Algumas recomendações: Antes de começar a leitura, prepare o ambiente, acenda uma vela…Encontre uma posição confortável, acalma-se de toda a agitação, preste atenção aos próprios sentimentos, pensamentos, preocupações…Deixe que volte ao coração acontecimentos, pessoas, situações…Entregue tudo ao Senhor. Em atitude de fé, invoque o Espírito Santo, pois é ele que ‘perscruta todas as coisas, até mesmo as profundidades de Deus’ (cf. I Coríntios 2,10-12). Se desejar escreve no seu caderno pessoal tudo que viveu durante a oração e partilhe.
Leituras dos textos bíblicos:
Evangelho Lucas 1, 26-38
1ªLeitura do Livro do Gênesis 3,9-15.20
Salmo 98 (97),1.2-3ab.3cd-4
2ªLeitura – Leitura da Carta de São Paulo aos Efésios 1,3-6.11-12
QUATRO PASSOS DA LEITURA ORANTE
Invocação ao Espírito Santo…
Primeiro passo: LER[1]
“Ele me desperta a cada manhã e me excita o ouvido,
para prestar atenção como um discípulo” (Is 50,4b)
- Ler e reler o texto, baixinho e em voz alta; escutar o texto (alguém está falando!).
- Prestar atenção a cada palavra, às ideias, às imagens, ao ritmo, à melodia.
- Tentar entender o texto (no contexto em que foi escrito).
- Se for possível, recorrer também a um bom comentário de um biblista.
- Ler como se fosse a primeira vez.
- Ler quantas vezes forem necessárias para deixar o texto falar.
- O que o texto está dizendo?
- Não interpretar, nem jogar suas ideias no texto – escute!
- Responder: Nível literário: Quem? O quê? Quando? Como? Onde? Por quê? O texto faz insistências (imagens, verbos, substantivos…)? Nível histórico: Quando o texto foi escrito? O relato coincide com a data da redação? Para quem foi escrito? Nível teológico: O que Deus estava dizendo naquela situação? Como ele se revelava? Como o povo respondia?
- Obs.: procurar as respostas em primeiro lugar no texto, depois em algum subsídio.
- Ao final desse momento, experimente reler o texto.[2]
Segundo passo: MEDITAR
“Uma vez Deus Falou, duas eu ouvi” (Sl 62,12)
- Repetir o texto (ou parte dele) com a boca, a mente e o coração: não “engolir” logo o texto, e sim mastigá-lo, “ruminá-lo”, tirando dele todo o seu sabor; não ficar só com as idéias que contém, mas deixar que as próprias palavras mostrem sua força; aprender de cor (= de coração!) pelo menos uma parte do texto.
- Penetrar no texto, interiorizá-lo; compreendê-lo, interpretá-lo a partir de nossa realidade; identificarmo-nos com ele. Perceber como o texto expressa nossas próprias experiências, sentimentos e pensamentos. Principalmente no caso dos salmos, estas experiências podem ser entendidas também como se referindo a Jesus, o Cristo.
- Trata-se de atualizar o texto: perceber como ele acontece hoje, em nossa realidade pessoal comunitária e social; perceber qual a palavra que o Senhor poderá estar nos dizendo…
- Ouvir o que Deus está dizendo hoje através do texto.
- Relacionar o texto com outras leituras (texto da Bíblia ou da Liturgia).
- Experimente reler o texto!
- Escolha uma frase ou expressão do texto que te marcou.
Terceiro passo: ORAR
“O Espírito nos socorre em nossa fraqueza,
pois não sabemos orar como convém” (Rm 8,26)
- Deixar brotar de dentro do coração tocado pela Palavra uma resposta ao Senhor. Dependendo da leitura e da meditação feitas, poderá ser uma resposta de admiração, louvor, agradecimento, pedido de perdão, compromisso, clamor, pedido, intercessão…
- O que o texto me faz dizer a Deus?
- Não “maquiar” os sentimentos diante de Deus.
- A oração pode ser feita a partir de um salmo ou cântico bíblico.
- Levar em conta o próprio texto e deixar o “movimento” do Espírito conduzir sua prece, louvor, adoração…
- Você pode também compor uma oração estilo coleta ou uma introdução para a celebração dominical (sentido litúrgico).
- Formular um compromisso: “Senhor, que queres que eu faça?”
- Experimente reler o texto.
