A PÁSCOA ETERNA DO PAPA FRANCISCO

O Papa Francisco, líder da Igreja Católica desde 2013, faleceu nesta segunda-feira, 21 de abril de 2025, aos 88 anos, no Vaticano. A notícia foi confirmada oficialmente pela Santa Sé.

Sua Eminência o Cardeal Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, anunciou publicamente o falecimento com as seguintes palavras:

“Queridos amigos, é com profunda tristeza que devo anunciar a morte de nosso Santo Padre Francisco.
Esta manhã do dia 21 de abril de 2025, às 7h35, horário de Brasília, Francisco retornou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada a servir ao Senhor e à sua Igreja. Ele me ensinou a viver os valores do Evangelho com zelo, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e desfavorecidos. Com imensa gratidão por esse exemplo de um verdadeiro discípulo do Senhor Jesus. Entregamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Trino.”

Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio em Buenos Aires, Argentina, foi o primeiro Papa latino-americano e o primeiro jesuíta a assumir o papado. Seu pontificado ficou marcado por uma forte ênfase na misericórdia, no cuidado com os pobres, na justiça social, no diálogo inter-religioso e na responsabilidade ecológica.

Desde sua eleição em 13 de março de 2013, o Papa Francisco conquistou a atenção mundial com um estilo pastoral próximo das pessoas, palavras simples e diretas, e gestos simbólicos que expressavam humildade e compromisso com os mais vulneráveis.

Cronologia de um pontificado marcante

  • 13 de março de 2013 – Eleito Papa, após a renúncia de Bento XVI. Escolhe o nome “Francisco”, inspirado em São Francisco de Assis.
  • 24 de novembro de 2013 – Publica Evangelii Gaudium, exortação apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual.
  • 2015 – Publica Laudato Si’, encíclica sobre o cuidado da casa comum, com forte impacto global.
  • 2016 – Proclama o Ano Santo da Misericórdia e publica Amoris Laetitia, documento sobre a família.
  • 2019 – Visita os Emirados Árabes Unidos, sendo o primeiro Papa a visitar a Península Arábica. Assina o “Documento sobre a Fraternidade Humana”.
  • 2020 – Durante a pandemia da COVID-19, realiza uma oração histórica e solitária na Praça São Pedro vazia, pedindo pelo mundo.
  • 2020 – Publica Fratelli Tutti, encíclica sobre a fraternidade e a amizade social.
  • 2021 – Realiza viagem ao Iraque, promovendo diálogo e reconciliação em meio a tensões religiosas.
  • 2023 – Conduz a fase universal do Sínodo sobre a Sinodalidade, convocando a Igreja a escutar mais profundamente o Povo de Deus.
  • 21 de abril de 2025 – Morre no Vaticano, após anos de intenso serviço pastoral.

O corpo do Papa Francisco será velado na Basílica de São Pedro, onde fiéis do mundo todo poderão prestar suas últimas homenagens. O funeral será celebrado conforme as normas estabelecidas para um Papa reinante. Conforme informações do Vatican News, a trasladação do corpo do Santo Padre para a Basílica Vaticana, para a homenagem de todos os fiéis, poderá ocorrer na manhã de quarta-feira, 23 de abril de 2025, segundo as modalidades que serão definidas e comunicadas amanhã.

Líderes religiosos e autoridades civis de diversas partes do mundo manifestaram pesar pela morte do pontífice e reconheceram seu legado como uma voz profética em tempos de desafios globais.

Aqui no Brasil, na Catedral da Sé, ao meio-dia do dia de hoje, 21 de abril de 2025, será presidida uma Celebração Eucarística em sufrágio pela morte do Papa Francisco.

Nota de Pesar pelo Falecimento do Papa Francisco

“Nós o vimos!” (cf. Mt 28,10)

As Pias Discípulas do Divino Mestre, unidas em oração com toda a Igreja, expressam profundo pesar pelo falecimento do Santo Padre, o Papa Francisco, e rendem graças a Deus por sua vida doada com generosidade e ternura ao serviço do Evangelho.

Agradecemos ao Senhor pelo dom precioso da vida e do ministério deste humilde servo do Evangelho, que, com coragem profética, ternura pastoral e amor incondicional pelos pobres e sofredores, conduziu o rebanho de Deus nos caminhos da misericórdia, da justiça e da paz. Sua palavra firme e ao mesmo tempo paterna iluminou os corações e apontou, com o exemplo, para a centralidade de Cristo, o Divino Mestre, Caminho, Verdade e Vida.

Como Discípulas do Divino Mestre, reconhecemos no Papa Francisco um sinal luminoso da presença do Ressuscitado em meio às dores e esperanças do nosso tempo. Inspiradas por sua entrega, seu testemunho evangélico e seu constante apelo à oração, à fraternidade e à adoração, elevamos ao Senhor nossas preces em sufrágio.

À luz do Evangelho proclamado nesta Segunda-feira da Oitava da Páscoa (Mt 28,8-15), contemplamos as mulheres que, com temor e alegria, correm a anunciar a Ressurreição. Nelas, vemos o reflexo da missão que marcou o pontificado de Francisco: anunciar com coragem, sem ceder ao medo nem ao silêncio, que Cristo vive e caminha conosco.

Como as mulheres no caminho, também ele se encontrou com o Ressuscitado e O anunciou ao mundo com palavras de misericórdia, com gestos de compaixão e com uma vida marcada pela simplicidade e pelo serviço. Num tempo marcado por vozes de confusão e fechamento, sua palavra foi sinal profético da presença viva de Deus entre os pequenos e os esquecidos.

Na esperança pascal que sustenta nossa fé, elevamos nossas orações em sufrágio e confiamos que o Senhor Ressuscitado, a quem ele amou e seguiu com fidelidade, o acolha no Reino preparado desde toda a eternidade.

Como Discípulas do Divino Mestre, continuaremos a viver e a anunciar, como ele nos ensinou, a beleza do encontro com Jesus vivo na Eucaristia, na Palavra, na Liturgia e no rosto dos irmãos.

“Não tenhais medo. Ide anunciar a meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão.” (Mt 28,10)

Pias Discípulas do Divino Mestre

TERCEIRO DIA DO TRÍDUO PASCAL: O DOMINGO DA RESSURREIÇÃO

Domingo da Páscoa na Ressurreição, “máxima solenidade do ano litúrgico” (PSL, 148). A primeira celebração deste domingo maior é a Vigília Pascal na noite santa, noite em que Jesus rompeu o inferno, noite testemunha da ressurreição (cf. Proclamação da Páscoa), Mãe de todas as Vigíliasda Igreja. Nesta noite, os catecúmenos são batizados e crismados, tomam parte nas preces e levam os dons do pão e do vinho até o altar; participam, pela primeira vez, da Oração Eucarística, da recitação da Oração do Senhor e da Mesa do Pão da Vida e do Cálice da Salvação, ápice da iniciação cristã. Nesta noite, os fiéis renovam as promessas batismais, reafirmando a inserção no mistério do crucificado-ressuscitado por meio do Batismo e da Confirmação (cf. PCFP 80). O dia da Ressurreição, celebrado com grande solenidade (PS 97), testemunhamos que o Senhor ressurgiu, como Maria Madalena, Pedro, João e os demais discípulos e discípulas. Eis o dia que o Senhor fez para nós. A celebração começa na Vigília Pascal, na noite do Sábado Santo. O fogo novo é aceso, a luz do Círio Pascal rompe a escuridão. A liturgia a chama de “Mãe de todas as Vigílias”: é a noite santa da libertação, da nova criação.

“Na escuridão do sepulcro nasceu uma luz nova, a luz da Ressurreição.” — Papa Francisco

A Vigília gira em torno de dois momentos centrais:

  • A Liturgia da Palavra, com o anúncio da história da salvação.
  • A Liturgia dos Sacramentos, com o Batismo, a Crisma e a Eucaristia, que nos unem ao mistério pascal.

“Jesus não é alguém do passado. Ele vive hoje e caminha conosco todos os dias.” — Papa Francisco

Na manhã do domingo, tudo se renova. A luz do Ressuscitado transforma o medo em coragem, a tristeza em alegria. A comunidade cristã proclama com força: “O Senhor ressuscitou verdadeiramente. Aleluia! Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e exultemos!” (Sl 117,24)

Como as mulheres no túmulo vazio, como Pedro e João correndo para ver, somos convidados a nos mover, a buscar, a anunciar. “A Páscoa é o anúncio de que tudo pode ser sempre recomeçado.” — Papa Francisco

A imagem da noite que se ilumina exprime, de forma simbólica, o coração do mistério da Páscoa: a vida vence a morte, a luz vence as trevas.

A celebração do Domingo da Ressurreição não termina ali. Ela se desdobra em cinquenta dias de festa, até Pentecostes, lembrando que viver como ressuscitados é um caminho contínuo. “Cristo vive! E com Ele, também nós podemos viver. Esta é a certeza que transforma tudo.” — Papa Francisco

Somos chamados a deixar para trás as sombras, a renovar o coração e escolher a luz. Como o Papa Francisco nos anima: “Não deixemos que a esperança nos seja roubada. O Senhor ressuscitado caminha conosco!”.

TEXTOS BÍBLICOS PARA A VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA:

1ª Leitura:
Gênesis 1,1-2,2
Salmo responsorial – Sl 103(104),1-2a.5-6.10.12.13-14.24.35c (R. cf. 30)

2ª Leitura:
Gênesis 22,1-18
Salmo responsorial Sl 15(16),5.8.9-10.11 (R. 1a)

3ª Leitura:
Êxodo 14,15-15,1
Salmo responsorial Ex 15,1-2.3-4.5-6.17-18 (R. 15,1a)

4ª Leitura:
Isaías 54,5-14
Salmo responsorial Sl 29(30),2.4.5-6.11.12a.13b (R. 2a)

5ª Leitura:
Isaías 55,1-11
Salmo responsorial Is 12,2-3.4bcd.5-6 (R. 3)

6ª Leitura:
Baruc 3,9-15.32-4,4
Salmo responsorial Sl 18B(19),8.9.10.11 (R. Jo 6,68c)

7ª Leitura:
Ezequiel 36,16-17a.18-28
Salmo responsorial Sl 41(42),3.5bcd; 42,3.4 (R. 3a)

Leituras do Novo testamento

8ª Leitura:
Romanos 6,3-11
Salmo responsorial Sl 117(118),1-2.16ab-17.22-23

9ª Leitura: EVANGELHO
Lucas 24,1-12

Reflexão para a Vigília Pascal na Noite Santa

A Vigília Pascal é a noite mais sagrada da liturgia cristã. É a celebração da nova criação inaugurada em Cristo, o Cordeiro Pascal. Nesta noite, a Igreja vela em oração e escuta com reverência a grande narrativa da salvação, contada pelas Escrituras. Cada leitura é uma janela aberta sobre o mistério da Páscoa.

1. Do caos à luz – Gênesis 1,1-2,2: A primeira leitura nos leva ao princípio de tudo. Deus cria a luz para vencer as trevas, a ordem para dominar o caos, e o ser humano para viver em comunhão com Ele. A criação é dom e expressão do amor divino. Ao celebrarmos a Ressurreição, reconhecemos que Cristo é a nova luz que refaz a criação ferida pelo pecado. “Enviai o vosso Espírito e tudo será criado, e renovareis a face da terra.” (Sl 103)

2. A fé provada – Gênesis 22,1-18: Abraão, ao entregar seu filho Isaac, figura a oferta suprema do Pai que não poupou o próprio Filho. A obediência de Abraão prefigura o sim de Jesus na cruz. Na ressurreição, compreendemos que a morte não tem a última palavra. “Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refugio!” (Sl 15)

3. A travessia da liberdade – Êxodo 14,15–15,1: este é o coração do Antigo Testamento pascal: Deus liberta o seu povo da escravidão. O mar que se abre simboliza o Batismo: mergulhar na morte para emergir na vida. Cristo é o novo Moisés, que nos conduz à liberdade. “Cantemos ao Senhor: ele fez brilhar a sua glória!” (Ex 15)

4. A ternura de Deus – Isaías 54,5-14: mesmo quando o povo se afasta, Deus permanece fiel. Seu amor é como o de um esposo fiel. A Páscoa nos mostra que o Senhor não nos abandona — mesmo no exílio ou na noite do sofrimento. “Eu vos exalto, Senhor, porque vós me livrastes.” (Sl 29)

5. Um convite à vida – Isaías 55,1-11: a palavra de Deus é eficaz, como a chuva que fecunda a terra. Nesta noite, somos convidados a acolher a Palavra viva que é Cristo, o Verbo encarnado. A salvação é gratuita, mas exige sede e abertura do coração. “Com alegria bebereis do manancial da salvação!” (Is 12)

6. Sabedoria para viver – Baruc 3,9-15.32-4,4: o Senhor nos chama a buscar a sabedoria, que não está nas riquezas nem nos ídolos, mas na Lei do Senhor, na sua Palavra que conduz à vida. Cristo é a Sabedoria encarnada, luz para os que andam nas trevas. “Senhor, só tu tens palavras de vida eterna.” (Sl 18B / Jo 6,68c)

7. Um coração novo – Ezequiel 36,16-28: Deus promete lavar o povo com água pura, dar um coração novo e um espírito novo. Essa promessa se cumpre no Batismo, onde morremos para o pecado e renascemos para Deus. A ressurreição de Cristo é fonte de vida nova para todos. “Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo!” (Sl 41)

8. Unidos à morte e ressurreição – Romanos 6,3-11: o Batismo nos une à morte de Cristo, para que vivamos uma vida ressuscitada. Morremos ao pecado para caminhar em novidade de vida. Somos, em Cristo, uma nova criação. “Não morrerei, mas ao contrário, viverei!” (Sl 117)

9. O túmulo vazio – Lucas 24,1-12: As mulheres encontram o túmulo vazio e recebem o anúncio: “Ele não está aqui! Ressuscitou!”. A pedra foi removida, a morte vencida, e a vida irrompeu gloriosa. A Vigília Pascal é a noite da surpresa divina: Deus ressuscita Jesus e com Ele, nos chama a ressuscitar também — desde já, com uma vida nova, e para sempre, na glória.

