LITURGIA DO DIA: MEMÓRIA DE SÃO JERÔNIMO, BISPO E DOUTOR DA IGREJA

26ª Semana do Tempo Comum

Leituras: Zc 8,20-23 | Sl 86(87),1-3.4-5.6-7 (R. Zc 8,23) | Lc 9,51-56

Reflexão da Liturgia do Dia

O evangelho de hoje (Lc 9,51-56) mostra Jesus decidido a ir para Jerusalém, lugar do cumprimento de sua missão pascal. Ele não se deixa abalar pela rejeição dos samaritanos, nem cede ao ímpeto de vingança sugerido por Tiago e João. O Senhor ensina que o caminho do discípulo não é o da violência, mas o da fidelidade e da entrega amorosa, mesmo quando encontra incompreensão ou hostilidade.

Este trecho marca um ponto de virada no evangelho de Lucas. Até aqui, Jesus havia realizado sinais, ensinado às multidões e formado seus discípulos. No versículo 51, lemos: “Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o céu. Então ele tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”. Aqui temos duas perspectivas importantes: Jerusalém é o lugar do cumprimento da sua missão: paixão, morte, ressurreição e ascensão. E também a “subida” não é apenas geográfica, mas teológica: é o caminho da obediência ao Pai.

No caminho, Jesus passa pela Samaria. Os samaritanos, por causa das tensões históricas com os judeus (antiga rivalidade sobre o local do culto), não o acolhem. Tiago e João, cheios de zelo, querem invocar o fogo do céu contra eles, lembrando talvez do episódio do profeta Elias (cf. 2Rs 1,10-12). Mas Jesus os repreende.

Na perspectiva teológico-litúrgica, este trecho nos coloca diante da Cristologia do caminho. A liturgia apresenta Jesus como o Servo obediente, que, em plena liberdade, assume a vontade do Pai e não se desvia da missão que lhe foi confiada. A decisão firme de partir para Jerusalém não é apenas um deslocamento geográfico, mas um movimento espiritual e teológico: é o caminho da entrega total, no qual a cruz se torna passagem necessária para a ressurreição e para a glória.

Esse “caminho” revela o rosto de um Messias que não busca triunfos fáceis nem evita a rejeição, mas que se define pelo amor radical e pela misericórdia. Em contraste com a atitude dos discípulos, que desejam recorrer ao fogo do céu para punir os que não acolhem o Mestre, Jesus indica uma nova lógica: a da não-violência, do perdão e da paciência. Assim, o discipulado cristão só se compreende à luz desse itinerário pascal, no qual a centralidade da cruz não é sinal de derrota, mas de fidelidade e de vitória do amor.

Na liturgia, essa dimensão do caminho se transforma em convite permanente para a comunidade: celebrar a Eucaristia é unir-se a Cristo que se oferece no altar como na cruz, e que nos chama a segui-lo na obediência, na perseverança e na esperança. Cada fiel é convidado a “subir com Ele a Jerusalém”, assumindo também os desafios da missão, sustentado pela certeza de que, ao final do caminho, está a vida nova da ressurreição.

Este evangelho também abre uma perspectiva eclesiológica muito clara. A missão da Igreja é universal e deve se manifestar sempre pela misericórdia. Diante do fechamento e da rejeição, a comunidade cristã não pode responder com intolerância ou violência, mas com perseverança e testemunho de amor. A Igreja é chamada a levar a Boa-Nova a todos os povos, mesmo quando encontra oposição, sem impor-se, mas oferecendo a fé como dom e convite. A liturgia ilumina esse ponto ao colocar em diálogo o evangelho com a profecia de Zacarias (1ª leitura), que anuncia o tempo em que “dez homens de todas as línguas agarrarão a orla da veste de um judeu e dirão: queremos ir contigo, pois ouvimos dizer que Deus está contigo”. Assim, a Palavra mostra que a salvação é para todos e que a Igreja é sinal desse projeto de comunhão universal.

