A liturgia desta terça-feira, 16 de setembro de 2025, convida-nos a mergulhar na profundidade de um dos relatos mais comoventes do Evangelho segundo São Lucas: a ressurreição do filho da viúva de Naim. Jesus, ao entrar na pequena cidade, depara-se com uma cena de dor: um cortejo fúnebre leva o corpo de um jovem, filho único de sua mãe, que era viúva. A narrativa realça a vulnerabilidade daquela mulher: sem marido e agora sem filho, estava desprovida de proteção, sustento e esperança diante da sociedade de seu tempo.
O texto evangélico é marcado por um detalhe essencial: “Ao vê-la, o Senhor encheu-se de compaixão” (Lc 7,13). É esse olhar de Jesus que transforma a história. A compaixão divina não é apenas sentimento humano de solidariedade; é o movimento do coração de Deus que se inclina sobre a miséria humana para restituir a vida. Lucas, o evangelista da misericórdia, quer nos mostrar que em Jesus se revela o Deus que não permanece distante da dor do povo, mas se aproxima para devolver esperança onde parecia haver somente morte.
O gesto de Jesus vai além do milagre: Ele toca o caixão e ordena ao jovem que se levante. Ao tocar o esquife, Jesus rompe barreiras de impureza ritual previstas na Lei judaica, pois o contato com a morte tornava alguém impuro. Mas o Senhor da vida não teme a morte, pois Ele é a própria Vida. Sua presença purifica, restaura, recria. O menino se levanta e fala, e Jesus o entrega novamente à sua mãe. Esse detalhe de “entregar à mãe” sublinha a dimensão relacional do milagre: não se trata apenas de devolver a vida biológica, mas de restaurar vínculos, reconstruir a esperança da família e da comunidade.
No plano teológico-litúrgico, este Evangelho nos faz contemplar o Cristo que vence a morte, antecipando já o mistério de sua Páscoa. O episódio é um sinal que aponta para a ressurreição final, onde a morte será definitivamente vencida. Ao mesmo tempo, é um convite à Igreja para ser presença de compaixão no mundo, tocando as realidades de dor e exclusão, levando vida nova aos que estão à beira do desespero.
Portanto, a liturgia de hoje nos convida a perguntar: em quais situações somos chamados a ser instrumentos do olhar compassivo de Cristo? Quantas viúvas, quantos órfãos, quantos corações desamparados clamam por uma palavra de vida em nosso tempo?
A Primeira Leitura – 1Tm 3,1-13
A primeira leitura, da Carta a Timóteo, apresenta os critérios para os ministérios na comunidade cristã primitiva. Paulo descreve as qualidades necessárias para quem exerce o episcopado e o diaconato: irrepreensível, sóbrio, equilibrado, hospitaleiro, moderado, homem de fé e de bom testemunho. O apóstolo insiste que o ministério na Igreja não é um privilégio, mas um serviço fundamentado na credibilidade e na coerência de vida.
Quando colocamos essa leitura em relação com o Evangelho, percebemos um fio condutor: se Jesus é o modelo do Bom Pastor que se compadece do rebanho e devolve vida, então os pastores da Igreja devem espelhar-se nessa mesma compaixão. O líder cristão não pode ser movido por interesses pessoais, mas por uma entrega total ao serviço da comunidade, especialmente aos mais frágeis. Assim como Jesus restituiu o filho à mãe viúva, também os pastores devem ser instrumentos de reconciliação, de proximidade e de cuidado.
O texto de 1Tm destaca ainda os diáconos, cujo ministério está intrinsecamente ligado ao serviço. Eles devem guardar o mistério da fé com consciência pura e agir com dignidade. Não é por acaso que a liturgia de hoje coloca esse trecho junto ao Evangelho: ambos nos recordam que a Igreja deve ser sinal da vida nova de Cristo no meio do mundo, não apenas com palavras, mas sobretudo com testemunho coerente.
O Salmo Responsorial – Sl 100(101)
O salmo de hoje ressoa como oração de quem deseja viver segundo os caminhos do Senhor: “Vou cantar-vos, Senhor, um canto novo de justiça”. O salmista expressa o anseio de caminhar na integridade e na fidelidade, evitando o mal e buscando uma vida reta diante de Deus.
