“Todo ser que respira louve o Senhor! Aleluia!” (Sl 150,6)

Na tradição cristã, o livro de orações do antigo Israel, de Jesus de Nazaré e da Igreja recebeu o nome de Salmos, palavra grega usada para traduzir o termo hebraico mais presente nos títulos colocados acima de diversas orações (ver, por exemplo, mizmor em Sl 3,1).  O termo indica uma oração em forma de recitação poética, ou seja, cantada com o acompanhamento de instrumentos de cordas. A expressão grega Saltério, também utilizada pelos cristãos para o conjunto dos Salmos, refere-se ao instrumento musical lira. O povo judeu chama o livro dos Salmos de louvores (em hebraico, tehilim), pois as muitas orações em forma de lamentações, preces e súplicas irão resultar em um louvor múltiplo (Sl 150,6).  Os salmos, com sua linguagem poética fundamentada nos paralelismos, nas metáforas e, sobretudo, no diálogo dramático, parecem corresponder à experiência de fé que o orante é convidado a fazer, haja vista esta envolver as experiências do dia em sua conversa com Deus.  

Os salmos podem ser classificados de acordo com determinados gêneros literários. Existem hinos, com os elementos característicos de um apelo, que convidam os ouvintes-leitores ao louvor, sendo depois apresentada a justificativa do louvor. Além disso, há lamentações individuais e coletivas, as quais apresentam uma invocação (muitas vezes com a menção do nome de Deus), a descrição do sofrimento (por vezes acompanhada de perguntas sobre a origem do mal) e  a formulação da prece ou súplica; é possível que declarações de confiança ou promessas de louvor acompanhem as lamentações. Às lamentações correspondem os cantos de ação de graça, nos quais se narra, sobretudo, como Deus salvou o fiel ou a comunidade dos fiéis, suscitando nos últimos o agradecimento. Além disso, certas temáticas – por exemplo, a realeza do Senhor, a figura messiânica do rei de Israel, Sião, a história do povo de Deus ou a proposta de vida oriunda da sabedoria – dão origem à formação de paralelismos e, com isso, de grupos de textos no livro dos Salmos.[1]

Organização do livro dos Salmos

Os salmos, que são principalmente composições anônimas, foram vivenciados e transmitidos de forma oral antes de serem escritos. A memória da ação salvífica do Senhor foi conservada viva ao longo da história, especialmente através do culto, das celebrações. Vários indícios nos salmos refletem um contexto cultual, com alusões a festas, procissões, sacrifícios, bênçãos etc. A formação do livro dos Salmos, reunindo cento e cinquenta orações, durou muito tempo até adquirir a forma atual no século II a.C. Trata-se de uma obra organizada literalmente como indicam quatro fórmulas doxológicas (Sl 41,14; 72,18-19; 89,53; 106,48), que marcam a divisão do livro dos Salmos em cinco grandes partes com uma  estrutura paralela ao Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). Assim, os Salmos exprimem adesão comprometida do povo de Deus ao caminho de instrução proposto na Torá.  Os salmos chamados aleluiáticos (Sl 146–150) servem como doxologia conclusiva da quinta parte do livro e de todo o Saltério. Sendo que o livro dos Salmos fora introduzido pelos Sl 1–2, os quais oferecem a chave de interpretação mediante a espiritualidade da Torá e a esperança do Messias.

Salmo 150: O último aleluia

Com esse coro em aleluia, encerra-se a coleção dos Salmos. É um suntuoso, grande e solene canto de louvor ao Senhor, é a última mensagem do Saltério. Uma sequência de aleluia acompanha a orquestra do Templo, a qual é integralmente convocada com o shofar, o tamborim, a harpa, a cítara, os tímpanos, as cordas, a flauta e os címbalos. Mas, no final ergue-se um som supremo: é o respiro de cada ser vivente que se torna oração e louvor (v. 6). Com esse canto cósmico, frequentemente transformado em música, encerram-se os tehilim, os louvores, como os hebreus chamaram os Salmos.[2]

A tradição cristã reconheceu a incomparável riqueza dos Salmos. O Concílio Vaticano II lhes deu lugar de destaque na Liturgia da Palavra (Salmo responsorial) e na renovada Liturgia das Horas. As numerosas alusões ao Saltério e as citações do mesmo demonstram que o livro dos Salmos foi o preferido por autores do Novo Testamento. O evangelista Lucas designa com o título de Salmos (Lc 24,44), a terceira parte do Antigo Testamento (os Escritos, colocados após o Pentateuco e os Profetas). Jesus de Nazaré acolheu os Salmos como orações em sua vida, especialmente nas controvérsias e durante a sua paixão. Gianfranco Ravasi destaca que Jesus em sua última Páscoa cantou o hallel, isto é, a coleção dos Salmos destinados às celebrações litúrgicas solenes (sendo talvez os Sl 113–118 ou o Sl 136: veja Mt 26,30). Imitando Jesus, também a comunidade cristã – sobretudo no tempo jubilar – por meio da Liturgia das Horas e da Palavra, une-se a esse coro que há séculos se eleva a Deus. É significativo, em relação a isso, o apelo: “Que a Palavra de Cristo habite em vós com abundância. Com toda a sabedoria, instruí-vos e aconselhai-vos uns aos outros. Movidos pela graça, cantai a Deus, em vossos corações, com salmos, hinos e cânticos inspirados pelo Espírito” (Cl 3,16).[3]

A Bíblia Nova Pastoral nos convida a descobrir as inúmeras imagens do rosto de Deus nos Salmos. Quem reza um salmo está sempre se perguntando: Quais são os traços do rosto de Deus que transparece em minha prece? E na minha vida?

Colaboração de Irmã Helena Ghiggi,
da congregação Pias Discípulas do Divino Mestre.


[1]  A Bíblia / São Paulo: Paulinas, 2023. 

[2]  Item tirado do livro de Gianfranco Ravasi / Rezar com os Salmos (Cadernos sobre a Oração – 2). Brasília: Edições CNBB, 2024.

[3]  Ibidem.

Deixe um comentário