Outro aspecto fundamental é a espiritualidade do discipulado. Tiago e João encarnam o risco do falso zelo, que confunde missão com poder e usa a violência como resposta ao não acolhimento. Jesus, ao repreendê-los, corrige essa visão e aponta a verdadeira identidade do discípulo: seguir o Mestre significa assumir a mansidão, a paciência e a lógica do amor. O fogo que consome não é o da vingança, mas o do Espírito que aquece os corações e transforma vidas. A liturgia nos convida, portanto, a rever nossas próprias atitudes diante das dificuldades da missão: não é a força que convence, mas a coerência com a cruz de Cristo. A paciência, a perseverança e o testemunho humilde são os sinais do verdadeiro seguidor do Senhor.

Em síntese, o brano de Lc 9,51-56, dentro da liturgia, inaugura o grande caminho de Jesus para Jerusalém. É uma catequese sobre decisão, rejeição e misericórdia.

  • Decisão: Jesus não hesita em cumprir a vontade do Pai.
  • Rejeição: o Evangelho pode ser recusado, e isso faz parte da missão.
  • Misericórdia: a resposta cristã não é condenação, mas perseverança no amor.

Assim, a perspectiva teológico-litúrgica é clara: Cristo caminha para entregar a vida por todos; a Igreja, unida a Ele, deve percorrer o mesmo caminho, renunciando à violência e testemunhando a misericórdia de Deus.

Portanto, na liturgia do dia, somos chamados a contemplar essa firmeza de Jesus e a aprender que, para seguir seus passos, precisamos cultivar paciência, misericórdia e perseverança. Muitas vezes, o anúncio do Evangelho encontra resistência, mas a resposta cristã deve sempre ser marcada pelo testemunho da paz e do amor que vem de Deus.

A primeira leitura (Zc 8,20-23) anuncia que povos de todas as nações buscarão o Senhor em Jerusalém. Essa profecia se cumpre em Cristo, que reúne em si a salvação para todos. Já o salmo recorda que todos os povos são chamados a fazer parte da cidade santa. Assim, a liturgia do dia nos faz olhar para a universalidade da missão da Igreja: acolher todos, sem distinção, no amor de Deus.

São Jerônimo e a Palavra de Deus

Hoje celebramos São Jerônimo, presbítero e doutor da Igreja, conhecido especialmente por sua dedicação às Sagradas Escrituras. Ele traduziu a Bíblia para o latim (a chamada Vulgata), tornando a Palavra de Deus acessível ao povo de seu tempo.

Neste 30 de setembro, encerrando o Mês da Bíblia 2025, dedicado ao estudo da Carta aos Romanos, a memória de São Jerônimo nos recorda a importância de amar, estudar e viver a Palavra de Deus. Assim como ele se deixou transformar pela Escritura, também somos convidados a deixar que a Palavra ilumine nossas escolhas e nos ajude a caminhar com firmeza na fé, com a mesma decisão de Cristo rumo a Jerusalém.

Vida de São Jerônimo (c. 347–420)

Jerônimo nasceu por volta do ano 347, em Estridão, região da Dalmácia (atual Croácia ou Eslovênia). Desde jovem, demonstrou grande inteligência. Foi enviado a Roma para estudar, onde se destacou como aluno aplicado em gramática, retórica e filosofia. Embora levasse inicialmente uma vida voltada para os prazeres, foi profundamente tocado pela experiência da fé. Batizado na juventude, começou a dedicar-se intensamente à vida cristã.

Após viagens pelo Oriente, Jerônimo optou por uma vida de penitência e oração no deserto da Síria. Ali, mergulhou no estudo das Escrituras, aprendendo grego e hebraico para melhor compreender os textos bíblicos. Em 382, foi chamado a Roma e se tornou secretário do Papa Dâmaso I. A pedido dele, iniciou uma tarefa monumental: revisar e traduzir a Bíblia para o latim. Essa tradução ficou conhecida como Vulgata, e por séculos foi a versão oficial da Igreja.

