POR QUE A SEMANA SANTA AINDA IMPORTA EM 2025?

A Semana Santa é o ponto culminante do ano litúrgico da Igreja. Celebrada pelos cristãos do mundo inteiro, ela nos convida a entrar profundamente no mistério central da nossa fé: a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Não se trata apenas de recordar um evento passado, mas de vivê-lo liturgicamente, permitindo que a graça da salvação alcance hoje o nosso coração e transforme a nossa vida.

Cada dia da Semana Santa possui um significado especial. O Domingo de Ramos abre as celebrações, recordando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, acolhido como Rei pelos que dias depois clamariam por sua crucifixão. A liturgia deste dia nos convida a refletir sobre a fragilidade humana e a fidelidade de Cristo.

Na Quinta-feira Santa, a Igreja celebra a instituição da Eucaristia e do sacerdócio, durante a Última Ceia. É também o momento em que Jesus lava os pés dos discípulos, gesto de humildade que nos ensina o caminho do serviço. A celebração se encerra com a transposição simbólica de Jesus ao Horto das Oliveiras, marcando o início de sua Paixão.

A Sexta-feira Santa é o único dia em que não se celebra a Eucaristia. Em silêncio e reverência, os fiéis participam da Celebração da Paixão do Senhor, contemplando a cruz como sinal de amor supremo e redenção. É um dia de jejum, oração e profunda meditação.

O Sábado Santo é marcado pelo silêncio e pela espera. A Igreja permanece em vigília, junto ao túmulo do Senhor, preparando-se para a grande celebração da Vigília Pascal. Na noite do Sábado, a luz do Cristo Ressuscitado rompe as trevas, e a alegria da Ressurreição transforma o luto em júbilo. É a celebração mais importante de todo o ano litúrgico.

Participar da Semana Santa é entrar no coração da fé cristã. É permitir que o amor de Deus, manifestado na Cruz e confirmado na Ressurreição, renove nossa esperança e nos impulsione a viver como discípulos de Cristo no mundo.

Semana Santa

Cronograma da Semana Santa:

📅 Domingo de Ramos da Paixão do Senhor
Evangelho: Mt 21,1-11; Mt 26,14 – 27,66
Jesus é acolhido em Jerusalém como Rei, mas a liturgia já nos conduz ao mistério de sua Paixão.
🕊️ “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor!” (Mt 21,9)

📅 Segunda-feira Santa
Evangelho: Jo 12,1-11
Jesus é ungido em Betânia. Maria reconhece sua dignidade e se antecipa à sua paixão.
🕊️ “Deixa-a, que ela guarde isto para o dia da minha sepultura.” (Jo 12,7)

📅 Terça-feira Santa
Evangelho: Jo 13,21-33.36-38
Jesus anuncia a traição de Judas e a negação de Pedro.
🕊️ “Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes.” (Jo 13,38)

📅 Quarta-feira Santa
Evangelho: Mt 26,14-25
Dia em que Judas Iscariotes trama a traição. Conhecida como a “Quarta-feira das Trevas”.
🕊️ “O Filho do Homem vai morrer, conforme está escrito, mas ai daquele por quem o Filho do Homem é traído!” (Mt 26,24)

📅 Quinta-feira Santa – Ceia do Senhor
Evangelho: Jo 13,1-15
Celebramos a instituição da Eucaristia e do sacerdócio ministerial. Jesus lava os pés dos discípulos, ensinando-nos o amor-serviço.
🕊️ “Eu vos dei o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz a vós.” (Jo 13,15)

📅 Sexta-feira Santa – Paixão do Senhor
Evangelho: Jo 18,1 – 19,42
Dia de jejum, silêncio e veneração da Cruz. A Igreja contempla com reverência o mistério da Cruz de Cristo.
🕊️ “Tudo está consumado.” (Jo 19,30)

📅 Sábado Santo – Vigília Pascal
No silêncio do túmulo, a Igreja espera a Ressurreição. À noite, celebra-se a Vigília Pascal, a “mãe de todas as vigílias”.
🕊️ “Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24,5)