Quarto passo: CONTEMPLAR
“Tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo” (Fl 2,5)
- A Bíblia não usa o verbo contemplar e, sim, escutar, conhecer, ver. Trata-se de saborear, “curtir” a presença de Deus, o jeito de ele ser e agir, o quanto ele é bom e o quanto faz por nós. Supõe uma entrega total na fé. Passa necessariamente pelo conhecimento de Jesus Cristo (“Quem me vê, vê o Pai”), que se encontra ao lado dos pobres.
- Ver a realidade com os olhos de Deus. Transformação interior de que se pôs à escuta da palavra.
- Contemplar = “viver no templo” – atitude permanente de vida.
- Permitir a encarnação do Verbo – o sentido das escrituras está na sua realização em nossas vidas: “Hoje se cumpriu”.
Palavra de um lavrador: “…fui notando que se a gente vai deixando a palavra de Deus entrar dentro da gente, a gente vai se divinizando. Assim, ela vai tomando conta da gente e a gente não consegue mais separar o que é de Deus e o que é da gente. Nem sabe muito bem o que é Palavra dele e palavra da gente. A Bíblia fez isso em mim”.[3]
Para ajudar no aprofundamento dos textos
Alegria, Esperança, Liberdade! Tudo começou com um Sim!
“Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim.”
(Clarice Lispector)
Evangelho de Lc 1 26-38.
Adentramos pelo tempo litúrgico em que somos convidadas(os) a fazer memória, refletir e alegrar-nos com o mistério da natividade de Jesus. Oportuna se faz a solenidade da Imaculada Conceição, que nos oferta o melhor exemplo de conversão ao trazer o Verbo Divino como salvação encarnada em seu ventre.
A jovem periférica, em sua pequenez, tornou-se grandiosa pela graça de Deus, exultada na saudação angélica: “Ave cheia de graça!”
Ah, menina Maria!
Somos chamadas(os) a contemplar, com Maria, o mistério supremo de Deus que nos interpela por sua Palavra de Salvação e nos revela seus desígnios divinos e, com a menina da Nazaré, mantermos a chama de uma vigilância permanente, renovadora e esperançada.
De um breve caminhar com Lucas
O texto da anunciação é tão conhecido por nós e nos parece simples. No entanto, talvez devamos nos acercar de certos aspectos relevantes desta boa notícia para a humanidade e assim sentirmos a alegria do anúncio a Maria.
Deve-se levar em consideração esforços feitos pelo evangelista, conforme ele mesmo afirma, em sua busca pelo Jesus humano e divino na história da salvação. Entretanto, o autor do Terceiro Evangelho faz parte de uma sociedade patriarcal, em um período de grande opressão do império vigente aliado a autoridades religiosas. Tanto no mundo judaico, como no mundo greco-romano, a mulher era desvalorizada, silenciada, de pouca valia. E ainda que os textos bíblicos sejam também influenciados pelo patriarcado, não conseguiram apagar brisa divina por meio da memória subversiva das mulheres. E é com este olhar que somos provocadas a refletir como seriam os desafios a uma jovem de periferia.
Ao narrar a anunciação feita pelo anjo Gabriel, o evangelista traz à lembrança outros anúncios de Deus feitos no Primeiro Testamento a mulheres estéreis cujos filhos teriam um papel importante no projeto divino. Ademais, nesse tempo sabemos que o autor do Terceiro Evangelho já havia revelado em seu texto o anúncio a Zacarias no templo onde era sacerdote; atente-se aqui para o que se assemelha e o que difere.
ALEGRIA
O evangelista inicia seu relato precisando um tempo e um local, ao explicitar que “no sexto mês”, em Nazaré da Galileia, uma periferia insignificante e desprezada, estava em sua casa e não em um templo, uma jovem virgem prometida em compromisso pré-nupcial já oficializado com José, um descendente de Davi. Ali se dá a visita de Gabriel (“Deus é forte”) a Maria a (“amada de Deus”) que lhe diz: “Ave, cheia de graça! Alegra-te, Maria, pois encontraste graça diante de Deus!” A pequena dos pequenos é engrandecida nesse momento, mas ela não se ensoberbece, ao contrário, se reconhece como é perante um evento perturbador.
Alegre-se, Maria, e vá! O caminho é longo…travessia!
Um pouco mais da anunciação
O “sexto mês”: ora, o anúncio do anjo Gabriel a Zacarias já havia acontecido e a gravidez de Isabel, a mulher mais idosa considerada estéril, já estava no sexto mês. Tempo em que o novo se apresentou para romper com o velho, aquele que duvidou ficou silenciado.
