma resposta direta ao drama de Jefté. O Salmo 39(40) proclama: “Sacrifício e oblação não quiseste, mas abriste, Senhor, os meus ouvidos”. Aqui, o salmista deixa claro que Deus não se agrada de rituais vazios ou de ofertas violentas, mas deseja sobretudo a escuta obediente e a disponibilidade interior.
Se Jefté tivesse compreendido isso, não teria caído na armadilha de pensar que o sacrifício de uma vida humana poderia agradar ao Senhor. O salmo, portanto, funciona como chave hermenêutica que nos orienta: o verdadeiro culto é feito de fé, obediência e amor, não de gestos desesperados ou supersticiosos.
O Evangelho e a gratuidade do convite divino

No Evangelho de Mateus (22,1-14), a liturgia de hoje apresenta a parábola das bodas. Um rei prepara a festa de casamento para seu filho e convida muitos, mas os primeiros convidados recusam, ocupados com seus próprios interesses. Então, o rei manda chamar todos os que encontrarem, bons e maus, para preencher a sala do banquete.
Aqui vemos o contraste com a primeira leitura. Enquanto Jefté tenta conquistar o favor de Deus por meio de um sacrifício terrível, Jesus revela que o Pai é aquele que oferece gratuitamente a salvação, comparada a um banquete de alegria. Não se trata de negociar com Deus, mas de acolher seu convite.
Contudo, há também o detalhe da veste nupcial. Isso nos lembra que, embora o convite seja gratuito, ele pede de nossa parte uma resposta sincera. Não basta apenas “estar presente” fisicamente; é preciso deixar-se transformar, vestir-se da graça que nos é oferecida.
Religião que gera morte versus fé que gera vida
Colocadas lado a lado, as leituras da liturgia de hoje nos ajudam a discernir entre dois tipos de religiosidade:
- Uma religião distorcida, que nasce do medo, da superstição e da tentativa de controlar Deus, mas que termina gerando violência e morte (como no caso de Jefté).
- A fé verdadeira, que nasce da escuta e da confiança no amor gratuito de Deus, levando à vida plena e à alegria do banquete (como ensina Jesus na parábola).
Esse contraste nos convida a examinar a qualidade de nossa própria fé: será que buscamos a Deus por confiança e amor, ou por interesse e medo? Estamos abertos à sua graça gratuita, ou ainda tentamos negociar com Ele?
A história de Jefté pode parecer distante, mas ela continua atual. Quantas vezes ainda hoje vemos pessoas fazendo “promessas” a Deus, pensando que Ele exige algo em troca para abençoar sua vida? Muitas vezes, essa lógica pode levar a sofrimentos desnecessários e a uma compreensão equivocada do amor divino.
O Evangelho, ao contrário, nos chama a uma espiritualidade da gratuidade. Deus nos convida a participar de sua festa, independentemente de méritos. O que Ele pede é que tenhamos um coração aberto, revestido de humildade e pronto para acolher sua graça transformadora.
A liturgia de hoje e a memória de São Pio X
Além das leituras bíblicas, a liturgia de hoje celebra a memória de São Pio X, Papa (1835–1914). Conhecido como o “Papa da Eucaristia”, ele incentivou fortemente a participação dos fiéis no mistério do altar. Promoveu a comunhão frequente e até mesmo das crianças, convencido de que a Eucaristia é o alimento essencial para a vida cristã.
Enquanto a primeira leitura nos mostra uma religiosidade que gera morte, e o Evangelho nos revela a festa da vida no Reino, São Pio X nos aponta o caminho concreto para viver essa fé: a comunhão com Cristo na Eucaristia, que fortalece a Igreja e renova os corações. Sua vida foi marcada pelo lema: “Instaurare omnia in Christo” – “Restaurar todas as coisas em Cristo”.
Celebrar sua memória junto com estas leituras é recordar que a verdadeira fé não exige sacrifícios humanos ou gestos supersticiosos, mas se manifesta na confiança no amor de Deus, na participação no banquete da Eucaristia e na vida transformada pela graça.
A liturgia de hoje nos provoca com a dureza da história de Jefté e ao mesmo tempo nos consola com a beleza do convite divino ao banquete. De um lado, aprendemos a rejeitar toda religiosidade marcada pela violência e pela barganha; de outro, somos convidados a abrir o coração para a gratuidade da salvação oferecida por Cristo.
São Pio X foi para o Bem-Aventurado Pe. Tiago Alberione uma inspiração determinante. Seu lema Instaurare omnia in Christo moldou o projeto apostólico da Família Paulina, enquanto sua promoção da Eucaristia como centro da vida cristã alimentou a espiritualidade de Alberione. Pode-se dizer que Pio X foi a grande referência eclesial que confirmou e orientou a vocação do Fundador da Família Paulina.
Quando ainda seminarista, Alberione participou em 1900 da vigília de Ano Novo em Alba, onde sentiu o chamado para trabalhar pela Igreja do novo século. Pouco depois, Pio X foi eleito Papa e adotou como lema “Instaurare omnia in Christo”. Esse lema se tornou uma inspiração central para Alberione, que o assumiu como guia espiritual e apostólico.
Pio X também foi o Papa da Eucaristia, incentivando a comunhão frequente e das crianças. Alberione bebeu intensamente dessa espiritualidade: para ele, a Eucaristia deveria ser o centro da vida e da missão apostólica. Não por acaso, a espiritualidade da Família Paulina é marcada pela adoração eucarística e pela centralidade de Cristo Mestre.
Além disso, Alberione viu em Pio X o impulso para usar os novos meios de comunicação como instrumentos para “restaurar todas as coisas em Cristo”. A missão da Família Paulina nasceu desse horizonte: difundir a Palavra de Deus através da imprensa e, depois, de todos os meios de comunicação social.
Assim, pode-se dizer que São Pio X foi uma referência determinante para Alberione: sua visão e seu lema inspiraram diretamente a espiritualidade e a missão da Família Paulina.
Que a memória de São Pio X, Papa da Eucaristia, inspire novos profetas e nos ajude a viver essa fé verdadeira, centrada não em sacrifícios externos, mas na comunhão profunda com o Senhor, que nos chama sempre para o seu banquete de amor.