No Evangelho de Lucas (24,1-12), como nos outros evangelhos, as mulheres são as primeiras a ir ao túmulo. Isso não é um detalhe casual: em uma cultura onde o testemunho feminino não tinha valor jurídico, o fato de os evangelhos colocarem as mulheres como as primeiras a receber o anúncio da ressurreição mostra a autenticidade e a força contracultural do Evangelho. “Ele não está aqui! Ressuscitou!” – este anúncio, confiado primeiro às mulheres, é o coração da fé cristã.

O túmulo vazio não é apenas um sinal de ausência, mas de presença transformada. Jesus ressuscitado não está preso à morte, ao lugar da sepultura, ao passado. Ele vive, mas de um modo novo, além do espaço e do tempo. As mulheres são as primeiras a perceber que algo radicalmente novo começou. O túmulo vazio é o primeiro “sinal sacramental” da nova criação.

O anúncio pascal não é para ser guardado: é para ser compartilhado com os outros discípulos. Assim, as mulheres são as primeiras “apóstolas dos apóstolos”, como dizia Santo Tomás de Aquino. Elas não apenas veem e ouvem, mas são enviadas. A fé cristã nasce como testemunho de uma experiência, não como teoria. Começa com um encontro e se espalha pelo anúncio.

As mulheres são fiéis até o fim: não abandonam Jesus na cruz, estão presentes no sepultamento, e são as primeiras a buscá-lo mesmo no silêncio da morte. Sua perseverança e amor as colocam no centro da revelação pascal. Elas vão ao túmulo movidas pela dor e pelo amor. E é nesse lugar de perda que Deus age com poder. Isso mostra que a fé pascal não nega a dor, mas a atravessa. A ressurreição é uma resposta divina ao sofrimento humano.

A experiência das mulheres revela que o Ressuscitado se manifesta onde há amor fiel e esperança humilde. A ressurreição não se revela a quem desiste, mas a quem continua amando e esperando mesmo sem entender.

Nesta noite santa, a história da salvação se revela como uma história de amor fiel. Deus cria, liberta, conduz, perdoa, renova… e por fim, ressuscita. A escuridão da cruz dá lugar à luz da vida. Somos convidados a deixar o túmulo e caminhar na luz do Ressuscitado. “Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos!” (Sl 117)

TEXTOS BÍBLICOS PARA O DOMINGO DA PÁSCOA NA RESSURREIÇÃO DO SENHOR

At 10,34a.37-43
Sl 117(118),1-2.16ab-17.22-23 (R. 24)
Cl 3,1-4 ou 1Cor 5,6b-8
Jo 20,1-9
Em lugar deste Evangelho, pode-se proclamar o Evangelho da Vigília Pascal: Mt 28,1-10 (Ano A); Mc 16,1-7 (Ano B); Lc 24 1-12 (Ano C). Nas missas vespertinas do domingo de Páscoa, pode-se também proclamar o Evangelho de Lc 24,13-35.

“Ele viu e acreditou” – Reflexão para o Domingo da Ressurreição

João 20,1-9 | Atos 10,34a.37-43 | Colossenses 3,1-4 ou 1Coríntios 5,6b-8 | Salmo 117

O dia da Páscoa ressoa em toda a liturgia como um grito de vitória: Cristo ressuscitou! Este é o dia que o Senhor fez para nós — um dia em que a vida venceu a morte, a esperança renasceu, e o amor mostrou-se mais forte que tudo. O Salmo 117 canta com alegria: “Este é o dia que o Senhor fez: alegremo-nos e nele exultemos!”

Mas esse dia tão glorioso começou com silêncio e surpresa, com um túmulo vazio e corações confusos. O Evangelho de João nos apresenta a corrida de Maria Madalena, Pedro e o discípulo amado ao sepulcro. Eles não encontram Jesus ali, mas apenas os sinais de sua passagem: as faixas de linho no chão, o sudário dobrado.

A fé pascal não nasce da lógica, mas da experiência do mistério. O discípulo amado “viu e acreditou”. Ele viu o vazio e acreditou na plenitude. Isso é Páscoa: ver o invisível, confiar no que parece impossível, crer no Amor que não morre.

No livro dos Atos, Pedro anuncia com clareza o coração da fé cristã: “Jesus, que passou fazendo o bem e curando os oprimidos, foi crucificado, mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia.” E ele testemunha que esse Ressuscitado apareceu aos que comeram e beberam com Ele — não a todos, mas àqueles que caminhavam com Ele. A ressurreição não é um espetáculo público, mas uma experiência que transforma a vida dos que O amam.

Hoje, somos chamados a ser essas testemunhas: homens e mulheres que experimentaram o Cristo vivo em sua história e o anunciam com a vida.

A carta aos Colossenses nos recorda: “Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto.” A Páscoa não é apenas um evento do passado, mas uma realidade que nos transforma no presente. Ressuscitar com Cristo significa deixar para trás o “fermento velho”, como diz São Paulo aos Coríntios: tudo aquilo que pesa, que corrompe, que nos distancia do amor e da comunhão.

Celebrar a Páscoa é viver como novas criaturas, revestidos da luz e da alegria de Cristo. É fazer da vida uma Eucaristia permanente, um testemunho vivo da presença do Ressuscitado no mundo.

Hoje, diante do túmulo vazio…

Também nós nos aproximamos do túmulo, como Maria Madalena. Também nós corremos, como Pedro e o discípulo amado. E o que encontramos? Não provas, mas sinais. Não certezas humanas, mas a presença silenciosa de um Deus que nos precede e nos convida a crer.

Cristo não está mais entre os mortos. Ele caminha conosco, ressuscitado.
Ele está nas feridas curadas, nos corações reconcilia­dos, na paz reencontrada.
Ele está em cada gesto de amor que vence o medo, em cada perdão que renasce, em cada vida restaurada pela esperança.

Oração final

Senhor Ressuscitado,
como o discípulo amado, queremos ver e acreditar.
Ensina-nos a reconhecer-te nos sinais discretos da vida,
a correr ao encontro da tua presença viva,
e a viver como testemunhas da ressurreição.
Que este dia, que tu fizeste para nós,
seja o início de uma vida nova,
marcada pela luz, pela alegria e pela paz.
Amém.

SÁBADO SANTO

O Sábado Santo é o dia do grande silêncio, onde a Igreja permanece em recolhimento junto ao sepulcro do Senhor. Após a intensidade da Paixão, somos convidados a fazer uma pausa profunda. O altar está desnudado, não se celebra a Eucaristia, e reina um silêncio litúrgico que carrega uma expectativa: a esperança da Ressurreição.

No Sábado Santo, a Igreja vela em silêncio diante do sepulcro do Senhor. Contempla com reverência sua Paixão, sua Morte e sua misteriosa descida à mansão dos mortos (cf. 1Pd 3,19), aguardando em oração e jejum o esplendor da Ressurreição. É um dia marcado pelo recolhimento e pela espera silenciosa. Por isso, a Igreja se abstém da celebração da Eucaristia — o altar permanece despojado, sem ornamentos — até que, ao cair da noite, na solene Vigília Pascal, irrompam os cantos jubilosos da Páscoa, cuja plenitude se estende ao longo dos cinquenta dias do Tempo Pascal. Neste dia, a Sagrada Comunhão é reservada unicamente como viático, sinal de esperança para aqueles que se preparam para o encontro definitivo com Cristo.

Contemplamos o mistério da sepultura do Senhor, reconhecendo, com a fé mais antiga da Igreja, que: “Cristo morreu pelos nossos pecados, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Cor 15,3-4).

É um dia de esperança silenciosa. Não é um vazio, mas uma gestação. A tristeza não é simplesmente substituída pela alegria, mas é transformada nela. O Sábado Santo é o dia em que a vitória começa a germinar dentro da derrota, a vida brota no coração da morte. “Cristo por nós padeceu, morreu e foi sepultado: vinde todos, adoremos!”.

Viver o Sábado Santo: oração, silêncio e espera

Mesmo com os preparativos para a solene Vigília Pascal, este dia deve conservar um espaço para a oração pessoal e comunitária. A Liturgia das Horas e o Ofício Divino das Comunidades oferecem orações próprias para esse momento. Celebrar com o povo o Ofício de Leituras ao amanhecer e a Oração da Manhã — na igreja despojada, não na capela da reposição — favorece um ambiente de contemplação, como as mulheres portadoras de perfumes, que vigiam à espera do Ressuscitado.

Após esses momentos litúrgicos, pode-se prolongar a meditação, silenciando o coração e repassando a Palavra. Também é precioso reservar um tempo para a oração pessoal, leitura espiritual e contemplação dos Evangelhos que narram o sepultamento de Jesus:
📖 João 19,38-42 | Lucas 23,50-56 | Mateus 27,56-61 | Marcos 15,42-47.

Esses quatro textos, embora sejam relatos discretos, todos profundamente marcados pela reverência e pelo silêncio, eles carregam uma mensagem poderosa e extremamente atual para a humanidade de hoje. Eis algumas luzes que podemos recolher desses evangelhos:

A dignidade da morte e o valor do cuidado: José de Arimateia, Nicodemos e as mulheres que seguem Jesus não se afastam dele na hora da morte. Eles não têm pressa. Eles cuidam, lavam, perfumam, envolvem o corpo em linho. Em um tempo em que a morte é muitas vezes apressada, institucionalizada ou ignorada, esses gestos simples e compassivos recordam à humanidade que todo corpo merece ser cuidado e amado até o fim. Eles nos ensinam a honrar o sofrimento com ternura, a não virar o rosto diante da dor.

A coragem silenciosa dos pequenos: José de Arimateia era discípulo “às escondidas”, Nicodemos antes só vinha de noite, e as mulheres estavam sempre em segundo plano. Mas no momento mais difícil, são eles que permanecem. Esses textos nos lembram que a verdadeira fidelidade não grita nem se impõe. É discreta, mas firme. Num mundo barulhento, onde o poder e a visibilidade parecem dominar, esses pequenos gestos silenciosos gritam: a fé perseverante transforma o mundo.

A espera fecunda no meio do luto: as mulheres observam onde Jesus foi sepultado. Tudo parece ter acabado. Mas elas esperam. Elas não desistem. Mesmo sem entender, não abandonam o lugar onde repousa o amor. Para a humanidade de hoje, marcada pela ansiedade, pelo imediatismo e pelo desespero diante da dor, essas mulheres ensinam a esperar com fé mesmo quando tudo parece perdido. A ressurreição não começa no Domingo: ela começa no coração de quem vigia no sábado do silêncio.

A compaixão como resposta à morte: nestes textos, ninguém faz discursos grandiosos. O que fala é o gesto: envolver Jesus num lençol novo, sepultá-lo num túmulo digno, trazer perfumes… É a linguagem da compaixão concreta. Eles mostram que, diante da dor do outro, o que importa não é ter respostas, mas presença amorosa e gestos sinceros. Numa sociedade muitas vezes indiferente ao sofrimento, esses relatos convidam cada um de nós a sermos companheiros de sepultura — solidários, sensíveis e humanos.

Deus age no silêncio: Nenhuma palavra de Jesus é pronunciada nesses trechos. Ele já está morto. Mas Deus não está ausente. A semente foi lançada na terra. Algo está germinando no invisível. Para a humanidade que sofre, espera, e tantas vezes não vê sinais, esses evangelhos afirmam com doçura: o silêncio de Deus não é ausência, é obra misteriosa de salvação. No tempo do túmulo, a graça trabalha por dentro.

