LITURGIA DO DIA: A ALEGRIA DE DEUS DIANTE DE QUEM RETORNA

Liturgia de Quinta-feira, 6 de Novembro de 2025
31ª Semana do Tempo Comum – Ano Ímpar (I)
Leituras: Rm 14,7-12 | Sl 26(27),1.4.13-14 | Lc 15,1-10

O Evangelho de hoje (Lc 15,1-10) nos apresenta duas parábolas que expressam o coração da Boa-Nova: da ovelha perdida e a da moeda perdida. Ambas são narradas por Jesus em resposta à crítica dos fariseus e mestres da Lei, escandalizados porque Ele acolhia pecadores e comia com eles. Este é o ponto de partida de toda a cena: a incompreensão de um amor que ultrapassa a lógica humana, um amor que não se contenta com a justiça dos “bons”, mas se lança à busca dos que se afastaram.

O Evangelho de Lucas 15,1-10 — a ovelha e a moeda perdidas — é um texto extraordinariamente complexo: ele rompe as simplificações religiosas e sociais e nos faz enxergar a realidade humana e divina de modo relacional, dinâmico e não linear.

O contexto: Jesus, o rosto da misericórdia

O texto começa destacando que “os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar”. Esta aproximação é fundamental: os marginalizados, aqueles que se consideravam indignos, se sentem atraídos por Jesus. Ele não os julga, mas os escuta e os acolhe. Ao contrário, os fariseus e doutores da Lei, representantes da religião institucional, murmuram e o criticam.

A partir dessa tensão, Jesus revela com as parábolas o verdadeiro rosto de Deus. Ele não é um juiz severo, mas um Pai que se alegra com o retorno do filho, um pastor que vai ao encontro da ovelha perdida, uma mulher que busca incansavelmente a moeda desaparecida. Em suma: um Deus que ama antes de ser amado, que busca antes de ser buscado.

O movimento de Deus: sair ao encontro

A primeira parábola fala de um pastor que deixa noventa e nove ovelhas no deserto para procurar uma que se perdeu. Esse gesto, aos olhos humanos, parece insensato. Mas é justamente isso que Jesus quer mostrar: o amor de Deus é “exagerado”, é graça que não calcula. Ele não se conforma com a perda de nenhum de seus filhos.

A ação do pastor é dinâmica: ele “vai atrás” até “encontrá-la” e, ao encontrá-la, “a coloca nos ombros com alegria”. Aqui está o símbolo do Cristo que carrega sobre si as nossas fraquezas. Não é o peso da ovelha que Ele sente, mas o peso da misericórdia. O encontro culmina em festa: “Alegrai-vos comigo!” — a alegria é o sinal de que o Reino de Deus se manifesta onde há reconciliação.

A segunda parábola repete a mesma lógica sob uma imagem doméstica: uma mulher que perde uma moeda acende uma lâmpada, varre a casa e procura cuidadosamente até encontrá-la. Ela representa a ternura de Deus, uma busca paciente, cotidiana, silenciosa. E, mais uma vez, quando a moeda é encontrada, há festa e partilha da alegria.

Nas duas parábolas, na lógica simplificadora dos fariseus, havia apenas duas categorias: os puros e os impuros, os justos e os pecadores. Mas Jesus destrói essa fronteira. Ele revela que o “justo” e o “pecador” estão interligados, que a perda de um afeta o todo. No evangelho, a comunidade só está completa quando o perdido retorna.

A ovelha ausente compromete o sentido do rebanho. A moeda perdida empobrece o conjunto. A alegria do reencontro não é apenas da ovelha ou da mulher, mas de todos: do Pastor, da casa, dos amigos, do céu. A conversão, portanto, não é um ato individualista, mas um movimento de reintegração do todo, uma restauração da comunhão, pois o “pecado” não é apenas erro moral, mas ruptura de vínculos, perda de sentido e de pertença.

A parábola, então, não fala de uma moral estática (“quem erra precisa voltar”), mas de um processo dinâmico e regenerador, em que o erro e a perda são também lugares de revelação e crescimento.
A complexidade nos ensina que o fracasso, a queda, a dúvida — longe de destruírem a fé — podem ampliá-la, porque revelam o amor que busca e o sentido que se reconstrói.

A parábola nos mostra um processo que o sujeito se conhece na relação com o outro e com o mundo:

  • O Pastor, ao buscar a ovelha, também se transforma: ele experimenta a compaixão.
  • A mulher, ao procurar a moeda, redescobre o valor do que possuía.
  • A comunidade, ao celebrar o retorno, reaprende a alegria de estar junto.

Assim, a busca do perdido é também autoconhecimento. Deus, ao nos procurar, revela o Seu próprio rosto de amor. E nós, ao sermos encontrados, reconhecemos quem Ele é. É um movimento recíproco — relacional, circular, complexo — e profundamente humano.

O centro teológico: a alegria da conversão

O tema central das duas parábolas é a alegria de Deus. Não é a alegria do pecador que retorna, mas a alegria divina diante da conversão humana. “Haverá mais alegria no céu por um só pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão.”

Essa frase quebra qualquer pretensão de superioridade religiosa. No Reino de Deus, o critério de valor não é o mérito, mas a misericórdia. O “céu” se alegra quando alguém recomeça, quando um coração se abre novamente ao amor. Essa alegria é partilhada entre “os anjos de Deus” — símbolo da comunhão plena que a graça cria entre o humano e o divino.

Na teologia, podemos dizer que o Evangelho nos mostra uma teofania da complexidade: Deus não é um Ser isolado no alto, mas uma teia de relações vivas, como o Pastor que se move, a mulher que busca, o céu que se alegra.