📅 Domingo de Páscoa – Ressurreição do Senhor
Evangelho: Jo 20,1-9
Cristo ressuscitou! A vida venceu a morte, e a esperança renasce no coração dos fiéis.
🕊️ “Ele viu e acreditou.” (Jo 20,8)

Semana Santa: Um Convite à Conversão Profunda

Participar da Semana Santa é mais do que acompanhar rituais religiosos. É permitir que o amor de Deus, manifestado na Cruz e confirmado na Ressurreição, transforme o nosso modo de viver. Como diz São Paulo: “Se com Cristo morremos, com Ele também viveremos.” (Rm 6,8)

A Semana Santa não é apenas uma sucessão de ritos sagrados. Ela é, acima de tudo, um espelho que confronta o nosso interior, uma travessia espiritual que nos convida à conversão – não como um dever moral imposto de fora, mas como um movimento íntimo, necessário e transformador.

Liturgia que nos atravessa

A cada dia da Semana Santa, a liturgia da Igreja nos conduz por cenas profundamente humanas: a aclamação entusiasmada que se transforma em rejeição, a traição que nasce no meio dos amigos, o silêncio de Deus diante do sofrimento inocente, o medo da perda, a fuga dos discípulos, o abandono, o luto… e, enfim, a vida que ressurge quando parecia já não haver saída.

Esses momentos não são apenas memórias do passado. Eles são vividos aqui e agora, em nós. A liturgia nos envolve para que passemos, com Cristo, por esses desertos interiores. Como escreveu Santo Agostinho: “Cristo sofreu por nós para que aprendêssemos a sofrer n’Ele.”

Conversão como travessia

Na teologia cristã, conversão (do latim conversio) significa mudança de direção, retorno a Deus, reencontro com a Verdade. Mas essa virada não é apenas racional. É existencial. A cruz que contemplamos não está apenas sobre o altar: ela revela também nossas contradições, nossas feridas, nossas negações internas.

Ao olhar para Cristo que sofre calado, somos convidados a reconhecer aquilo que em nós resiste ao amor, se fecha ao perdão, se esconde da verdade. A conversão, então, não é medo do castigo, mas coragem de encarar a própria sombra, à luz daquele que tudo redime.

Caminho do autoconhecimento

Sob uma perspectiva psicanalítica, poderíamos dizer que a Semana Santa nos obriga a sair das defesas do ego e nos deparar com conteúdos reprimidos – traições internas, impulsos de fuga, desejos ambivalentes, perdas não elaboradas. Judas, Pedro, Pilatos, Maria, Simão de Cirene… todos representam partes de nós.

A paixão de Cristo é um roteiro profundamente humano. É ali que percebemos como o inconsciente atua nos grandes dilemas: entre amor e medo, entre entrega e controle, entre confiança e autossabotagem. Converter-se, portanto, é também integrar, reconhecer o que em nós precisa ser reconciliado.

A cruz como lugar de reconciliação

No ponto culminante da Semana Santa — a Cruz — não vemos apenas o sofrimento de um inocente, mas um gesto absoluto de amor e reconciliação. Cristo, ao entregar-se livremente, cura a ruptura entre Deus e a humanidade. E, ao fazê-lo, nos convida a reconciliar também as rupturas dentro de nós: com o outro, com o passado, com Deus, e com aquilo que somos de verdade.

🕊️ “Ele foi ferido por causa de nossas transgressões, esmagado por causa de nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele.” (Is 53,5)

Por que a Semana Santa é um convite à conversão?

Porque ela nos tira da superficialidade.
Porque nos confronta com o essencial.
Porque nos revela que a mudança não é só possível — é necessária.
Porque nos lembra que a morte, quando vivida com amor, gera vida nova.
E porque, ao final da dor, sempre há ressurreição.

Que esta semana sagrada seja vivida com fé, silêncio interior e espírito de conversão, abrindo nosso coração para o grande dom da vida nova em Cristo.


REFERÊNCIAS:

BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 2. ed. Brasília: Edições CNBB, 2008.