Esses relatos do sepultamento de Jesus não apenas falam do silêncio de Deus, mas nos colocam dentro dele. Jesus está morto. Deus parece ter calado. A dor venceu? A injustiça triunfou? Onde está Deus diante do mal?

É nesse contexto que os textos oferecem uma resposta profunda, ainda que sutil: o silêncio de Deus não é indiferença nem abandono, mas um silêncio grávido de presença, um silêncio que carrega esperança e promessa. Aqui estão algumas pistas que esses textos oferecem à humanidade de hoje:

Deus não está ausente no silêncio: Ele está profundamente mergulhado na dor. O corpo de Jesus, entregue ao sepulcro, mostra que Deus não se retirou do sofrimento humano, mas passou por ele até o fim. No silêncio do túmulo, Deus compartilha nossa noite mais escura. Isso responde à angústia de tantos que perguntam: “Onde está Deus diante das guerras, das violências, dos lutos?” — Ele não está distante. Ele está na cruz, e agora está no túmulo. Com a humanidade.

O silêncio de Deus é espaço para a fé amadurecer. Como as mulheres diante do túmulo, somos convidados a esperar, mesmo sem compreender. O silêncio não é uma rejeição, mas uma pedagogia: faz a fé crescer, ensina a escutar com o coração, a confiar no invisível. Diante do mal, o silêncio de Deus pode parecer ausência, mas é também um chamado à confiança madura, ao tipo de fé que permanece mesmo quando não há sinais.

O bem continua atuando, mesmo na escuridão. José de Arimateia, Nicodemos, as mulheres… são personagens silenciosos que continuam fazendo o bem mesmo quando tudo parece perdido. Eles não esperam Deus agir de forma espetacular: agem com delicadeza e amor, mesmo sem entender tudo. Isso nos inspira a crer que o bem nunca cessa, mesmo diante do mal. No silêncio, Deus age através das mãos compassivas, das atitudes discretas, da fidelidade dos pequenos.

O silêncio de Deus revela que a resposta ao mal é mais profunda do que uma intervenção imediata. Muitas vezes, esperamos que Deus “faça algo” de forma visível, rápida, espetacular. Mas Deus responde ao mal com algo mais radical: Ele entra na morte para vencê-la por dentro. O silêncio do Sábado Santo não é passividade, mas um espaço onde a semente do Reino germina em segredo. A resposta de Deus ao mal não é apenas corrigir o mundo, mas transformá-lo desde o interior, com amor crucificado e ressuscitado.

O silêncio é a preparação da ressurreição. O túmulo é real. A dor também. Mas a última palavra não foi dita ainda. O silêncio não é o fim — é o intervalo sagrado entre a dor e a vitória, entre a cruz e a vida nova. Para a humanidade de hoje, cansada de ruídos, de violências e de desesperança, esses textos dizem: permaneça. Espere. Creia. O amor ainda está agindo.

Esses evangelhos, com sua delicadeza e profundidade, não dão respostas fáceis ao sofrimento. Mas revelam que Deus está presente, mesmo no escuro. E isso muda tudo. Porque o silêncio d’Ele não é abandono, mas amor que trabalha no invisível, preparando o terceiro dia.

MEDITAÇÕES SOBRE O MISTÉRIO DO SÁBADO SANTO

“O Amor penetrou nos infernos”Bento XVI

O Sábado Santo é o intervalo sagrado em que Cristo compartilhou conosco não apenas o morrer, mas o permanecer na morte. É o dia da solidariedade radical de Deus. No coração da morte humana, ressoou a voz do Amor. O que parecia ser o fim, tornou-se princípio. Se até ali o Amor chegou, então também ali germinou a Vida. Na solidão mais escura, nunca mais estaremos sozinhos.

“O grande e santo Sábado”Alexandre Schmemann e Olivier Clément

O Sábado Santo não é um simples intervalo entre a dor e a alegria. Não se trata de tristeza seguida por alívio. É o dia em que a tristeza é transfigurada pela fé. É o dia em que celebramos a morte da própria morte. É o tempo da espera fértil, onde tudo é preparado para a Ressurreição.

“O Silêncio de Deus”Pe. Adroaldo Palaoro

O Sábado Santo é um tempo de silêncio… não de ausência, mas de presença oculta. Um silêncio carregado de sentido, como o do Pai que está de luto por seu Filho e por todas as suas criaturas. O silêncio de Deus é a semente do Verbo lançada na terra, esperando a hora de florescer em Vida nova.

Homilia Antiga do Sábado Santo (séc. IV)

“O que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra… porque o Rei está dormindo.”
Cristo desce aos infernos, procura Adão e Eva, e proclama:
“Levanta-te, tu que dormes! Eu sou a tua vida. Por ti, tomei tua condição e fui até mesmo sepultado debaixo da terra. Mas agora, saiamos daqui! O trono está preparado, os céus abertos, o Reino te espera.”


Um convite ao coração

Neste Sábado Santo, pare. Silencie. Recolha-se. Deixe que o mistério da cruz mergulhe no teu interior e, como uma semente na terra, transforme a tua dor em esperança. Na escuridão da morte, a luz já começa a nascer. É o dia em que Deus parece calar, e justamente nesse silêncio, a fé é chamada a permanecer viva. É um tempo de espera reverente, em que a Igreja, como Maria e os discípulos, permanece ao lado do sepulcro, sustentada pela esperança.

Neste dia, não se celebra a Eucaristia, não há grandes gestos litúrgicos: tudo convida ao recolhimento. É uma pausa sagrada, onde a ausência se torna presença silenciosa, e a oração se torna a linguagem da alma que vigia na escuridão, crendo na luz que virá.

Orar no Sábado Santo é unir-se a Cristo em seu descanso no seio da terra, é permanecer com Ele no silêncio do túmulo, confiando que a vida brotará da morte. É também um modo de nos reconhecermos frágeis, mas guardados no Amor. Por isso, a oração neste dia não é agitada, mas contemplativa, feita de escuta, espera e esperança.

É um convite a mergulhar naquilo que Bento XVI chamou de “a solidariedade mais radical de Deus com a nossa humanidade”: Deus entra até mesmo na experiência da morte e da solidão para que ninguém, jamais, se sinta abandonado. No silêncio do Sábado Santo, a oração é como o incenso que sobe suave e confiante, mesmo antes do sol nascer.

A GRANDE SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO

O que celebramos?

A Sexta-Feira da Paixão, apesar de marcada pela dor e silêncio, é, na perspectiva bíblica, especialmente no Evangelho segundo João, uma “Paixão Gloriosa”. É a celebração do Amor Maior, que se revelará vitorioso na madrugada da Ressurreição. Neste dia, a Igreja faz memória da bem-aventurada paixão do Senhor e celebra o seu próprio nascimento do lado aberto de Cristo na cruz (cf. PCFP, 58). A leitura da Paixão segundo João é o ponto alto da liturgia, revelando a vitória do Servo Sofredor (cf. Isaías 52,13–53,12; Hebreus 4,14–16; 5,6–7), que entregou sua vida como oferenda de amor até o fim.

Vivência Espiritual

Oração e Contemplação

  • Ofícios da manhã e do meio-dia, realizados em um espaço despojado, preparam o coração para a celebração principal da tarde.
  • A solene Celebração da Paixão, à tarde, é um convite profundo à contemplação.
  • Após cada momento litúrgico, recomenda-se prolongar a oração pessoal em silêncio, meditando a Palavra.

Meditação Profunda

“A Igreja primitiva chamava este dia de Páscoa da Cruz — pois nele tem início a grande Passagem. Antes da alegria da Ressurreição, vêm as trevas. Trevas que não são apenas simbólicas, mas reais. A Sexta-feira Santa é o dia do pecado, do mal e da condenação. E ainda assim, paradoxalmente, é o dia da redenção.”

A morte de Cristo é revelada como morte salvífica. Não há pecado n’Ele, por isso, sua morte é um ato puro de amor e obediência. A cruz se torna então revelação de compaixão, perdão e salvação. “Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus!” (Mc 15,39)

Sentido Litúrgico

Estrutura da Celebração da Paixão do Senhor

  1. Liturgia da Palavra – com leitura ou encenação da Paixão segundo João.
  2. Oração Universal – profunda e solene, com súplicas por toda a humanidade.
  3. Adoração da Cruz – momento central, onde a cruz é exaltada como sinal de vitória.
  4. Comunhão Eucarística – comungamos o Corpo de Cristo entregue por nós.

A celebração é marcada pela sobriedade: altar desnudo, silêncio, prostração, vestes vermelhas — símbolos do martírio e da entrega.

Teologia da Cruz

  • A paixão, segundo João, exalta não apenas o sofrimento, mas a vitória pascal de Cristo.
  • A cruz é aclamada como trono de glória: nela adoramos o Cristo crucificado e glorificado.
  • A morte é real, mas já anuncia a vida nova que brotará na Vigília Pascal.

Atitude Espiritual

“Amar até o fim.” Somos discípulos do Cristo que venceu o aparente fracasso da cruz com um amor que vence a própria morte.

Normas Litúrgicas para a Sexta-Feira Santa

  • Não se celebram sacramentos, exceto penitência e unção dos enfermos.
  • A sagrada comunhão só é distribuída durante a celebração da Paixão, podendo ser levada aos doentes a qualquer momento.
  • O altar permanece completamente despojado, sem cruz, castiçais ou toalhas.
  • A celebração da Paixão acontece por volta das 15h, salvo por motivos pastorais.

Recomendações para o Dia

  • Participar da Liturgia das Horas (Ofício das Leituras, Laudes, Hora Média).
  • Realizar a Via-Sacra ou outras formas de meditação da Paixão.
  • Fazer lectio divina com os textos bíblicos e litúrgicos do dia.
  • Viver o dia em silêncio, interioridade e contemplação, centrado no mistério da cruz.

A Gloriosa Paixão: Reflexão para a Sexta-Feira Santa

A Sexta-Feira Santa é, para muitos, o dia do silêncio, da dor e da ausência. A cruz ocupa o centro da liturgia, o altar está nu, não há missa, o templo parece esvaziado de tudo — exceto do Mistério. E é nesse Mistério que somos convidados a mergulhar.

Mais do que um dia de luto, a Sexta-Feira da Paixão é a celebração de uma “Paixão Gloriosa”. Não negamos a dor, mas enxergamos além dela: vemos o Amor Maior, que se entrega até o fim, que ama até o extremo, que atravessa a morte para nos alcançar. “Ao fazer memória da bem-aventurada paixão do Senhor, a Igreja comemora o seu próprio nascimento do lado de Cristo na cruz.” (cf. PCFP, 58)

Nesse dia, a leitura da Paixão segundo João ressoa com profundidade. Jesus não é apenas vítima do ódio, mas o Servo Sofredor anunciado por Isaías, aquele que transforma o sofrimento em oferta, a cruz em altar, a morte em vida nova. A Igreja primitiva chamava esta data de “Páscoa da Cruz”. É o início da grande travessia, da passagem pascal que culminará na Ressurreição. Mas, antes da luz, vêm as trevas.

É preciso reconhecer: a Sexta-Feira Santa não diz respeito apenas ao passado. É o dia do pecado presente, do mal que ainda atua no mundo e dentro de nós. A morte de Jesus não foi apenas provocada por líderes religiosos e soldados romanos de dois mil anos atrás, mas também pelas pequenas traições que ainda cometemos contra o amor.

A liturgia nos confronta: de que lado teríamos ficado se estivéssemos em Jerusalém, naquele tempo? Essa pergunta não é retórica — é espiritual. Porque esse julgamento continua hoje, no nosso coração, nas nossas escolhas. Cada gesto da liturgia deste dia — o altar desnudo, a prostração silenciosa, o vermelho das vestes — comunica a sobriedade de um drama cósmico: o mundo rejeita a Vida, mas a Vida não desiste do mundo.

Ao longo da celebração, a vitória pascal já começa a brilhar. Ela é anunciada pelas figuras discretas que reconhecem Jesus: José de Arimateia, o bom ladrão, o centurião. A cada passo, o Cristo caminha para a cruz com liberdade e entrega. E, justamente ali, quando parece vencido, vence.

A cruz é adorada como trono, não como fracasso. É o sinal da nova aliança, do amor que não recua, do perdão que não desiste. Como escreve a Carta aos Hebreus, Ele é o Sumo Sacerdote que se compadece de nossa fraqueza e nos leva ao Pai com misericórdia.

Que nesta Sexta-Feira da Paixão, possamos silenciar e olhar para a cruz com reverência. Ali está o centro da nossa fé. Ali está o rosto do Amor. “E os túmulos foram abertos…” (Mt 27,52). Já desponta a aurora da Ressurreição.