A Trindade, na tradição cristã, é a expressão suprema dessa complexidade divina: unidade na diversidade, comunhão no movimento. A parábola da ovelha perdida reflete esse dinamismo trinitário: o Pai que busca, o Filho que carrega, o Espírito que ilumina. Não há hierarquia de exclusão, mas circularidade de amor.

A autocrítica: quem somos nós na parábola?

É importante perguntar: em qual personagem nos reconhecemos? Talvez, às vezes, sejamos a ovelha perdida: afastados por escolhas, feridos pela vida, cansados de buscar sentido. Outras vezes, podemos ser os “justos” que olham de longe, com desconfiança, os que retornam. A parábola é convite a abandonar o papel do juiz e assumir o olhar do Pastor.

A conversão que Jesus propõe não é apenas moral, mas espiritual: é mudar o modo de ver o outro, de acolher o diferente, de compreender a misericórdia como critério maior da fé. Converter-se, aqui, é permitir que Deus nos encontre e nos coloque sobre seus ombros, mesmo quando achamos que podemos andar sozinhos.

A conversão não é uma mudança linear (“antes eu era mau, agora sou bom”), mas um processo em espiral, cheio de tensões, rupturas, retornos, aprendizados. O pecador não é “o outro” — é uma dimensão de cada um de nós. Em cada momento da vida, há partes de nós perdidas, dispersas, esquecidas. O Evangelho nos convida a reintegrar essas partes, a fazer o caminho do reencontro interior.

A conversão é, portanto, um ato de recomposição da unidade interior, um movimento de “ecologia espiritual”, no qual voltamos a pertencer ao todo que nos gera.

A comunhão com as outras leituras

Na primeira leitura (Rm 14,7-12), Paulo nos recorda: “Nenhum de nós vive para si mesmo, e nenhum morre para si mesmo. Se vivemos, é para o Senhor; e se morremos, é para o Senhor.” Essa afirmação complementa o Evangelho. A ovelha perdida não pertence apenas a si mesma. Ela pertence ao rebanho, pertence ao Pastor. Assim também cada um de nós pertence ao Senhor.

A vida cristã, portanto, não é isolamento, mas comunhão. O julgamento pertence a Deus, não a nós: “Todos nós compareceremos diante do tribunal de Deus”. Isso nos liberta da tentação de condenar e nos convida a confiar na justiça e misericórdia divinas.

O salmo responsorial (Sl 26) reforça essa confiança: “O Senhor é minha luz e salvação; de quem eu terei medo?” O salmista se sabe protegido, mesmo nas trevas, porque Deus o busca e o sustenta — como o Pastor que não desiste de sua ovelha.

Iluminações para a vida cotidiana

O Evangelho de hoje tem uma força transformadora, especialmente em tempos em que o julgamento e a exclusão parecem dominar as relações humanas. A Palavra de Deus nos convida a viver com mais misericórdia e menos indiferença.

  • Na família: quantas vezes há distâncias e feridas que nos afastam uns dos outros. O chamado é para buscar o diálogo, dar o primeiro passo, não desistir de quem se afastou. O reencontro é sempre causa de alegria. Uma crise entre pais e filhos pode parecer apenas uma “desordem”, mas pode se tornar oportunidade de diálogo, perdão e maturidade. Viver este evangelho nos ensina a ver o conflito não como fim, mas como espaço de reorganização afetiva.
  • Na comunidade: às vezes olhamos com desconfiança quem retorna à Igreja depois de muito tempo, como se a conversão alheia fosse suspeita. Jesus nos pede o contrário: acolher, celebrar, partilhar a alegria do retorno. Esse afastamento pode ser também um caminho de busca, um desvio que prepara o reencontro.
  • No trabalho ou na sociedade: a lógica de Deus desmonta a cultura do descarte. Cada pessoa, mesmo aquela que “se perdeu” socialmente — por erro, vício ou fragilidade —, tem valor infinito. Ser cristão é participar dessa busca ativa, é “acender a lâmpada” e “varrer a casa” para reencontrar o que parecia perdido. Em tempos polarizados, o Evangelho nos lembra que ninguém é totalmente justo ou totalmente perdido; a realidade humana é entrelaçada, e o desafio é manter o vínculo e o diálogo mesmo nas diferenças.
  • Na vida pessoal: talvez a ovelha perdida sejamos nós mesmos. A Palavra de hoje diz que Deus não se cansa de procurar, e que o perdão é sempre possível. Permitir-se ser encontrado é um ato de fé e humildade. Nossas “perdas” — um fracasso, uma decepção, uma dúvida — podem ser o terreno fértil onde renasce uma fé mais consciente e humana.

As parábolas da ovelha e da moeda perdidas revelam que a misericórdia de Deus é o coração do Evangelho. Ele não apenas perdoa; Ele se alegra. Não apenas busca; Ele carrega. Não apenas encontra; Ele festeja.

A Palavra de Deus hoje nos impele é redescobrir o cristianismo como uma sabedoria das relações. Deus não é o oposto do mundo, mas sua profundidade; o pecado não é ruptura definitiva, mas chamada ao reencontro; a conversão não é purificação isolada, mas reintegração amorosa.

Assim, a Boa-Nova não é a história de um Deus que pune o erro, mas de um Deus que reorganiza a vida a partir da perda, como o Pastor que deixa as noventa e nove para resgatar uma só, porque sabe que sem ela, o todo está incompleto.

Hoje somos convidados a entrar nessa alegria divina, não apenas como espectadores, mas como participantes. Que o amor de Deus, sempre em busca de quem se perdeu, nos inspire a ser também buscadores de reconciliação, sinais vivos de uma misericórdia que transforma o mundo.

“Haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte.” (Lc 15,10)