O primeiro passo da promessa já estava em curso em Isabel havia seis meses. A travessia começara. No entanto, era só o início ainda frágil do novo gestando seu porvir no que estava desgastado e ainda engessado no antigo, faltava a boa nova na nova, terra fértil – a jovem Maria. Conectadas estão essas mulheres, conectados estão as anunciações.
Isabel é a memória da fé do povo chegada até aquele presente, da promessa a se cumprir, memória é suporte que alimenta as primícias da transformação a chegar. Isabel é a porta aberta para o primeiro passo do caminho da nova travessia.
Maria é a fé presente em movimento. Maria comunidade nova e terra fecunda cujo novo, como projeto de Deus, surgirá para se insurgir em meio ao povo. É Maria que poderá passar a soleira da porta aberta e caminhar do antigo para o novo que virá, fazer a travessia salvífica libertadora da justiça prometida.
ESPERANÇA
Como estava a jovem no momento da anunciação? Atenta, em prontidão, ouviu, ressoou e escutou e em sua pouca vivência, conhecimento ou experiência, confusa, sente, pensa, indaga, busca saber, não rejeita, nem se acomoda. A explicação do anjo a acalma, pois na fé trazida em si a menina deveria conhecer as promessas e as profecias de um rebento que viria para justiça aos povos, mas como se daria para ela não iniciada em sua vida de convivência conjugal.
– “Não tenhas medo!” Essa saudação de Deus a ela, algo tão recorrente à humanidade, a fortalece. Como temer? Esperança-se! E se lhe recorda as antigas promessas feitas pelo Senhor, que a partir de então serão realizadas, pois o anjo lhe explica: “Espírito a cobrirá com sua sombra”. A divina Ruah sopra e encobre a menina com sua luz.
E tudo ficou claro, iluminado para Maria. Sombra, não de obscuridade, mas de luminosidade gerando nela uma nova Vida. Ela sabe da imensa missão, nada fácil, de perigo no meio em que vivia, mas é pela graça nela inserida e Maria confia e esperança-se.
Esperance-se, Maria, e vá! O caminho é longo…travessia!
LIBERDADE!
A claridade veio a Maria e ela se doa em plenitude e com toda liberdade dada por Deus ao dizer: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo sua Palavra”, não é submissão é, sim, a grandeza de Deus libertador que revela em Maria no seu sim livre para a missão, para o serviço que ali se inicia. Jesus, se entretecendo na carne de Maria, já começa a servir no serviço da mãe. Sim! O sim da coragem confiante que como flecha atirada não volta em busca de seu alvo. O sim da salvação libertadora para o povo espezinhado, explorado, angustiado, sofrido, oprimido e injustiçado.
O sim é uma afirmativa feminina para que se dê o aconteça. “A SIM”!
Sabedoria
Indelével
Matriarcal!
Liberta és, Maria, e vá! O caminho é longo…Travessia!
REFLETINDO
É possível ver na resposta de Maria a maneira de caminhar da comunidade chamada por Deus para continuar a missão a ela confiada. Deve ser um relacionar-se com a Palavra ao modo de Maria: ouvir, acolher, ressoar ou ruminar, deixa-la encarnar-se para o nascimento e crescimento no deixar-se moldar por ela.
O sim de Maria como comunidade de fé e caminhada atuante, em marcha contra a velha opulência da injustiça que mata. Maria-comunidade do sim à vida. Ser a Maria de tantas e tantas Marias na fé de prontidão e atitude esperançadas.
SIM!
E nós? E os anúncios? Ouvimos, acolhemos, escutamos? O que está sobre nossa vida? Sombra que obscurece ou que ilumina? Confiantes? Como estamos e como vamos? Onde pisamos e aonde vamos? E o nosso sim? Que respostas damos? Agimos? De que maneira?
Margarida Maria Soares/Dez 2024.
Contribuição na revisão pelo Prof. Edmilson Schinelo.
CEBI-MG
Roteiro preparado pelas irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre – Pastoral Vocacional
Site: www.piasdiscipulas.org.br
[1] Cf. BUYST, Ione. Mística e liturgia; beba da fonte! Col. Rede Celebra, Vol 08. São Paulo, Paulinas, p. 66.
[2] As observações nas caixas são dicas. Não fazem parte do texto original da autora acima citada.
[3] Cf. CRB. A leitura orante da Bíblia. Col. Tua Palavra é Vida, vol. 1. São Paulo, Loyola/Publicações CRB/1990, 1997, p.31.