Nossas perguntas para Lucas – Lucas 21,1-5; 29-33
O povo de Deus vivia na Palestina, periferia do Império Romano, e a Galileia, como nosso nordeste, era a periferia das periferias. Uma pesquisa em Petrolina mostra a semelhança geográfica entre as duas regiões. Temos uma história comum do ponto de vista geográfico, político, econômico e social. Vivemos a opressão das autoridades locais, da desigualdade nacional e dos poderes religiosos.
O pensamento de Frei Carlos Mesters me fez perceber que vivemos no porão da humanidade e na contramão da história. Não foi uma escolha, nascemos aqui onde só podemos sobreviver na contramão e nosso sonho é participar de um mundo desinvertido, onde a pirâmide se torne vértice e as armas da sabedoria popular substituam os fuzis.
A pergunta pela sobrevivência
A resposta do evangelista Lucas sobre o sobreviver é a esperança que não se encontra no Templo, nas Sinagogas nem nos palácios, mas na casa dos pobres.
A população de rua está mais próxima do Reino de Deus do que nós. Em uma ceia de Natal fiquei impressionado com a alegria desses nossos irmãos, que entendem, que prestam atenção na homilia e cantam alegremente. Eu me senti em uma igreja sem cercas, o significado da libertação, fui evangelizado.
O espaço da liberdade é o lugar do perigo, do conflito, da doença. Mas é também o espaço da solidariedade, de ceder o lugar na fila da sopa para os mais vulneráveis e apartar a briga dos outros. No entanto, é o lugar de ouvir a história de cada um e sofrer com quem sofre e dançar o amor com todas e todos.
A pergunta pelo olhar
A questão do olhar perpassa todos os evangelhos. O pobre de Lucas não olha para o chão nem para cima, segue em frente esperançando, sabendo que o amanhã chegará com suas complicações e belezas. O Reino de Deus é um grande mutirão, uma construção que resista às tempestades. Podemos dormir tranquilos como os pássaros do céu e ser vestidos como o lírio dos campos.
O pobre entende de justiça, de beleza e de amor, suas armas são de paz e Deus é o seu escudo. Colher, cantar e conversar são os mandamentos da rua. Um morador de rua de Feira de Santana era cantor e fazia do seu peito um tamborim. Acompanhando sua voz serena. Uma vez me disse que era chamado de excluído. Entretanto, não queria ser incluído no espaço da opressão.
Nos ver com o olhar do pobre é oportunidade. A sabedoria não está nos livros, mas em quem sabe viver. Cada pessoa é uma estante de conhecimento acessível a todas e todos.
A mulher invisível
No início do capítulo cinco, Jesus mostra uma mulher depositando duas moedas no gazofilácio, tudo o que tinha, enquanto os ricos depositavam grandes quantias, das suas sobras. Deus aceitou a oferta da viúva, mas não as sobras dos ricos. Deus não gosta de sobras.
Medimos as pessoas pela conta bancária e não pelo seu caráter. Os pobres nada têm, ainda repartem, apartam brigas em nome da justiça e dão o seu lugar na fila da sopa para os mais vulneráveis. Choram com os que choram e dançam com os que sofrem.
As suas tristezas passam como a fumaça. Seus mandamentos estão escritos na areia e se desfazem quando o vento sopra.
São desconfiados e hospitaleiros, escondem os seus nomes e a sua sabença, estão prontos para brigar ou ocar o pneu dos carros dos ricos. Jogam fora a comida que não gostam. Riem de si e dos outros. Confiam nos padres e pastores desconfiando e cantam alto para a glória do Pai. Sabem que somos todas filhas e filhos do mesmo Pai. Amam e querem a palavra de Deus. Amam a Bíblia, mas nosso Salvador não escreveu livro nenhum.
A figueira invisível
Havia uma figueira que só dava frutos no tempo próprio, esquecidas que foram criadas para servir no tempo da fome e não eram donas do que em si floria. Quem vivia no Reino do Pai não tinha tempo para comer e repartia com todas e todos o pouco que tinham. Nas casas dos ricos, os trabalhadores não podiam comer a comida dos donos e os adoentados comiam as migalhas que caiam das mesas.
Na casa do Pai não havia distinção, todos e todas cominam do bezerro gordo e do perdão do Pai.
Uma mulher sangrando bateu na casa de vários ricos pedindo socorro e muitos nem abriram a porta. Na favela, lhe oferecem uma cadeira, um carro a levou para a emergência e todos contribuíram com toalhas, lençóis e dinheiro para ajudar. Quem sofre a injustiça entende mais de justiça e quem mais recebeu desamor entende mais de amor.
Ver, ouvir, agir e Celebrar
Os profetas viveram em situações mais restritas do que a maioria de nós, líderes religiosos. Chegamos como o dono de Deus e somos tratados com regalias. Trabalhamos em terra arada e o Pai chegou antes de nós para onde nos enviou. A sabedoria dos nativos aprendem na sua tradição do Pai, das plantas, das mulheres e dos homens.
O missionário Pablo Richard conta que depois de ler as narrativas do Livro Sagrado, o cacique explicou que Jesus era índio, um poderoso Pajé de uma tribo longínqua. O modo como curava quem os procurava, o modo de contar verdades através de histórias, a bondade para com todos e o fato de transmitir segredos para as mulheres confirmava isso.
O antropólogo Darcy Ribeiro conta que na tentativa de pacificar tribos hostis, os indigenistas ficaram apavorados quando uma tribo apareceu, retesaram seus arcos por três vezes e depois desapareceram. Posteriormente, compreendeu que estavam tentar apaziguar a violenta tribo de brancos, mostrando que eram pacíficos, mostrando suas armas sem usar.
Somos chamados a aprender com as periferias, a ver, agir e celebrar. Enxergar os sinais do tempo, enfrentar os perigos e celebrar a vitória do amor. Convidadas a descalçar os sapatos da Terra Santa que ferimos, respirar com avidez o ar que poluímos e celebrar o amor que desconhecemos. Deus é o Pai de todas e todos e Jesus nos convida a dançar ciranda. A pedra do seu anel brilha mais do que o sol. Corremos como crianças pelo parque do Grande Cacique que não faz acepção de pessoas.
Um dia estaremos, cingidos com uma toalha, lavando os pés de Abraão, Mãe Menininhia, Frei Ibiapina, Krenak e Marielle, com muita louvação.
Saravá, Axé, Aleluia, amém.
Marcos Monteiro
CEBI-AL
Roteiro preparado pelas irmãs
Pias Discípulas do Divino Mestre – Pastoral Vocacional
Site: www.piasdiscipulas.org.br