Na relação com o Evangelho, o salmo se torna eco da atitude de Jesus: Ele é o Justo por excelência, aquele que não compactua com a injustiça, mas se aproxima dos pobres e marginalizados. O canto de justiça do salmo encontra sua realização plena no gesto de compaixão de Cristo em Naim, que devolve dignidade à viúva e vida ao jovem.
Além disso, o salmo também se conecta com a primeira leitura. Assim como Paulo exorta os ministros da Igreja a viverem de forma irrepreensível, o salmista expressa a decisão de trilhar os caminhos da retidão. O salmo, portanto, é a oração que sustenta e alimenta a vida de quem exerce responsabilidades na comunidade, para que não se perca na corrupção ou na busca de poder, mas mantenha-se fiel ao Senhor.
Memória dos Santos Cornélio e Cipriano
Neste dia, a Igreja celebra também a memória dos santos Cornélio, papa, e Cipriano, bispo, ambos mártires do século III.
São Cornélio, Papa da Misericórdia: eleito papa em 251, em meio às perseguições do imperador Décio, Cornélio enfrentou uma difícil crise: muitos cristãos haviam negado a fé para escapar da morte, os chamados lapsi.
Enquanto alguns defendiam que não havia perdão para eles, Cornélio insistia que, com arrependimento sincero, era possível a reconciliação pela penitência. Seu coração pastoral refletia a misericórdia de Cristo, que sempre acolhe o pecador que retorna.
Preso e exilado em 253, Cornélio morreu mártir, deixando o testemunho de um pastor que não abandonou o rebanho.
São Cipriano, Bispo de Cartago e Defensor da Unidade: nascido em Cartago, no norte da África, Cipriano era advogado e homem culto antes de sua conversão ao cristianismo. Pouco depois, foi eleito bispo e tornou-se uma das vozes mais influentes da Igreja africana.
Assim como Cornélio, também enfrentou a questão dos lapsi e buscou equilíbrio: exigir verdadeira conversão, mas sem fechar as portas da misericórdia. Seu famoso tratado “A Unidade da Igreja Católica” lembra que não se pode ter Cristo sem viver em comunhão com sua Igreja.
Na perseguição do imperador Valeriano, em 258, foi preso e condenado à morte. Aceitou o martírio com serenidade e fé, sendo decapitado diante do povo de Cartago.
Pastores Unidos na Fé e na Amizade
Mesmo em cidades diferentes, Cornélio e Cipriano mantiveram uma forte comunhão espiritual. Trocaram cartas, apoiaram-se mutuamente e defenderam a mesma verdade: a Igreja deve ser lugar de misericórdia, unidade e fidelidade a Cristo. Por isso, a liturgia celebra os dois juntos, como sinais da amizade que nasce da fé e do amor à Igreja.
Hoje, Cornélio e Cipriano nos ensinam que a Igreja é chamada a ser sempre fiel a Cristo, mesmo diante das dificuldades, e que nenhum pastor pode se afastar do coração misericordioso do Senhor.
Seu martírio nos recorda que a verdadeira liderança na Igreja não é feita de poder, mas de serviço, compaixão e fidelidade até o fim.
Que a memória desses santos pastores nos ajude a viver a fé com coragem, a buscar sempre a unidade e a anunciar, com gestos e palavras, o amor misericordioso de Deus.
LITURGIA DO DIA
A liturgia desta terça-feira nos apresenta um caminho profundo de reflexão:
- O Evangelho revela o Cristo da compaixão que vence a morte e restitui a esperança.
- A primeira leitura nos recorda que a Igreja precisa de ministros que vivam em coerência e serviço, à imagem de Jesus.
- O salmo é a oração que alimenta esse desejo de justiça e retidão.
- A memória de Cornélio e Cipriano testemunha que é possível viver essa fidelidade até as últimas consequências.
Assim, a Palavra nos desafia a sermos homens e mulheres de compaixão, testemunhas da vida e da justiça de Deus em nosso tempo. Como discípulos de Cristo, somos chamados a tocar as realidades de morte com a força da fé, a sermos pastores e servidores que cuidam do rebanho, e a viver em integridade diante do Senhor.
Que, pela intercessão dos mártires Cornélio e Cipriano, possamos ser Igreja que canta a justiça, caminha na fidelidade e anuncia sempre a vida nova de Cristo, Senhor da compaixão.