Perfeito! Aqui está o texto ampliado, agora com mais elementos da teologia da cruz, reforçando a dimensão espiritual, redentora e paradoxal desse mistério central da fé cristã:


“Ele tomou sobre Si as nossas dores”
Reflexão inspirada em Is 52,13–53,12; Sl 30(31); Hb 4,14–16; 5,7–9; Jo 18,1–19,42

No silêncio solene da Paixão, somos conduzidos ao coração do mistério mais profundo da fé cristã: a Cruz. Ela, que aos olhos do mundo é sinal de derrota, humilhação e fracasso, torna-se — por obra de Deus — o trono da glória, o altar do sacrifício perfeito, a revelação mais luminosa do amor divino.

Isaías já anunciava o paradoxo da cruz ao descrever o Servo sofredor: “Ele não tinha aparência nem beleza… era desprezado, experimentado nos sofrimentos.” E, no entanto, “foi por nossas culpas que ele foi transpassado, por nossos pecados que foi esmagado.” A cruz não é um acidente no caminho de Jesus: é o próprio caminho da redenção. Ele não apenas morreu por nós, mas morreu em nosso lugar, assumindo a condição mais abjeta da humanidade para nos elevar à dignidade de filhos de Deus.

O Salmo 30 ecoa esse mistério: “Em tuas mãos entrego o meu espírito.” Esta oração, proferida por Cristo na cruz, é o grito do abandono que se torna comunhão. É o momento em que a dor se abre à confiança. O Filho se entrega nas mãos do Pai e, assim, revela que mesmo no sofrimento extremo, Deus não nos abandona. Ele está presente, solidário, até nas trevas da morte.

A carta aos Hebreus amplia essa compreensão, apresentando Cristo como o Sumo Sacerdote que “não é incapaz de se compadecer de nossas fraquezas.” Ele conhece a dor, o medo, o suor do sofrimento. O autor sagrado afirma que Jesus “aprendeu a obediência por aquilo que sofreu” — uma afirmação teologicamente profunda. Cristo, embora sendo Deus, experimentou a totalidade da condição humana, inclusive a provação, a lágrima e a cruz. E foi precisamente por esse caminho de entrega radical que Ele “se tornou causa de salvação eterna” para todos os que o seguem.

No Evangelho de João, contemplamos o Senhor da glória esvaziado, preso, açoitado e crucificado. Mas é ali, na cruz, que Ele reina. O madeiro, instrumento de suplício, transforma-se no novo Templo, onde Deus e a humanidade se reconciliam. “Está consumado” não é o grito de um derrotado, mas a proclamação de uma missão cumprida. A cruz não é o fim. É o cumprimento da promessa.

A teologia da cruz nos convida a ver com os olhos da fé o que o mundo não enxerga: que é no fracasso aparente que se revela a força de Deus; que é na fraqueza que se manifesta o poder da graça; que é na entrega que se revela a verdadeira vitória. Lutero dizia que o cristão é chamado a ser theologus crucis, teólogo da cruz — aquele que crê que Deus se revela, não na glória mundana, mas na humilhação redentora do Crucificado.

Para São João da Cruz, a teologia da cruz é, antes de tudo, um caminho de purificação interior que conduz a alma à união plena com Deus. É um processo em que tudo aquilo que não é Deus — inclusive os próprios sentimentos religiosos e consolações espirituais — deve ser deixado de lado. Trata-se de uma renúncia profunda, que não busca recompensas ou emoções, mas apenas a Deus por Ele mesmo. Nesse percurso, o cristão é chamado a imitar o Cristo crucificado, aquele que amou até o fim, entregando-se totalmente, mesmo na dor. Embora esse caminho seja marcado pelo sofrimento e pela escuridão da fé, ele é necessário, pois é justamente por meio dessa entrega dolorosa que a alma encontra a verdadeira liberdade espiritual e se torna capaz de amar com pureza e verdade.

O mistério da Sexta-feira Santa é este: a Cruz é o lugar onde Deus se doa por inteiro. É o altar onde o Cordeiro é imolado e o véu do Templo se rasga. É o sinal de que nenhum sofrimento é inútil quando unido ao amor redentor de Cristo.

Hoje, ao contemplarmos o Cristo crucificado, não apenas sentimos compaixão — somos chamados à conversão. Somos convidados a carregar também a nossa cruz, certos de que ela, unida à d’Ele, se tornará caminho de vida nova.

Porque na cruz, aquilo que parecia fim, tornou-se começo.
E aquilo que era morte, tornou-se a maior prova de amor.

O que a teologia da cruz nos diz hoje?

Essa é uma pergunta profunda — e muito necessária. A teologia da cruz não é apenas uma doutrina para estudar; ela é um modo de enxergar a vida, de interpretar a dor, de compreender a presença de Deus nas realidades mais difíceis. Ela fala ao coração humano em todas as épocas, especialmente nas nossas. Num mundo que valoriza o sucesso imediato, a aparência, o conforto e a performance, a cruz nos lembra que há um outro caminho: o do amor que se doa, do silêncio que sustenta, da esperança que resiste mesmo na dor.

A teologia da cruz nos ensina que Deus não se revela apenas na vitória, mas — e talvez principalmente — no sofrimento, na fragilidade, naquilo que o mundo despreza. Cristo crucificado é o sinal mais escandaloso de um Deus que escolheu se fazer fraco por amor. E isso muda tudo.

Diante do sofrimento, ela nos diz: você não está só. Deus está com você no hospital, na solidão, no luto, na ansiedade, na dúvida, na crise. Ele não observa de longe; Ele entra na dor, participa dela, carrega-a conosco. A cruz nos garante que até o sofrimento pode ser lugar de encontro com Deus, se vivido em comunhão com Cristo.

Nas frustrações da vida — quando os sonhos se desmancham, quando os caminhos se fecham — a teologia da cruz nos convida a confiar. Porque nem sempre a ausência de respostas é ausência de sentido. Às vezes, é o modo de Deus nos conduzir por um caminho que não compreendemos, mas que Ele já conhece.

Quando enfrentamos humilhações, perdas, injustiças, a cruz nos diz que não precisamos vencer o mundo segundo os critérios do mundo. O Crucificado foi considerado fracassado, e ainda assim, ali, na sua entrega, estava a nossa salvação. Isso nos desafia a rever nossas prioridades, a buscar não o aplauso, mas a fidelidade.

Para quem ama e não é correspondido, para quem serve e não é reconhecido, para quem perdoa e é ferido novamente, a cruz é consolo e luz. Ela nos mostra que o amor verdadeiro não se mede por retorno, mas pela fidelidade àquilo que Deus nos chama a ser: reflexos do seu Filho.

Por fim, a teologia da cruz nos ajuda a enxergar com os olhos da fé aquilo que o mundo não vê: que a glória passa pela humildade, que a ressurreição passa pela cruz, que a vida plena nasce da entrega. É um convite a seguir Jesus não só nos milagres, mas também no Calvário — certos de que quem caminha com Ele, mesmo pela dor, nunca caminha em vão.

SUGESTÕES PARA OS CANTOS DA CELEBRAÇÃO

É importante recordar que, embora as músicas estejam disponibilizadas com acompanhamento instrumental completo — com o objetivo de facilitar o aprendizado e favorecer a beleza melódica —, o Sagrado Tríduo Pascal requer uma preparação cuidadosa e reverente. De modo especial na Celebração da Paixão do Senhor, nesta Sexta-feira Santa, reforça-se a mesma orientação: o canto do povo, dos ministros e do sacerdote que preside possui uma importância singular, pois é através do canto que os textos litúrgicos revelam toda a sua força espiritual e expressiva.

Por isso, de acordo com as normas litúrgicas, o uso do órgão e de outros instrumentos musicais deve restringir-se apenas ao sustento do canto, evitando qualquer caráter festivo ou ornamental, em respeito à sobriedade do momento.

A celebração tem início no mais profundo silêncio. O presbítero e o diácono, revestidos de vermelho — como na Missa —, aproximam-se do altar em silêncio, fazem-lhe reverência e, em seguida, prostram-se ou se ajoelham por alguns instantes. Toda a assembleia também se ajoelha em recolhimento. Após esse momento de silêncio orante, o presbítero, acompanhado dos ministros, dirige-se à cadeira e, voltado para o povo, profere a oração.

O primeiro canto da celebração acontece somente durante a Liturgia da Palavra, no momento do Salmo Responsorial.

Pai, em tuas mãos (Sl. 30) – Coral Palestrina

Comp. José Acácio Santana e Frei Fontanella

Tom: C

QUINTA-FEIRA SANTA: O AMOR COMEÇA AQUI

A Missa da Ceia do Senhor, celebrada na Quinta-feira Santa ao entardecer, dá início ao Tríduo Pascal. É o primeiro passo da caminhada com Jesus em sua paixão, morte e ressurreição. Essa celebração não é apenas memória de um fato passado, mas a atualização viva do gesto de amor mais profundo: a entrega total de Jesus por nós.

Logo no início da liturgia, a antífona já aponta para o mistério que celebramos: “A cruz de nosso Senhor Jesus Cristo deve ser a nossa glória; nele está nossa vida e ressurreição; foi ele que nos salvou e libertou.”

A Ceia não é um rito isolado. É parte de uma história de salvação que começa com o povo hebreu, na noite da libertação do Egito. “É a Páscoa, a passagem do Senhor!” (Ex 12,11).

O cordeiro imolado, o sangue nos umbrais das portas, a refeição partilhada às pressas: tudo isso anuncia o verdadeiro Cordeiro, Jesus, que entrega seu corpo e derrama seu sangue como sinal de uma nova aliança. “Isto é o meu corpo dado por vós… este cálice é a nova aliança em meu sangue.” (1Cor 11,24-25)

Mas a Ceia não para no altar. Durante o jantar, Jesus levanta-se, tira o manto, pega uma toalha, se abaixa e começa a lavar os pés dos discípulos. Um gesto escandaloso. Um amor que se ajoelha. “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros.” (Jo 13,14)

Na Quinta-feira Santa, celebramos o coração da fé cristã: um Deus que se faz pão, que se faz serviço, que se doa por inteiro. Participar desta Eucaristia é assumir o compromisso de viver como Ele viveu, amar como Ele amou e servir como Ele serviu. Não é apenas uma missa bonita. É um chamado. “Fazei isto em memória de mim.” (1Cor 11,24)

Celebrar a Ceia do Senhor é dizer com a vida: estamos dispostos a continuar o caminho do amor até o fim.

Páscoa: O Sacrifício e a Renovação da Aliança

A Páscoa é um momento de profunda reflexão sobre o sacrifício, a renovação da aliança e a presença divina em nossas vidas. Ao longo das Escrituras, somos convidados a vivenciar a Páscoa não apenas como um evento histórico, mas como uma experiência de transformação pessoal e espiritual.

No Êxodo 12,1-8.11-14, vemos o povo de Israel, em meio à opressão no Egito, ser orientado a celebrar a Páscoa com um sacrifício de cordeiro e a marca de seu sangue nas portas como sinal de salvação. Esta primeira Páscoa é um marco da libertação divina, simbolizando a passagem da escravidão para a liberdade, do sofrimento para a esperança. Ela nos convida a refletir sobre o sacrifício que Deus fez em favor de Seu povo e nos recorda da importância de viver na fidelidade à Sua Palavra.

O Salmo 115,12-13.15-16bc.17-18 ecoa esse sentimento de gratidão e confiança em Deus, que libertou e guiou Seu povo. Ele nos lembra de que, ao recebermos as bênçãos divinas, devemos responder com ação de graças e compromisso com a Aliança. “Como retribuirei ao Senhor por tudo o que Ele me fez?” (Sl 115,12). A resposta a essa pergunta é encontrada no amor e no serviço a Deus e ao próximo, que se manifestam, especialmente, na participação na Ceia do Senhor.

Na Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios 11,23-26, a Eucaristia é revelada como o memorial do sacrifício de Cristo, que, ao instituir a Ceia, transforma o pão e o vinho em Seu Corpo e Sangue. Paulo nos ensina que, ao partilhar deste mistério, renovamos a nossa aliança com Cristo e proclamamos Sua morte e ressurreição até que Ele venha. A Eucaristia, assim, não é apenas um ato de recordação, mas uma vivência profunda da presença de Cristo em nossa vida.

Finalmente, no Evangelho de João 13,1-15, somos chamados a imitar o gesto de humildade e serviço de Jesus, que, ao lavar os pés dos Seus discípulos, nos ensina o verdadeiro caminho do amor. Ele, que é Senhor e Mestre, se faz servo, mostrando que, para viver a Páscoa em plenitude, devemos abraçar o serviço e o amor ao próximo. A humildade e a pureza de coração são essenciais para participar da Páscoa de Cristo, pois é somente através delas que podemos experimentar a verdadeira liberdade e salvação.

O que significa este gesto de Jesus de lavar os pés dos discípulos?

