Batistérios e a Arquitetura da Iniciação Cristã: um mergulho simbólico e arquitetônico

A dissertação de mestrado “Batistérios e a Arquitetura da Iniciação Cristã: um percurso histórico-simbólico”, defendida por Maria Jeydjane Lunguinho Gomes no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, apresenta uma densa investigação sobre os espaços batismais cristãos sob o olhar da arquitetura. A pesquisa foi orientada pela Profª Drª Ruth Verde Zein e avaliada pelas professoras Profª Drª Patrícia Pereira Martins (Universidade Presbiteriana Mackenzie) e Prof. Dr. Gabriel dos Santos Frade (Faculdade de Teologia do Mosteiro de São Bento/SP), que compuseram a banca examinadora.

Partindo de uma inquietação surgida no exercício profissional da autora, que atua com projetos de arquitetura religiosa, a dissertação aborda um tema muitas vezes negligenciado nas discussões sobre o espaço litúrgico: os batistérios. Estes espaços, destinados ao rito do batismo – porta de entrada da fé cristã –, têm um profundo valor simbólico, teológico e litúrgico, mas nem sempre recebem o devido cuidado em sua representação arquitetônica. A pesquisa busca, então, resgatar a centralidade desse espaço a partir de um percurso que une teoria e prática, história e contemporaneidade.

Dividida em duas partes principais, a primeira fundamenta-se em aportes teóricos oriundos da antropologia, da história e da liturgia cristã, para discutir o simbolismo do batismo e os elementos que moldam os espaços batismais, como a água, a luz e a geometria. A segunda parte dedica-se à análise de três estudos de caso em igrejas localizadas na América Latina – mais especificamente no Uruguai, México e Brasil – com o objetivo de observar como os conceitos litúrgicos e simbólicos se expressam (ou não) na prática projetual.

A primeira etapa da dissertação percorre o papel dos batistérios desde os primeiros séculos do cristianismo, investigando sua evolução histórica e espacial. Desde as Domus Ecclesiae – casas adaptadas ao culto cristão nos primórdios da fé –, passando pelas grandes basílicas paleocristãs, até as reformas do Concílio Vaticano II (1962-1965), o estudo mostra como os espaços destinados ao batismo acompanharam (e em muitos casos, resistiram a) transformações profundas na teologia e nas práticas eclesiais.

Nesse percurso, elementos simbólicos ganham destaque: a água, símbolo de purificação e renascimento; a luz, representação da iluminação espiritual; e a forma arquitetônica, como expressão visível de um mistério invisível. A autora demonstra como a arquitetura, ao integrar esses elementos, pode contribuir para uma experiência mais profunda e significativa do rito batismal.

Na segunda parte da dissertação, os estudos de caso ilustra redescobrir o sentido do batistério como espaço de iniciação, renascimento e luz. Trata-se de um convite à contemplação e ao projeto: pensar o espaço não apenas como função, mas como linguagem do sagrado.

Ao reunir história, simbolismo e análise arquitetônica, a dissertação de Maria Jeydjane oferece uma contribuição significativa para o campo da arquitetura religiosa, especialmente no que diz respeito à valorização dos ritos iniciáticos dentro do espaço litúrgico. Sua pesquisa propõe um olhar atento e sensível para os batistérios, não como apêndices da arquitetura eclesial, mas como espaços centrais na vida de fé.

Em tempos nos quais a arquitetura muitas vezes é guiada pela funcionalidade imediata, este trabalho nos lembra da importância do símbolo, da beleza e da espiritualidade na composição dos espaços. Ao investigar como o batismo é representado materialmente, a autora nos provoca a refletir sobre como nossas igrejas comunicam — ou silenciam — as verdades mais profundas da fé cristã.

Mais do que uma dissertação acadêmica, o estudo de Maria Jeydjane é uma ponte entre teoria e prática, entre liturgia e arquitetura, entre o passado da tradição cristã e os desafios contemporâneos de projetar o sagrado. Uma leitura fundamental para todos os que se dedicam à arquitetura, à teologia e à renovação da experiência litúrgica.

ESPAÇO PARA CELEBRAR: COMO A ARQUITETURA E O AMBIENTE INFLUENCIAM AS LITURGIAS

Por Ir. Cidinha Batista
cidabatista2001@yahoo.com.br

Em nossos espaços de celebração, é comum realizarmos diversas liturgias ao longo dos tempos litúrgicos, sempre no mesmo local: o salão, com os mesmos móveis e a mesma igreja. De forma semelhante, a vida também se desenrola no mesmo cenário natural, com as mesmas montanhas, rios, árvores e o céu que nos circundam. No entanto, a natureza, com seus ciclos diários e sazonais, com o frio e o calor, a chuva e o vento, e os diferentes aromas, enriquece constantemente este cenário e nos permite fugir da rotina.