Depois da morte do Papa, Jerônimo mudou-se para Belém, onde fundou um mosteiro. Ali, viveu até sua morte, dedicando-se à oração, ao estudo bíblico e à escrita. Faleceu em 30 de setembro de 420, em Belém.

Contribuições de São Jerônimo:

A Vulgata, sua tradução da Bíblia para o latim, tornou-se um marco na história da Igreja. Com ela, São Jerônimo ofereceu à comunidade cristã de seu tempo uma Palavra acessível, clara e compreensível, permitindo que a Escritura fosse rezada, estudada e vivida por todos.

No campo do estudo bíblico, destacou-se como pioneiro da exegese cristã. Com dedicação incansável, aprofundou-se nas línguas originais: o hebraico e o grego, para captar a riqueza e a fidelidade do texto sagrado.

Seus escritos (cartas, comentários bíblicos e tratados) permanecem até hoje como fonte preciosa para a teologia, a espiritualidade e a vida pastoral, testemunhando a profundidade de seu pensamento e a força de sua fé.

Mas é sobretudo no seu testemunho de amor à Palavra que resplandece sua herança espiritual. Ele mesmo sintetizou essa paixão numa frase que atravessa os séculos: “Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo.”

São Jerônimo era um homem de temperamento forte, mas de coração totalmente entregue a Deus. Sua vida mostra que a fidelidade à Palavra exige esforço, estudo e dedicação, mas também humildade diante do mistério de Deus. É considerado Padroeiro dos estudiosos da Bíblia, dos tradutores e dos que se dedicam ao aprofundamento das Escrituras.

Rezar com o ícone de São Jerônimo

Ao contemplar o ícone de São Jerônimo, somos convidados a entrar no silêncio do deserto interior. O santo aparece como eremita, de barba branca e olhar profundo, lembrando-nos que a verdadeira sabedoria nasce da escuta de Deus.

O fundo dourado revela que sua vida foi transfigurada pela luz divina: quem se deixa conduzir pela Palavra participa já da glória do Senhor. As vestes marrons recordam sua humildade e penitência, a terra que acolhe a semente do Espírito. O livro em vermelho nos fala do ardor e da paixão com que ele amou as Escrituras, oferecendo sua vida ao serviço da Igreja. O branco de seus cabelos e barba é sinal da pureza e da maturidade espiritual que brotam da fidelidade.

O livro aberto em suas mãos é a Palavra de Deus, que ele traduziu e meditou, tornando-se para a Igreja um mestre e doutor. Ao rezar diante deste ícone, podemos pedir a graça de amar mais profundamente as Escrituras, deixando que elas transformem nosso coração.

O leão aos seus pés recorda a lenda de sua compaixão: quem acolhe até a dor das criaturas mais temidas, acolhe também a própria humanidade ferida. Rezar com este detalhe do ícone nos convida a pedir a virtude da misericórdia e da coragem. O leão ao seu lado faz referência à famosa lenda segundo a qual Jerônimo retirou um espinho da pata de um leão, que depois se tornou seu companheiro fiel.

As vestes simples e o rochedo indicam desapego, penitência e vida ascética. São Jerônimo nos lembra que a busca pela verdade exige humildade, disciplina e silêncio.

Rezar diante do ícone de São Jerônimo é deixar-se conduzir por sua memória e testemunho. É pedir o dom de um amor sempre renovado pela Palavra de Deus, que ilumina e orienta cada passo. É suplicar a sabedoria que brota da escuta atenta e obediente, capaz de discernir a vontade divina nas pequenas e grandes escolhas da vida. É buscar a coragem para viver na fidelidade, mesmo quando o caminho exige renúncias e firmeza interior. E é, por fim, abrir o coração à compaixão diante das feridas do mundo, para que a Palavra acolhida se torne gesto de cuidado, justiça e misericórdia.

Que o mesmo Espírito que guiou São Jerônimo no deserto e no estudo das Escrituras, nos guie também no caminho da oração e da vida cristã.