RATZINGER, Joseph (Papa Bento XVI). Introdução ao Cristianismo. São Paulo: Loyola, 2005.

RATZINGER, Joseph. O espírito da liturgia. São Paulo: Loyola, 2001.

REVISTA DE LITURGIA. Semana Santa: Paixão e Ressurreição do Senhor. Ano 38, n. 152, mar./abr. 2007. São Paulo: Pias Discípulas do Divino Mestre.

REVISTA DE LITURGIA. Abrir a porta ao mistério e acender as luzes da fé. São Paulo: Pias Discípulas do Divino Mestre, n. 308, mar./abr. 2025.

REVISTA DE LITURGIA. Do livro à Palavra. São Paulo: Pias Discípulas do Divino Mestre, n. 307, jan./fev. 2025.

REVISTA DE LITURGIA. Oração, Missal Romano e experiência de Deus. São Paulo: Pias Discípulas do Divino Mestre, n. 306, nov./dez. 2024.

REVISTA DE LITURGIA. Semana Santa: Paixão e Ressurreição do Senhor. São Paulo: Pias Discípulas do Divino Mestre, n. 152, mar./abr. 2007.

AUGUSTINUS, Aurelius. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos. São Paulo: Paulus, 1999.

FREUD, Sigmund. O ego e o id. Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

JUNG, Carl Gustav. A psicologia da transferência. Petrópolis: Vozes, 2013.

KÜNG, Hans. Ser Cristão. São Paulo: Verus, 2005.

No caminho da sinodalidade missionária: A Páscoa de Jesus Cristo nos ilumina

“Então as mulheres se lembraram das palavras de Jesus” (Lc 24,8).

Na madrugada do domingo, algumas mulheres vão ao túmulo trazendo no coração o sofrimento após ter presenciado a morte de Jesus na cruz. Elas entraram no túmulo, mas não viram o corpo de Jesus e ficaram sem saber o que lhe acontecera. Certamente suas interrogações foram muitas, pois estavam diante de um fato novo: o sepulcro vazio.  O que, de fato, havia acontecido? Como entender e explicar a ausência do corpo do Mestre para o qual levaram perfumes?

É nesse momento que os anjos de Deus anunciam a elas que o corpo de Jesus não estava ali porque ele havia ressuscitado, e lhes pedem para recordar o que Jesus dissera: “O Filho do Homem será entregue nas mãos dos pecadores, será crucificado e no terceiro dia ressuscitará” (Lc 24,7). Esse acontecimento nos revela uma luz importante: era fundamental considerar a Palavra de Jesus para que pudessem acolher o que aconteceu em sua vida e o que ele estava indicando para elas.

Mináforas - mulheres no tumulo de Jesus - Imagem de Ir. Laíde Sonda, pddm
Mináforas – Imagem de Ir. Laíde Sonda – Arquitetura do Apostolado Litúrgico

A Palavra é luz para nossa vida e faz arder nosso coração. Quando as mulheres se lembram das palavras de Jesus, elas se deixam iluminar por essa luz e não a retêm para si. Saem correndo para anunciar aos apóstolos e a outros o mistério que lhes tocara o coração. Quem configura sua vida à de Jesus, através de sua Palavra, é chamado a partilhar essa experiência de fé com a comunidade. Ainda que o testemunho delas não tenha sido considerado de imediato, elas não deixaram de proclamar e testemunhar a novidade que aquecia seus corações e transformava suas vidas: “Ele ressuscitou”. No fato proclamado – “Ele ressuscitou” – está todo o coração do mistério pascal e do anúncio cristão, cuja certeza é que Cristo está conosco todos os dias até o fim dos tempos. As mulheres são, de fato, as primeiras testemunhas da Ressurreição. E os apóstolos, após acolher o anúncio das mulheres, experimentam a graça do encontro com Jesus, que lhes abre a inteligência e o coração para um modo de vida renovado. E assim a ação de Deus transforma a vida das mulheres discípulas missionárias de Jesus Cristo, dos apóstolos, dos demais discípulos, de toda Igreja nascente.