A Páscoa, portanto, não é apenas um rito de lembrança, mas uma vivência de fé, uma renovação da aliança com Deus, e um convite para que, como Cristo, possamos nos doar em amor e serviço ao próximo. Que, ao celebrarmos este tempo sagrado, possamos experimentar, em nossas vidas, a verdadeira libertação e a paz que Cristo nos oferece, nos chamando a viver uma vida de amor e serviço.

No contexto do judaísmo, o gesto de Jesus lavar os pés dos discípulos, conforme descrito no Evangelho de João 13,1-15, é carregado de um profundo simbolismo e se destaca como um ato radical de humildade e serviço. Para entender o significado desse gesto no judaísmo, é importante considerar algumas práticas e tradições culturais da época.

  1. A Tradição Judaica de Lavar os Pés: No judaísmo do tempo de Jesus, lavar os pés era uma prática comum de hospitalidade. Ao receber um convidado em sua casa, o anfitrião ou um servo lavava os pés do visitante, pois as pessoas se deslocavam usando sandálias em estradas poeirentas. Esse gesto era um sinal de acolhimento e respeito. No entanto, a prática de lavar os pés era vista como uma tarefa reservada aos servos ou escravos, uma vez que era uma função humilde e muitas vezes considerada de baixo status.
  2. A Inversão dos Papéis Sociais: Quando Jesus, como Mestre e Senhor, assume a função de servo ao lavar os pés dos discípulos, Ele desafia diretamente as normas sociais e culturais da época. Ao fazer isso, Jesus inverte a expectativa comum de hierarquia, mostrando que, no Reino de Deus, a verdadeira grandeza se encontra no serviço humilde ao próximo. Essa ação vai contra o entendimento de liderança baseado em poder e status, propondo um modelo de liderança servidora.
  3. O Significado Espiritual: O gesto de lavar os pés também carrega um significado espiritual profundo. Para os discípulos, o ato de Jesus era uma forma de purificação, já que, no contexto religioso judaico, a lavagem era associada à purificação ritual. Embora Jesus não estivesse realizando uma purificação formal, Ele estava simbolicamente limpando os discípulos de sua sujeira espiritual e convidando-os a seguir o Seu exemplo de humildade e serviço.
  4. A Tora e a Humildade: Na tradição judaica, a humildade é uma virtude essencial. Os sábios judaicos ensinavam que a verdadeira grandeza estava na capacidade de servir aos outros com um coração humilde. Ao realizar esse gesto, Jesus se alinha com essa virtude de humildade e serviço, que é central na moral judaica, como exemplificado nos ensinamentos dos profetas e dos mestres da Tora.
  5. A Preparação para a Morte: Além disso, esse gesto de lavar os pés pode ser interpretado como uma preparação simbólica para o sacrifício de Jesus na cruz. Ao servir os discípulos dessa maneira, Ele os prepara para entender o tipo de Messias que Ele é: não um líder militar ou político, mas um Servo Sofredor, disposto a dar Sua vida em favor da humanidade.

Portanto, para o judaísmo, o gesto de Jesus de lavar os pés dos discípulos subverte as normas sociais e religiosas de sua época, chamando todos a praticar uma liderança fundamentada na humildade, no serviço e no amor ao próximo, valores que são centrais na tradição judaica. Além disso, é uma lição sobre a necessidade de purificação interior e um lembrete de que a verdadeira grandeza diante de Deus é medida pela disposição de servir e se humilhar em amor.

Para nós cristãos, o gesto de Jesus de lavar os pés dos discípulos possui uma riqueza de significados que vão além da prática de hospitalidade ou do simples ato de humildade. Esse gesto carrega profundas implicações para a compreensão da natureza de Deus, do Reino de Deus e do chamado dos discípulos para seguir o exemplo de Cristo. Vamos explorar os principais significados teológicos desse ato.

1. O Mistério da Humildade Divina

No gesto de lavar os pés, Jesus, que é o Filho de Deus, revela a profundidade da humildade divina. Ele, sendo Senhor e Mestre, não se impõe sobre os discípulos, mas escolhe servir a eles de maneira concreta e visível. Este gesto nos aponta para a natureza paradoxal de Deus, que é completamente transcendente e, ao mesmo tempo, completamente acessível e servo. A humildade de Jesus é uma característica essencial de Sua divindade. Ele, sendo Deus, não se afasta da humanidade, mas entra nela de maneira radical, demonstrando que o serviço e a doação são centrais para Sua missão redentora.

Esse ato de humildade reflete a “kenosis“, o “despojamento” de Cristo, descrito por Paulo em Filipenses 2,6-8. Ao se esvaziar de Sua glória e se tornar servo, Jesus nos revela que a verdadeira grandeza no Reino de Deus não está em poder ou prestígio, mas em um amor que se faz pequeno e se coloca a serviço dos outros. Jesus, ao lavar os pés, não apenas ensina, mas também revela a essência de Sua identidade como o Servo Sofredor, aquele que está disposto a ir até as últimas consequências por amor.

2. Purificação Espiritual

Este ato de lavar os pés também tem um forte componente de purificação. No contexto bíblico, a lavagem dos pés é associada à purificação, especialmente em rituais de preparação para encontros com Deus ou com momentos sagrados. Quando Jesus lava os pés de Seus discípulos, Ele não está apenas realizando um gesto simbólico de limpeza física, mas está apontando para a purificação interior necessária para uma verdadeira comunhão com Ele. Em João 13,10-11, Jesus explica que aquele que já se purificou precisa apenas lavar os pés, indicando que a lavagem é um reflexo da necessidade de purificação constante na vida espiritual. Este gesto antecipa a purificação final que seria realizada por meio da Sua morte na cruz, que oferece perdão e reconciliação com Deus.

3. O Amor Incondicional e Sacrificial

Ao lavar os pés dos discípulos, Jesus demonstra um amor incondicional e sacrificial, o qual se estende até mesmo àqueles que O traem (Judas) e aos que O abandonam (os discípulos, mais tarde). Esse gesto é uma antecipação do Seu maior ato de amor, a Sua morte na cruz, onde Ele se entregará completamente por toda a humanidade. O ato de lavar os pés dos discípulos não é apenas um exemplo de humildade, mas um sinal visível de Seu amor sacrificial, que se entrega totalmente para a salvação dos outros.

Jesus está mostrando que a verdadeira manifestação do amor de Deus no mundo não é algo grandioso ou grandemente exaltado, mas algo que se manifesta em serviço, sacrifício e doação. O amor de Cristo é aquele que se faz pequeno, que se abaixa, que se humilha por amor ao próximo.

4. Exemplo de Serviço e Liderança no Reino de Deus

Jesus, com este gesto, também redefine o conceito de liderança no Reino de Deus. O mundo tende a ver a liderança como algo que envolve poder, controle e domínio. No entanto, no Reino de Deus, a verdadeira liderança é caracterizada pelo serviço e pela capacidade de servir aos outros. Jesus não exige ser servido, mas escolhe servir, e Ele chama Seus discípulos a seguir esse exemplo.

Em João 13,14-15, Ele instrui os discípulos: “Se eu, o Senhor e Mestre, lavei os pés de vocês, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Pois eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como eu fiz.” Este é um mandamento de serviço mútuo, um convite para que os discípulos se tornem servos uns dos outros, assim como Cristo fez. A liderança cristã não é uma posição de poder ou honra, mas um chamado a servir aos outros com humildade e amor.

5. A Nova Comunhão com Cristo

Teologicamente, o gesto de lavar os pés também pode ser visto como um símbolo da nova comunhão que Jesus estabelece com os Seus seguidores. Ao lavar os pés dos discípulos, Ele não só está purificando-os, mas também os preparando para participar plenamente da Sua vida e missão. O serviço de Jesus vai além do ato físico de lavar os pés; Ele está criando uma nova comunidade fundamentada no serviço mútuo, onde os discípulos são chamados a viver em união e a praticar o amor sacrificial uns com os outros. Essa nova comunhão, fundada na imitação do amor e serviço de Cristo, será a base da Igreja que Ele está estabelecendo.

6. A Preparação para a Morte Redentora

Por fim, o gesto de lavar os pés é uma preparação para o sacrifício de Jesus na cruz. Ele sabe que Sua hora está chegando e usa esse momento para ensinar aos discípulos sobre a verdadeira natureza do Seu sacrifício. A cruz, como o lavatório, será o lugar onde Ele purificará e redimirá a humanidade, mas o gesto de lavar os pés já antecipa o significado profundo do que Ele fará. Assim, esse ato de serviço se torna uma preparação teológica para o ato supremo de amor de Cristo: Sua morte sacrificial, por meio da qual Ele oferece a purificação definitiva para todos os que creem Nele.

Assim, neste gesto, Jesus revela a humildade divina, a purificação necessária para uma vida em Cristo, o amor sacrificial que se entrega sem limites, e redefine a liderança como serviço. Ele também prepara os discípulos para o maior ato de amor, que será a Sua morte na cruz, e estabelece a base para uma nova comunidade de fé, caracterizada pelo amor e serviço mútuo. Em última análise, o gesto de lavar os pés é uma convocação para que todos os discípulos de Cristo sigam Seu exemplo e vivam uma vida de serviço, humildade e amor incondicional.

Memória da Ceia do Senhor: Início do Tríduo Pascal

Na noite em que foi entregue, Jesus celebrou a Ceia com seus discípulos. A comunidade cristã, ao se reunir nesta celebração, faz memória viva do que Ele fez e nos mandou fazer: tomar o pão, dar graças, partir e repartir. Este gesto simples e profundo inaugura o Tríduo Pascal, o coração do ano litúrgico.

Nesta celebração, é essencial preservar a estrutura da Ceia. Nos lugares onde for possível, utilizar-se do pão no lugar da hóstia, preparado especialmente para esta Missa, e não retirado do sacrário, que deve estar vazio desde o início da liturgia. A comunhão é realizada sob as duas espécies, pão e vinho, e a assembleia é convidada a se reunir em torno da mesa do altar, como sinal de unidade e partilha.

A adoração ao Santíssimo Sacramento, que se segue à celebração, ocorre em uma capela à parte, em clima de silêncio e sobriedade. Após a meia-noite, não se faz mais solenidade. Nunca se expõe o Santíssimo em ostensório, nem se deixa o sacrário ou o cibório abertos.

Os cantos que acompanham esta liturgia são próprios: a antífona de entrada, o Glória, as aclamações da oração eucarística e o canto de comunhão. As leituras também são específicas para este momento: o relato da Ceia Pascal do Êxodo, o testemunho mais antigo da Eucaristia presente na segunda leitura, e o Evangelho do Lava-pés, gesto que é repetido na celebração como sinal de serviço e amor fraterno. A cor litúrgica do dia é o branco, símbolo de festa e luz.

Ao final da celebração, o altar principal é desnudado e as imagens e cruzes são cobertas, caso ainda não tenham sido veladas no sábado anterior ao 5º Domingo da Quaresma. As imagens permanecem cobertas até a Vigília Pascal, enquanto a cruz permanece velada até a celebração da Sexta-feira Santa.

Do ponto de vista teológico e litúrgico, esta Ceia marca o início do êxodo pascal de Jesus. Nela, Ele reúne o sentido de toda a sua vida e missão, antecipando o mistério de sua entrega por amor. Celebra-se a Páscoa judaica, memória do êxodo, mas agora Ele mesmo se apresenta como o cordeiro da nova aliança: “Este é o meu corpo… este é o meu sangue”.

Espiritualmente, ao repetir os gestos de Jesus naquela noite, deixamo-nos conduzir pelo mesmo Espírito que o animou. Somos convidados a dedicar nossa vida a uma causa maior, assim como Ele fez. A Eucaristia nos impulsiona à gratidão, a ver o bem mesmo nas dificuldades, e a fazer da própria vida uma entrega total, corpo e sangue, por amor.

Sugestões dos cantos para este dia

Embora as músicas estejam gravadas com o acompanhamento completo de instrumentos, com o objetivo de facilitar o aprendizado e favorecer a adesão melódica, lembramos que o Sagrado Tríduo Pascal exige uma preparação cuidadosa. O uso dos instrumentos deve ser feito com discernimento, respeitando o espírito litúrgico próprio de cada celebração.

Diz o missal romano: Para uma boa celebração do Tríduo sagrado requer-se um número adequado de ministros leigos que devem ter sido cuidadosamente instruídos sobre o que lhes compete fazer.
O canto do povo, dos ministros e do sacerdote que preside, tem peculiar importância nas celebrações destes dias, pois os textos recebem toda a força que lhes é própria, sobretudo quando são cantados.

Orientação do Missal Romano para a Missa Vespertina da Missa da Ceia do Senhor: Durante o hino, tocam-se os sinos, que depois permanecerão silenciosos até o Glória da Vigília pascal, a não ser que o Bispo diocesano determine outra coisa. No mesmo período, o órgão e os outros instrumentos musicais podem ser utilizados somente para sustentar o canto.