Inspirar-se na natureza pode ser uma excelente forma de enriquecer os espaços litúrgicos, ajustando-os aos tempos e celebrações da Igreja. A natureza sabe utilizar a luz e a sombra, as cores, os cheiros e as diferentes atmosferas de cada estação. No inverno, a luz escassa e as cores mais apagadas trazem uma sensação de introspecção, enquanto no verão, a abundância de água e a vegetação vibrante despertam ânimo. A primavera é uma explosão sensorial, e o outono nos prepara para a melancolia do inverno. Para cada tempo litúrgico, podemos (e devemos) adaptar os espaços de celebração de forma discreta e coerente com a essência do momento.

A Luz: Elemento Essencial da Liturgia

A iluminação é um fator fundamental para o desenvolvimento da liturgia e deve ser cuidadosamente planejada. Cada ambiente requer um tipo de luz específico, com intensidades variadas conforme a função do local. A luz em uma igreja, por exemplo, não deve ser a mesma que em uma sala de aula ou escritório. Uma igreja iluminada excessivamente pode perder seu caráter acolhedor, enquanto a iluminação fluorescente, típica de escritórios, não é indicada para ambientes de oração.

A iluminação pode, inclusive, ser usada de forma estratégica. Destacar certos espaços, como o altar ou a mesa da Palavra, com uma iluminação direcionada, valoriza os elementos essenciais da celebração. O contraste entre luz e sombra, além de ser esteticamente atraente, remete à dinâmica da fé, que transita entre a luz e as trevas.

Cores e Texturas: O Conforto Estético

As cores e as texturas desempenham um papel crucial na criação de um ambiente acolhedor e propício à oração. Cores frias, como o cinza e o gelo, tendem a afastar, criando uma atmosfera de frieza. Já tons como areia, camurça, terra e pérola são acolhedores, promovendo um ambiente confortável. Além disso, as texturas dos materiais que revestem o interior e o exterior das igrejas podem reforçar essa sensação de acolhimento, como as paredes texturizadas que não só enriquecem visualmente o espaço, mas também contribuem para a acústica.

Decoração: Simplicidade e Coerência

É comum vermos construções feitas de forma desordenada, para depois buscar um toque de beleza e acolhimento através da decoração. No entanto, a decoração não deve ser um elemento isolado. Ela deve estar sempre a serviço do projeto arquitetônico e litúrgico, criando uma unidade harmoniosa. Seja através de vitrais, pinturas ou outros elementos decorativos, tudo deve ser pensado de maneira cuidadosa, alinhado à teologia e à liturgia. O excesso de decoração pode tornar o ambiente sobrecarregado, o que acaba afastando os fiéis da experiência de oração, dispersando sua atenção.

Em espaços litúrgicos, menos é mais. A sobriedade, a simplicidade e a discrição devem ser priorizadas, evitando a tentação de enfeitar o ambiente de maneira exagerada.

Flores: Moderação na Simplicidade

Quanto às flores, a discrição é essencial. Muitas vezes, os arranjos florais ganham destaque de forma excessiva, obscurecendo o altar e a mesa da Palavra. É importante que o arranjo não seja mais notável que o próprio espaço sagrado. Além disso, plantas e flores artificiais não devem ser utilizadas. Em um ambiente de celebração, onde a verdade é proclamada e experimentada, o uso de materiais artificiais – como o plástico, símbolo de descarte – não é apropriado.

Vasos de barro, madeira ou ferro são os mais indicados, trazendo um toque de nobreza e dignidade ao ambiente. A escolha do material e a quantidade de decoração devem sempre estar em consonância com o objetivo litúrgico e teológico do momento.

Conclusão: Um Espaço Coerente com a Liturgia

Para cada liturgia, a dinâmica do espaço deve ser cuidadosamente planejada. O local de celebração não deve ser apenas um ambiente decorado, mas um espaço com um objetivo claro e definido. A arquitetura e a decoração devem ser pensadas para servir à liturgia, para enriquecer a experiência de oração e promover uma verdadeira vivência da fé. O segredo está na simplicidade, no equilíbrio, e na coerência com o tempo litúrgico.


Bibliografia:

  • Carpanedo, Penha e Guimarães, Marcelo. Dia do Senhor: Guia para as Celebrações das Comunidades. São Paulo, Ave Maria, 1997.
  • Beckhäuser, Alberto. Celebrar a Vida Cristã. Petrópolis, Vozes, 1984.
  • Machado, Regina Céli de Albuquerque. O Local de Celebração: Arquitetura e Liturgia. São Paulo, Paulinas, 2001.