Acolher a Palavra de Jesus, encontrar-se com ele, escutar testemunhos sobre a presença de Jesus na vida das pessoas são ações fundamentais que devem ser vivenciadas, partilhadas e testemunhadas por nós. É desse modo que nossa vida pessoal, familiar e comunitária se torna iluminada pela presença viva de Jesus Cristo. A Palavra Sagrada escrita e vivenciada, abre-nos horizontes para o caminho de sinodalidade por meio de uma experiência de fé pessoal e comunitária. Enquanto Igreja sinodal, somos chamados a caminhar juntos, desafiando esse modelo de sociedade que, por diversos meios, faz imperar o individualismo.

Sem dúvida, nosso tempo nos coloca interrogações assim como aquelas que as mulheres tiveram junto à sepultura de Jesus. Por exemplo, como superar um modo de vida social polarizado e funcionalista que não oferece às pessoas condições para refletir sobre o sentido da vida, da fé, da felicidade? Como fechar os olhos para o sofrimento dos mais pobres e das várias situações de mortes que assolam nosso país? Essas interrogações resultam de um mundo plural e complexo, cujas relações humanas se tornam cada vez mais “líquidas”, individualistas, não duradouras, o que fortalece, como consequência, o desenvolvimento de uma cultura do subjetivismo.

Diante dessas situações reais de sofrimento, precisamos ser sinais da presença do Salvador que entregou sua vida por todos da seguinte maneira: a) testemunhando nossa fé, nossa adesão a Cristo nos vários ambientes da sociedade; b) descobrindo luzes da presença viva de Jesus Cristo ressuscitado na vida de pessoas, famílias, comunidades e grupos; c) apontando o caminho do cuidado para com a vida das pessoas e com o meio ambiente; d) dedicando-se à construção de uma sociedade humanizada e fraterna, querida por Deus; e) cuidando da vida das pessoas, em especial dos pobres que vivem nas periferias urbanas e existenciais.

Portanto, iluminados pela Páscoa de Cristo e por sua Palavra,  somos chamados a cuidar ainda mais da vida das pessoas, em especial dos pobres e de tantos quantos vivem nas periferias. Desse modo, somos chamados ressuscitar com Cristo, percorrendo os passos de sua paixão, morte e ressurreição. Jesus venceu a morte para nos dar a vida em plenitude. Assumiu nossa natureza humana e a condição de servo para nos revelar o Pai e, pelo Espírito Santo, nos fazer mergulhar no mistério de Deus. Como sinal de amor e entrega extrema ao projeto de Deus, ensina-nos o dom do serviço e da disponibilidade às pessoas.

Mesmo que nosso testemunho de fé não seja considerado pela comunidade cristã, precisamos confiar no Espírito Santo que está presente e age na vida das pessoas e nas realidades, indicando as luzes necessárias para caminharmos juntos, em espírito de sinodalidade.

Assim como o Papa Francisco nos pede, sejamos sinais de esperança face a uma humanidade em crise, portadores da palavra de Jesus, suas testemunhas, indo ao encontro das pessoas em suas realidades, tendo como verdade de fé o Cristo ressuscitado que nos acompanha, nos ilumina e nos fortalece!

Uma feliz e santa Páscoa a todos e todas!

Dom Esmeraldo Barreto de Farias

Dom Esmeraldo Barreto de Farias

Foi ordenado sacerdote em 9 de janeiro de 1977, na diocese de Amargosa. Em 2000, o papa João Paulo II o nomeou bispo da diocese de Paulo Afonso, na Bahia. Em 28 de fevereiro de 2007, o Papa Bento XVI o nomeou bispo da diocese de Santarém. Em 2011, iniciou sua participação como membro da Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB. Ainda neste ano, foi nomeado arcebispo de Porto Velho. Em 18 de março de 2015 o Papa Francisco o nomeou bispo-titular de Súmula e auxiliar da Arquidiocese de São Luís do Maranhão. Em 18 de novembro de 2020, foi nomeado como bispo diocesano de Araçuaí.