Canto de entrada (1ª sugestão): Quanto a nós devemos gloriar-nos
Link: https://www.youtube.com/watch?v=gfPi1qOg0pM&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=3

Canto de entrada (2ª sugestão): Ninguém Pode se Orgulhar (Abertura)
Link: https://www.youtube.com/watch?v=8wHCH2v7a7g&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=2

Glória
Link: https://www.youtube.com/watch?v=ORXy8k0P_Po&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=3

Salmo responsorial:
Link: https://www.youtube.com/watch?v=YG_XP7nD5jI&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=4

Aclamação ao Evangelho:
Link: https://www.youtube.com/watch?v=p3so-f2_5XU&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=5

Lava-pés (1ª opção):
Link: https://www.youtube.com/watch?v=p3so-f2_5XU&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=5

Lava-pés (2ª opção)
Link: https://www.youtube.com/watch?v=XHf3LQjonI8&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=7

Apresentação das oferendas:
Link: https://www.youtube.com/watch?v=2CR4PYMyasQ&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=8

Comunhão (1ª opção):
Link: https://www.youtube.com/watch?v=8PzOzuhfEUA&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=9

Comunhão (2ª opção)
Link: https://www.youtube.com/watch?v=4tq6fCC0FJ8&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=10

Canto da Transladação do Santíssimo Sacramento:
Link: https://www.youtube.com/watch?v=MsF8cdUK8m4&list=RDMsF8cdUK8m4&start_radio=1&rv=MsF8cdUK8m4

Orientações sobre a transladação (missal romano):

Transladação do Santíssimo Sacramento

Se na mesma igreja não houver a celebração da Paixão do Senhor na sexta-feira seguinte, a Missa se conclui como de costume e o Santíssimo Sacramento é colocado no tabernáculo.

Terminada a oração depois da comunhão, o sacerdote, de pé, põe e abençoa o incenso no turíbulo e, ajoelhado, incensa três vezes o Santíssimo Sacramento. Recebe o véu umeral de cor branca, levanta-se, toma o cibório e o cobre com as extremidades do véu.

Forma-se a procissão da transladação do Santíssimo Sacramento, com tochas e incenso, pela igreja ao lugar da reposição, preparado em alguma parte da igreja ou numa capela convenientemente ornada. À frente vai um ministro leigo com a cruz entre dois outros com castiçais acesos; seguem-se outros levando velas acesas; diante do sacerdote que leva o Santíssimo Sacramento vai o turiferário com o turíbulo fumegante. Durante a procissão canta-se o hino Vamos todos louvar juntos (exceto as duas últimas estrofes) ou outro canto eucarístico.

Vamos todos louvar juntos
o mistério do amor,
pois o preço deste mundo
foi o sangue redentor,
recebido de Maria,
que nos deu o Salvador.

Veio ao mundo por Maria,
foi por nós que ele nasceu.
Ensinou sua doutrina,
com os homens conviveu.
No final de sua vida,
um presente ele nos deu.

Observando a Lei mosaica,
se reuniu com os irmãos.
Era noite. Despedida.
Numa ceia: refeição.
Deu-se aos doze em alimento,
pelas suas próprias mãos.

A Palavra do Deus vivo
transformou o vinho e o pão
no seu sangue e no seu corpo
para a nossa salvação.
O milagre nós não vemos,
basta a fé no coração.

Quando a procissão chega ao local da reposição, o sacerdote, se necessário, com a ajuda do diácono, deposita o cibório no tabernáculo, cuja porta fica aberta. Em seguida coloca incenso no turíbulo e, ajoelhado, incensa o Santíssimo Sacramento enquanto se canta Tão sublime sacramento ou outro canto eucarístico. Depois o diácono ou o próprio sacerdote fecha o tabernáculo.

Tão sublime sacramento
adoremos neste altar,
pois o Antigo Testamento
deu ao Novo seu lugar,
Venha a fé por suplemento
os sentidos completar.

Ao Eterno Pai cantemos
e a Jesus, o Salvador.
Ao Espírito exaltemos,
na Trindade eterno amor.
Ao Deus Uno e Trino demos
a alegria do louvor.

Após algum tempo de adoração silenciosa, o sacerdote e os ministros fazem genuflexão e voltam à sacristia.

Em tempo oportuno retiram-se as toalhas do altar e, se possível, as cruzes da igreja. Convém velar as cruzes que não possam ser retiradas.

Os que participam da Missa vespertina não celebram as vésperas.

Os fiéis sejam exortados a adorarem diante do Santíssimo Sacramento, durante algum tempo da noite, segundo a situação e as circunstâncias do lugar. Contudo, após a meia-noite esta adoração seja feita sem nenhuma solenidade.

COMO CONTAMOS OS DIAS DO TRÍDUO PASCAL?

O Tríduo Pascal é o centro do ano litúrgico cristão, especialmente para os católicos. Nele, celebramos os três momentos mais importantes da fé: a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Mas os dias do Tríduo não são contados como os dias comuns do nosso calendário. Eles seguem uma lógica litúrgica e bíblica, baseada na tradição judaica, onde o dia começa ao pôr do sol e não à meia-noite, como fazemos hoje.

A Contagem Litúrgica dos Dias

A Bíblia nos mostra esse modo de contar o tempo já na criação do mundo:

“Houve uma tarde e uma manhã: o primeiro dia.”
(Gênesis 1,5)

Por isso, festas importantes como o Natal (que começa na noite do dia 24) e a Páscoa (que começa com a Vigília Pascal) seguem essa lógica. O mesmo vale para o Tríduo Pascal.

Uma Correção Histórica

Durante a Idade Média, o Tríduo sofreu distorções. A celebração do domingo da Ressurreição deixou de ser vista como parte dele, e o sábado passou a ser chamado de “sábado de aleluia”, perdendo o sentido do “sábado da sepultura”. Para corrigir isso, o Papa Pio XII, motivado pelo movimento de renovação litúrgica, fez importantes reformas:

  • 1951: Reforma da Vigília Pascal
  • 1955: Reforma da Semana Santa

Essas reformas restabeleceram a contagem original do Tríduo: sexta-feira da Paixão, sábado da sepultura e domingo da Ressurreição, com início solene na noite da Quinta-feira Santa. Assim, a Quinta-feira ainda pertence à Quaresma e prepara a entrada no mistério pascal.

Entre outras coisas estabeleceu a hora da missa vespertina da ceia do Senhor [não antes das 17 horas] bem como a hora da vigília, de preferência depois da meia noite de sábado para o domingo. Com isto se restabelecia os dias do tríduo pascal.

O Tríduo Dia a Dia

O Tríduo começa na noite da Quinta-feira Santa, com a Missa da Ceia do Senhor, que recorda a Última Ceia, a instituição da Eucaristia e do sacerdócio. Após a missa, o Santíssimo é levado para um lugar de adoração. O altar é desnudado. E vivemos a “vigília com Jesus”, acompanhando espiritualmente sua entrega até a cruz.

Na sexta-feira, às 15h, celebramos a Paixão do Senhor, com a leitura da Paixão; Adoração da Cruz; e a Comunhão eucarística. Esse é um dia de jejum e abstinência, marcado pelo silêncio e recolhimento.

É um dia de silêncio, oração e espera. A Igreja permanece junto ao sepulcro de Jesus, contemplando sua morte e aguardando a ressurreição. Neste dia, não se celebra Missa. O altar permanece desnudado. Só se distribui a Comunhão como viático (para os enfermos).

É um dia ideal para a oração pessoal e a Liturgia das Horas. A oração comunitária deve ser intensificada, especialmente com o uso da Liturgia das Horas e/ou a sua versão inculturada, o Ofício Divino das Comunidades. A insistência é que se celebre com o povo o Ofício de Leituras na madrugadinha e a Oração da manhã  [ou ofício da manhã e do meio dia].  Tais ofícios celebrados na igreja despojada [não na capela da reposição] oferecem um ambiente contemplativo de vigilância, como as mulheres portadoras dos perfumes [miróforas] à espera da madrugada.

A Vigília, considerada a “mãe de todas as Vigílias”, tem quatro partes:

  1. Celebração da Luz: bênção do fogo novo e proclamação da Páscoa.
  2. Liturgia da Palavra: narração das grandes obras de Deus.
  3. Liturgia Batismal: batismo dos catecúmenos e renovação das promessas batismais.
  4. Liturgia Eucarística: celebração da ressurreição com a comunhão.

Mesmo que seja celebrada antes da meia-noite, esta missa já é liturgicamente o Domingo da Páscoa, a maior festa da fé cristã. O mistério da ressurreição celebrado nessa noite se estende ao Domingo de Páscoa e continua por cinquenta dias até Pentecostes.

Por Que a Igreja Conta os Dias Assim?

Esse modo de contar os dias – de pôr do sol a pôr do sol – vem da tradição judaica, que também influenciou Jesus e os primeiros cristãos. A Páscoa cristã tem suas raízes na Páscoa judaica, que celebra a libertação do povo de Israel. Para os cristãos, essa libertação se cumpre plenamente na morte e ressurreição de Cristo.

A Igreja manteve essa tradição para destacar que:

  • O mistério pascal transcende o tempo.
  • Cada “dia” do Tríduo é uma etapa na vitória de Cristo sobre o pecado e a morte.
  • O movimento das trevas para a luz, da morte para a vida, é central para nossa fé.

E o Concílio Vaticano II? O Concílio Vaticano II (1962-1965) não alterou a forma de contar os dias do Tríduo, mas ajudou a redescobrir seu sentido profundo. A reforma litúrgica enfatizou:

  • A participação ativa dos fiéis.
  • A clareza teológica das celebrações.
  • A adaptação pastoral às comunidades.

Ou seja, manteve-se a contagem tradicional, mas com uma renovada atenção ao significado espiritual e ao envolvimento da comunidade.

VIVER O TRÍDUO PASCAL

Independentemente da contagem dos dias litúrgicos, o mais importante é como vivemos o Tríduo Pascal no coração e na fé. Ele é o centro da vida cristã, um tempo sagrado para mergulhar no mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Aqui vão algumas formas de viver esse tempo com profundidade:

Com espírito de recolhimento e oração: durante esses dias, somos convidados a silenciar o coração, reduzir as distrações e criar espaço para contemplar o mistério da salvação. O jejum, o silêncio e a meditação ajudam a entrar no clima próprio do Tríduo.

Participar ativamente das celebrações: Cada celebração tem um sentido único:

  • Quinta-feira Santa: reviver a Última Ceia, a Eucaristia e o mandamento do amor.
  • Sexta-feira Santa: contemplar a cruz, fazer jejum e adorar o mistério da entrega total de Cristo.
  • Sábado Santo: viver a espera em oração, no silêncio do sepulcro.
  • Vigília Pascal: celebrar a vitória da luz sobre as trevas, da vida sobre a morte.
  • Domingo de Páscoa: celebrar com grande solenidade. Eis o dia que o Senhor fez para nós.

– Renovar a fé na Ressurreição: o Tríduo não termina na cruz, mas no túmulo vazio. É tempo de esperança renovada, de proclamar com alegria: “O Senhor ressuscitou verdadeiramente!” Somos convidados a deixar que a vida nova do Ressuscitado transforme o nosso modo de viver.

Viver o amor em gestos concretos: o mandamento de Jesus – “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” – deve guiar nosso Tríduo. Isso pode significar perdoar, reconciliar-se, servir alguém, ou simplesmente estar presente com compaixão.

Bom caminho nestas celebrações do tríduo pascal!

TRÍDUO PASCAL: CELEBRAÇÃO DA REDENÇÃO E DA VIDA NOVA EM CRISTO

Por Ir. Cidinha Batista, pddm

A celebração da Páscoa é o coração do ano litúrgico e a fonte que nutre a vida de fé da Igreja. No centro dessa experiência está o Tríduo Pascal — a paixão, morte e ressurreição de Jesus — que nos insere no mistério da redenção realizada por Cristo, que, ao morrer, venceu a morte, e ao ressuscitar, nos abriu as portas da vida nova.

O Tríduo Pascal é celebrado em três momentos interligados, formando uma única grande Páscoa: a Páscoa da Ceia, a Páscoa da Cruz e a Páscoa da Ressurreição.

Na Quinta-feira Santa, somos convidados a participar da Ceia do Senhor, sentando-nos à mesa com Jesus para celebrar a libertação de seu povo. É a noite do gesto do lava-pés, em que o Senhor nos ensina o mandamento do amor: “Amem-se uns aos outros como eu os amei” (Jo 13,34). A celebração eucarística desta noite, marcada por profunda comunhão, é seguida por um tempo de adoração, que, segundo as orientações da Igreja, não deve se estender além da meia-noite, preparando o coração e o corpo para a Vigília Pascal.

Na Sexta-feira Santa, a Igreja entra no silêncio da cruz. É a Páscoa do Crucificado. A liturgia deste dia expressa o luto, a indignação diante da injustiça e a solidariedade com os crucificados de nosso tempo. A comunidade se reúne para contemplar a Paixão do Senhor, rezar diante da cruz e renovar seu compromisso com a vida e com a dignidade humana.

A Vigília Pascal, celebrada na noite do Sábado Santo, é a mais importante de todas as vigílias da Igreja. É a celebração da vitória da vida sobre a morte, da ressurreição de Cristo, da realização plena do êxodo. À escuridão do túmulo sucede o anúncio glorioso da ressurreição: “Este é o meu Filho. A morte não o reteve, porque maior é o meu Amor”. É a celebração da libertação dos cristãos da escravidão do pecado e da morte, para participarem da glória dos filhos de Deus (Rm 8,21).

Nessa noite, os ritos litúrgicos — como a procissão luminosa com o Círio Pascal, a renovação das promessas batismais e a Eucaristia — tornam-se sinais vivos do novo êxodo do povo de Deus. A Igreja atravessa simbolicamente as águas do mal para renascer em Cristo, sendo alimentada pelo “novo maná” na travessia do deserto da vida.

A Vigília Pascal culmina no Domingo da Ressurreição e inaugura os cinquenta dias da festa pascal — tempo de alegria intensa, simbolizada pela cor branca, flores, cânticos de glória e aleluia. Durante todo o tempo pascal, o Círio permanece aceso nas celebrações dominicais como sinal da presença do Ressuscitado, e a aspersão da água pode substituir o ato penitencial, relembrando o batismo.

A última semana da Páscoa é dedicada à oração pela unidade dos cristãos. O Tempo Pascal se encerra com a Solenidade de Pentecostes, quando a Igreja celebra o dom do Espírito Santo, plenitude do Mistério Pascal de Cristo.

Feliz e abençoada Páscoa!

DOM ANGÉLICO SÂNDALO BERNARDINO, IJS: UMA VIDA PELO REINO

Com profunda tristeza, recebemos a notícia do falecimento de Dom Angélico Sândalo Bernardino, ocorrido na terça-feira, 15 de abril de 2025, às 18h23, na residência do Padre Antônio Leite Barbosa Júnior. A informação foi confirmada pela Diocese de Blumenau e recebida com grande pesar por todos nós. Estávamos unidos em oração por sua saúde, que havia piorado nas últimas horas. Agora, nos unimos em solidariedade aos seus familiares, amigos e fiéis que caminharam com ele ao longo de sua vida e missão episcopal. Que Deus o acolha em sua misericórdia infinita.

Dom Angélico exerceu seu episcopado com dedicação e firmeza na fé, deixando um legado significativo na história da Igreja no Brasil — como bispo auxiliar de São Paulo e como o primeiro bispo da Diocese de Blumenau, desde sua criação em 2000.

Trajetória de Vida e Ministério

Dom Angélico nasceu em Saltinho (SP), no dia 19 de janeiro de 1933, filho de Duílio Bernardino e Catarina Sândalo Bernardino. Foi batizado no dia 19 de março do mesmo ano, na Igreja do Coração de Jesus, por Frei Evaristo de Santa Úrsula, capuchinho.

Estudou Filosofia em São Paulo (bairro Ipiranga), Jornalismo em Ribeirão Preto e Teologia em Viamão (RS). Foi ordenado presbítero no dia 12 de julho de 1959, na Catedral de São Sebastião, em Ribeirão Preto, por Dom Luiz do Amaral Mousinho. Como sacerdote da Arquidiocese de Ribeirão Preto, desempenhou diversas funções: diretor de jornal, coordenador pastoral, assistente de movimentos eclesiais, cura da catedral e formador no seminário de Brodowski (SP).

Foi nomeado Bispo Auxiliar de São Paulo por São Paulo VI, em 12 de dezembro de 1974, sendo ordenado bispo em 25 de janeiro de 1975, na Catedral da Sé, por Dom Paulo Evaristo Arns. Escolheu como lema episcopal: “Deus é Amor”.

Entre 1975 e 1999, exerceu o episcopado na Arquidiocese de São Paulo, onde foi bispo nas regiões Belém, São Miguel Paulista e Brasilândia; presidiu o Regional Sul 1 da CNBB; atuou na Pastoral Operária; dirigiu o jornal “O São Paulo”; e integrou o Conselho Episcopal Pastoral da CNBB.

Em 19 de abril de 2000, foi nomeado pelo Papa São João Paulo II como o primeiro Bispo Diocesano de Blumenau (SC), tomando posse no dia 24 de junho. Participou do Sínodo da América (Vaticano) e das Conferências de Santo Domingo e Aparecida. Também foi responsável nacional pelo Setor Vocações e Ministérios da CNBB, presidente dos Regionais Sul 1 e Sul 4 e membro da Comissão dos Bispos Eméritos. Em 18 de fevereiro de 2009, teve sua renúncia aceita pelo Papa Bento XVI.

Em sua vida religiosa, ingressou no Instituto Paulino de Vida Secular Consagrada Jesus Sacerdote em 2011. Emitiu os votos perpétuos em 13 de agosto de 2016, após um percurso marcado por dispensas e renovações vocacionais especiais, com autorização da Pia Sociedade de São Paulo.

Velório e Sepultamento

O velório teve início na quarta-feira, 16 de abril, às 8h, na Paróquia Nossa Senhora Aparecida, Vila Zat, região da Brasilândia, em São Paulo. Às 15h, foi celebrada a Missa de corpo presente, presidida pelo Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo. Em seguida, o corpo foi trasladado para Blumenau (SC).

Na quinta-feira, 17 de abril, às 14h, foi celebrada a Santa Missa de exéquias na Catedral de Blumenau, seguida do sepultamento na cripta da Catedral, onde Dom Angélico exerceu seu ministério episcopal.

Palavra da CNBB

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio de sua presidência, manifestou profundo pesar pela partida de Dom Angélico:

“Com pesar recebemos a notícia do falecimento deste nosso irmão Dom Angélico Sândalo Bernardino, às portas do Tríduo Pascal. Elevamos a Deus nossa gratidão por sua dedicação e serviços prestados à Igreja e à CNBB. Que este momento litúrgico seja fonte de força e consolo para todos os que sentem sua partida. Acreditando na Ressurreição, desejamos que brilhe para ele a luz eterna.”

— Dom Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre (RS), Presidente da CNBB
— Dom João Justino de Medeiros Silva, Arcebispo de Goiânia (GO), 1º Vice-presidente
— Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa, Arcebispo de Olinda e Recife (PE), 2º Vice-presidente
— Dom Ricardo Hoepers, Bispo Auxiliar de Brasília (DF), Secretário-Geral da CNBB

“Dai-lhe, Senhor, o descanso eterno, e brilhe para ele a vossa luz. Que ele descanse em paz. Amém.”


DOM ANGÉLICO

por Dom Pedro Casaldáliga

Angélico, mas não angelical:
tem a sábia malicia que pede o evangelho.
Sândalo, flor que se cheira, “bonus odor Christi”.
Bernardino, será seguramente por causa de Jesus,
em cujo nome ele aposta a vida.

Paulista de Saltinho,
forjado em Ribeirão Preto,
barriga-verde, em Blumenau,
vermelho sempre o coração imenso.

Jornalista daqueles que sabem decifrar
sinais do Reino em todo acontecido.
Ele fez do “O São Paulo” uma voz militante
e ecumênica.

Tem sido um bom pastor, em pé de Povo,
e um bom profeta contra as ditaduras.
Auxiliar do time glorioso do
São Paulo do Paulo.

Coordenador de pastorais – famílias,
operários, vocações, companheiro dos padres tão queridos,
solidário dos bispos em aperto.
Põe ternura e paixão no ministério e
a pitada de sal nas cerimônias do cargo e da assembleia.
“Traço de união” entre tendências,
reza o seu lema, a maior verdade de todo o evangelho:
“Deus é Amor”.

Angélico, Irmão, muito obrigado por seres como és.
Continua a ser e a aprontar com essa angélica malicia…

Pedroca do Araguaia

do livro: Dom Angélico Sândalo Bernardino, Bispo Profeta dos Pobres e da Justiça (pg.31).

QUARTA-FEIRA DA SEMANA SANTA: O MISTÉRIO DA TRAIÇÃO E A FIDELIDADE DO AMOR

Nesta Quarta-feira da Semana Santa, a liturgia nos convida a mergulhar no coração do mistério da paixão de Cristo. As leituras de hoje traçam um poderoso paralelo entre o sofrimento do justo, a confiança em Deus diante da dor, e a traição vinda de quem está próximo.

1ª Leitura: Isaías 50,4-9a – O Servo Sofredor

No trecho do profeta Isaías, encontramos a figura do Servo Sofredor. Ele é aquele que, mesmo sendo perseguido, insultado e agredido, mantém-se firme na fidelidade a Deus. “Ofereci as costas aos que me batiam e o rosto aos que me arrancavam a barba…” – diz o texto. O Servo não se rebela, não foge. Ele permanece obediente porque confia que Deus é seu auxílio e sua justiça.

Essa imagem antecipa a figura de Jesus, que caminha para a cruz sem resistência, em entrega total ao plano do Pai.

Salmo 68 (69) – O clamor do justo perseguido

O salmista dá voz ao coração ferido do justo. Rejeitado pelos seus, zombado e desprezado, ele se volta a Deus em súplica: “Na tua grande misericórdia, escuta-me, Senhor”. Mesmo na dor, há esperança. Mesmo no abandono, o salmo é um ato de fé. Este lamento expressa a dor de tantos corações humanos que, como o de Cristo, conhecem a rejeição, a solidão e a injustiça.

Evangelho: Mateus 26,14-25 – A traição de Judas

Neste Evangelho, o drama da Paixão ganha um contorno mais sombrio: Judas Iscariotes, um dos Doze, entrega Jesus por trinta moedas de prata. Durante a última ceia, o próprio Jesus anuncia que será traído por alguém do seu convívio mais próximo. É um momento de profunda dor — não apenas pela violência que se aproxima, mas pela ferida da traição vinda de quem caminhou com Ele, ouviu Seus ensinamentos e partilhou da mesma mesa.

“Um de vós vai me trair” (Mt 26,21)

A Ceia, lugar de comunhão e amor, também se torna o palco da revelação. Judas, dominado por suas ambições, não trai Jesus de longe, mas de perto — sentado ao seu lado, partilhando o pão. Esse gesto revela a complexidade do coração humano e sua capacidade de se afastar do bem, mesmo estando tão próximo da verdade.

O Evangelho nos provoca a refletir: quantas vezes, por nossas escolhas e omissões, também traímos o amor de Cristo? Quantas vezes repetimos, como os discípulos: “Senhor, serei eu?”, sem perceber que nossas atitudes já são a resposta?

Mesmo diante da traição, Jesus não se afasta. Ele acolhe, permanece, oferece ao traidor a chance de arrependimento. Seu silêncio é amoroso e cheio de esperança, uma porta ainda aberta para a conversão. Neste tempo que antecede a Páscoa, somos convidados a olhar para dentro de nós. Rever nossos caminhos, purificar as intenções e nos aproximar do Senhor com sinceridade. Que em vez de sermos instrumentos da dor, sejamos sinais de fidelidade. Que, no lugar da dúvida, cultivemos a confiança. “O meu tempo está próximo” (Mt 26,18) — que também se aproxime o nosso tempo de voltar ao essencial e recomeçar com um coração renovado.

Uma reflexão para o nosso caminho

Essas leituras falam diretamente ao nosso coração e à nossa vida. Elas nos convidam a contemplar Jesus, o Servo fiel, que ama até o fim, mesmo diante da traição, do abandono e da violência. Sua resposta não é a fuga, mas a entrega.

Também somos convidados a olhar para dentro de nós:

  • Quantas vezes, como Judas, traímos o amor de Deus por nossos interesses?
  • Será que conseguimos ser fiéis como o Servo de Isaías, mesmo quando sofremos injustamente?
  • Em nossas dores e angústias, conseguimos manter a esperança e rezar com a confiança do salmista?

A Quarta-feira Santa nos prepara para o Tríduo Pascal. É um chamado à conversão sincera, à reflexão sobre nossas escolhas e à confiança em Deus que nunca nos abandona. O silêncio e a mansidão de Jesus não são sinal de fraqueza, mas de um amor mais forte que a morte.

POR QUE JESUS PERMANECE SERENO DIANTE DE TANTA DOR?

Essa é uma pergunta profunda — e essencial para compreendermos não só a paixão de Cristo, mas também o coração da teologia cristã. A serenidade de Jesus diante da dor não é simples resignação ou frieza emocional; é expressão de algo muito mais profundo: a união total da vontade de Jesus com a vontade do Pai.

Vamos explorar isso em alguns pontos teológicos centrais:

✝️ 1. A plena consciência e liberdade de Jesus

Na teologia cristã, especialmente à luz dos Evangelhos e da tradição, Jesus não é uma vítima inconsciente do sofrimento. Ele sabe o que vai acontecer e, mesmo assim, escolhe ir até o fim. “Ninguém tira a minha vida, mas eu a dou por mim mesmo.” (João 10,18)

A serenidade vem do fato de que Jesus age com liberdade total. Ele entrega a própria vida por amor. Seu sofrimento não é um fracasso, mas uma missão abraçada voluntariamente.

🙏 2. A obediência amorosa ao Pai

Em Filipenses 2,8, São Paulo diz que Jesus “humilhou-se, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz”. Aqui está o núcleo da teologia da cruz: Jesus confia plenamente no Pai, mesmo quando tudo parece desabar. Essa confiança gera serenidade.

A serenidade de Jesus nasce da certeza de que o amor do Pai é maior do que qualquer dor. Ele não entende o sofrimento como um fim em si mesmo, mas como parte do caminho de redenção.

💗 3. A solidariedade com o sofrimento humano

Jesus assume o sofrimento do mundo para redimir o ser humano desde dentro. Sua serenidade é também fruto de uma compaixão infinita: Ele carrega a dor de todos nós. É como se dissesse, em silêncio: “Não tenham medo da dor, eu estou aqui com vocês. Eu conheço a vossa cruz.” Ele sofre, mas não se desespera. Sofre, mas não perde o sentido. Sua serenidade é a de quem vê além da dor — vê a glória da ressurreição.

🕊️ 4. A certeza da vitória final

A fé de Jesus no Pai sustenta sua serenidade. Ele sabe que a cruz não é o fim, mas a passagem para a vida plena. A serenidade de Cristo nasce dessa certeza: o amor vencerá. O sofrimento tem um sentido porque está unido à esperança. “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.” (Lucas 23,46) É o grito sereno de quem se entrega por inteiro, sem medo.

🌿 A serenidade de Jesus diante da dor é possível porque:

  • Ele é plenamente livre e consciente;
  • Confia totalmente no amor do Pai;
  • Abraça o sofrimento como missão redentora;
  • Sabe que o amor vencerá, e a cruz se transformará em ressurreição.

A Serenidade de Jesus na Dor: Uma Escola para a Vida Pastoral

À medida que nos aproximamos do coração do mistério pascal, a figura de Jesus, sereno diante da traição, do abandono e da cruz, nos interpela profundamente. Como Ele pode permanecer calmo, sem revolta, sem desespero, mesmo cercado pela dor? Esta pergunta, mais do que teórica, é um chamado à contemplação e à formação interior daqueles que servem à Igreja.

Jesus vive cada instante de sua paixão em profunda comunhão com o Pai. Sua serenidade não vem da ausência de sofrimento, mas de uma certeza interior: “Meu Pai está comigo.”

Para quem atua na pastoral, essa verdade é essencial. O serviço ao Reino muitas vezes nos leva ao desgaste, à frustração e até à solidão. A serenidade de Jesus nos ensina que a paz verdadeira não depende das circunstâncias externas, mas de uma alma alicerçada na oração e na escuta da vontade de Deus.

Formação pastoral começa na intimidade com Deus. A serenidade de Cristo vem também da obediência amorosa. Ele abraça a cruz não por obrigação, mas por amor: amor ao Pai, amor à humanidade. Não se trata de resignação passiva, mas de uma entrega ativa, consciente e cheia de sentido.

Na vida pastoral, também carregamos muitas “cruzes”: incompreensões, limitações, críticas, fadiga. Quando essas cruzes são vividas como oferta de amor, elas não nos esmagam. Ao contrário, nos tornam mais parecidos com o Bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas.

Jesus permanece sereno porque sabe que a cruz não é o fim. Ele vê o que os outros não veem: a luz da ressurreição já despontando no horizonte da dor. Esse olhar de fé é o segredo da paz que não se abala, mesmo em meio à tempestade.

Pastoralmente, é fundamental cultivar esse olhar esperançoso. Diante dos desafios da missão, precisamos aprender com Jesus a discernir o sentido profundo de cada sofrimento, e a confiar que Deus transforma dor em graça, fracasso em fecundidade.

A serenidade de Jesus é um convite claro para quem serve na Igreja:

  • Rezar mais do que fazer. Sem oração, o serviço vira ativismo e cansaço. Com oração, o serviço vira oferta.
  • Confiar mais do que controlar. Quando confiamos que é Deus quem conduz a missão, encontramos paz.
  • Oferecer mais do que reclamar. As dificuldades da pastoral são lugar de santificação, não de murmuração.
  • Esperar mais do que desistir. A semente que morre na terra dará fruto a seu tempo.

A serenidade de Jesus é a serenidade do missionário que sabe por que e para quem vive. Ele sofre, sim, mas não perde o centro. Ele é traído, mas permanece fiel. Ele é rejeitado, mas continua amando.

Que essa paz de Jesus, nascida da oração, da confiança e do amor, seja também a paz de todo agente de pastoral. Que cada um de nós possa, mesmo nas dores do ministério, repetir com Ele: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.”

Que nesta Semana Santa, possamos nos unir ao Cristo fiel e aprender com Ele a caminhar com confiança, mesmo nos momentos mais sombrios.

TERÇA-FEIRA SANTA: ACOMPANHAR JESUS NA LITURGIA

À medida que avançamos, a liturgia da Terça-feira Santa nos convida a mergulhar mais profundamente no mistério da entrega de Jesus. As leituras de hoje revelam, em harmonia, um drama de missão, confiança e traição — e nos chamam a acompanhar o Senhor com o coração atento e fiel.

Em Isaías 49,1-6, ouvimos o chamado do Servo de Deus, escolhido desde o seio materno para ser “luz para as nações”. Ele enfrenta o aparente fracasso de sua missão — “cantei inutilmente, gastei minhas forças sem resultado” —, mas encontra em Deus sua força e recompensa. Esta figura profética se cumpre plenamente em Jesus, que caminha rumo à cruz com fidelidade inabalável, mesmo diante da rejeição e do sofrimento. O texto nos recorda que a verdadeira medida do êxito não está no aplauso do mundo, mas na obediência ao chamado de Deus.

O Salmo 70(71) é a oração de quem confia profundamente, mesmo nas tribulações. “Em vós, Senhor, me refugio” — canta o salmista —, expressando a confiança de quem caminha com Deus desde a juventude. Assim como Jesus que, mesmo traído e abandonado, permanece unido ao Pai, também somos convidados a buscar refúgio em Deus nos momentos de dor, dúvida e solidão.

O Evangelho de João 13,21-33.36-38 nos insere diretamente no clima da Última Ceia. Jesus, profundamente comovido, anuncia a traição de um dos seus. Judas sai da mesa, e João nos diz: “Era noite.” Não apenas no céu, mas também no coração de quem escolhe o caminho da infidelidade. Pedro, por sua vez, promete seguir Jesus até a morte, mas Jesus o adverte: “Tu me negarás três vezes”. As palavras de Jesus não são condenatórias, mas reveladoras da fragilidade humana — e também da misericórdia divina que nunca nos abandona.

Neste dia, a liturgia nos ensina que acompanhar Jesus é mais do que seguir seus passos fisicamente: é partilhar de sua missão, sua entrega, sua fidelidade, mesmo quando tudo parece escuro. É reconhecer que, como Pedro, também podemos falhar, mas somos chamados a recomeçar, com a graça daquele que conhece nossas fraquezas e mesmo assim nos ama.

A Terça-feira Santa nos convida a silenciar, a estar com Jesus na intimidade da Ceia, a olhar para dentro de nós e perguntar: Sou luz ou estou escolhendo a noite? Tenho confiado em Deus ou nas minhas próprias forças? Acompanhar Jesus na liturgia é permitir que essas palavras penetrem o coração e moldem nossa vida.

A Noite como Símbolo da Escuridão Interior

Essa expressão — “Era noite”, presente em João 13,30 — é breve, mas carrega um profundo simbolismo espiritual. No contexto do Evangelho, ela descreve o momento em que Judas sai da Ceia para consumar a traição. Mas, além de indicar o tempo do dia, “noite” aqui tem uma dimensão teológica e espiritual densa, que fala diretamente ao coração dos cristãos.

Na espiritualidade cristã, a noite muitas vezes representa o distanciamento de Deus, a perda de sentido, a confusão, o pecado. Judas não apenas sai fisicamente da presença de Jesus — ele entra espiritualmente na escuridão de suas escolhas. É o momento em que ele fecha o coração à luz, e, ao fazer isso, mergulha na noite mais profunda: a da alma afastada do amor.

“Era noite” — não só do lado de fora, mas dentro dele.

O Caminho Espiritual e a Escolha pela Luz

Para os cristãos, essa frase é um alerta e um convite. Ela nos lembra que o seguimento de Cristo passa por decisões concretas. Toda vez que negamos a verdade, que nos deixamos levar por interesses egoístas, que traímos os valores do Evangelho, também escolhemos a noite. E muitas vezes, essa noite se apresenta de forma sutil: um silêncio conveniente, uma omissão, uma palavra que fere, uma atitude que esfria o amor.

Mas o Evangelho não termina na noite. Jesus, Luz do mundo, enfrenta a noite da traição, do abandono e da cruz, para que nós nunca mais tenhamos que permanecer nela. Ele caminha conosco dentro das nossas noites — e é isso que transforma a escuridão em possibilidade de conversão.

A Noite como Lugar de Escolha e Esperança

Espiritualmente, “era noite” pode ser também o lugar do recomeço. Foi na noite que Pedro prometeu fidelidade e fracassou — mas também foi perdoado. Foi na noite que os discípulos fugiram — mas depois voltaram. A noite pode ser o tempo do erro, mas também pode ser o início de um novo amanhecer, se escolhemos voltar à luz.

“Era noite” é, então, uma frase que provoca o nosso coração:

  • Onde tenho escolhido a escuridão?
  • Que áreas da minha vida precisam ser tocadas pela luz de Cristo?
  • Estou caminhando com Jesus ou saindo às escondidas como Judas?

Na espiritualidade cristã, esta frase nos chama a vigiar o coração, a reconhecer que todos nós somos frágeis como Judas ou Pedro — mas também profundamente amados e chamados à luz.

“Era noite”: quando a humanidade se afasta da Luz

Essa expressão — “Era noite” (Jo 13,30) — quando lida à luz da história da humanidade, ecoa como um diagnóstico doloroso, mas também como um chamado à esperança. Ela não é apenas uma constatação do tempo, mas uma afirmação do estado da alma. Judas sai da presença de Jesus, e a noite cai, como símbolo da escolha pela escuridão. E assim tem sido, tantas vezes, na história humana.

Cada vez que a humanidade escolhe a lógica da guerra em vez do diálogo, a exploração em vez do cuidado, o egoísmo em vez da fraternidade, ela repete esse mesmo gesto de Judas. Sai da Ceia, abandona o lugar da comunhão, do amor partilhado, e mergulha na noite.

A escuridão de conflitos armados, de desigualdades gritantes, de violências contra os mais vulneráveis, e da devastação da criação é, de fato, uma noite espiritual e existencial. É a noite provocada por corações que perderam o rumo da luz, que já não escutam o grito do outro, nem o clamor da terra.

“Era noite” — e ainda é, quando o lucro vale mais do que vidas, quando as bombas falam mais alto que as pontes, quando rios morrem e povos são silenciados.

Mas essa noite não é o fim

O Evangelho de João é profundamente simbólico, e sempre contrapõe luz e trevas. Mas nunca deixa a noite como última palavra. Porque a luz brilha nas trevas, e as trevas não a venceram (Jo 1,5). Mesmo quando a humanidade parece perdida, Deus continua oferecendo sua presença, sua Palavra, sua luz.

Jesus entra na noite, não foge dela. Ele a atravessa — traído, humilhado, crucificado — para redimir a escuridão do mundo com o brilho do amor radical. E esse é o convite para nós: ser pequenas luzes no meio dessa noite global.

Um apelo à consciência e à conversão coletiva

A frase “era noite” também é um espelho que incomoda. Ela nos pergunta:

  • Onde estamos escolhendo a noite como sociedade?
  • Por que ainda naturalizamos a violência, a miséria, a destruição da Terra?
  • Como podemos voltar à mesa da Ceia, onde o amor é servido, e a fraternidade é possível?

A resposta cristã não é o desespero, mas a vigilância ativa, a compaixão comprometida. Somos chamados a ser sentinelas da manhã, aqueles que, mesmo em meio à escuridão, mantêm acesa a chama da esperança.