TERÇA-FEIRA SANTA: ACOMPANHAR JESUS NA LITURGIA

À medida que avançamos, a liturgia da Terça-feira Santa nos convida a mergulhar mais profundamente no mistério da entrega de Jesus. As leituras de hoje revelam, em harmonia, um drama de missão, confiança e traição — e nos chamam a acompanhar o Senhor com o coração atento e fiel.

Em Isaías 49,1-6, ouvimos o chamado do Servo de Deus, escolhido desde o seio materno para ser “luz para as nações”. Ele enfrenta o aparente fracasso de sua missão — “cantei inutilmente, gastei minhas forças sem resultado” —, mas encontra em Deus sua força e recompensa. Esta figura profética se cumpre plenamente em Jesus, que caminha rumo à cruz com fidelidade inabalável, mesmo diante da rejeição e do sofrimento. O texto nos recorda que a verdadeira medida do êxito não está no aplauso do mundo, mas na obediência ao chamado de Deus.

O Salmo 70(71) é a oração de quem confia profundamente, mesmo nas tribulações. “Em vós, Senhor, me refugio” — canta o salmista —, expressando a confiança de quem caminha com Deus desde a juventude. Assim como Jesus que, mesmo traído e abandonado, permanece unido ao Pai, também somos convidados a buscar refúgio em Deus nos momentos de dor, dúvida e solidão.

O Evangelho de João 13,21-33.36-38 nos insere diretamente no clima da Última Ceia. Jesus, profundamente comovido, anuncia a traição de um dos seus. Judas sai da mesa, e João nos diz: “Era noite.” Não apenas no céu, mas também no coração de quem escolhe o caminho da infidelidade. Pedro, por sua vez, promete seguir Jesus até a morte, mas Jesus o adverte: “Tu me negarás três vezes”. As palavras de Jesus não são condenatórias, mas reveladoras da fragilidade humana — e também da misericórdia divina que nunca nos abandona.

Neste dia, a liturgia nos ensina que acompanhar Jesus é mais do que seguir seus passos fisicamente: é partilhar de sua missão, sua entrega, sua fidelidade, mesmo quando tudo parece escuro. É reconhecer que, como Pedro, também podemos falhar, mas somos chamados a recomeçar, com a graça daquele que conhece nossas fraquezas e mesmo assim nos ama.

A Terça-feira Santa nos convida a silenciar, a estar com Jesus na intimidade da Ceia, a olhar para dentro de nós e perguntar: Sou luz ou estou escolhendo a noite? Tenho confiado em Deus ou nas minhas próprias forças? Acompanhar Jesus na liturgia é permitir que essas palavras penetrem o coração e moldem nossa vida.

A Noite como Símbolo da Escuridão Interior

Essa expressão — “Era noite”, presente em João 13,30 — é breve, mas carrega um profundo simbolismo espiritual. No contexto do Evangelho, ela descreve o momento em que Judas sai da Ceia para consumar a traição. Mas, além de indicar o tempo do dia, “noite” aqui tem uma dimensão teológica e espiritual densa, que fala diretamente ao coração dos cristãos.

Na espiritualidade cristã, a noite muitas vezes representa o distanciamento de Deus, a perda de sentido, a confusão, o pecado. Judas não apenas sai fisicamente da presença de Jesus — ele entra espiritualmente na escuridão de suas escolhas. É o momento em que ele fecha o coração à luz, e, ao fazer isso, mergulha na noite mais profunda: a da alma afastada do amor.

“Era noite” — não só do lado de fora, mas dentro dele.

O Caminho Espiritual e a Escolha pela Luz

Para os cristãos, essa frase é um alerta e um convite. Ela nos lembra que o seguimento de Cristo passa por decisões concretas. Toda vez que negamos a verdade, que nos deixamos levar por interesses egoístas, que traímos os valores do Evangelho, também escolhemos a noite. E muitas vezes, essa noite se apresenta de forma sutil: um silêncio conveniente, uma omissão, uma palavra que fere, uma atitude que esfria o amor.

Mas o Evangelho não termina na noite. Jesus, Luz do mundo, enfrenta a noite da traição, do abandono e da cruz, para que nós nunca mais tenhamos que permanecer nela. Ele caminha conosco dentro das nossas noites — e é isso que transforma a escuridão em possibilidade de conversão.

A Noite como Lugar de Escolha e Esperança

Espiritualmente, “era noite” pode ser também o lugar do recomeço. Foi na noite que Pedro prometeu fidelidade e fracassou — mas também foi perdoado. Foi na noite que os discípulos fugiram — mas depois voltaram. A noite pode ser o tempo do erro, mas também pode ser o início de um novo amanhecer, se escolhemos voltar à luz.

“Era noite” é, então, uma frase que provoca o nosso coração:

  • Onde tenho escolhido a escuridão?
  • Que áreas da minha vida precisam ser tocadas pela luz de Cristo?
  • Estou caminhando com Jesus ou saindo às escondidas como Judas?

Na espiritualidade cristã, esta frase nos chama a vigiar o coração, a reconhecer que todos nós somos frágeis como Judas ou Pedro — mas também profundamente amados e chamados à luz.

“Era noite”: quando a humanidade se afasta da Luz

Essa expressão — “Era noite” (Jo 13,30) — quando lida à luz da história da humanidade, ecoa como um diagnóstico doloroso, mas também como um chamado à esperança. Ela não é apenas uma constatação do tempo, mas uma afirmação do estado da alma. Judas sai da presença de Jesus, e a noite cai, como símbolo da escolha pela escuridão. E assim tem sido, tantas vezes, na história humana.

Cada vez que a humanidade escolhe a lógica da guerra em vez do diálogo, a exploração em vez do cuidado, o egoísmo em vez da fraternidade, ela repete esse mesmo gesto de Judas. Sai da Ceia, abandona o lugar da comunhão, do amor partilhado, e mergulha na noite.

A escuridão de conflitos armados, de desigualdades gritantes, de violências contra os mais vulneráveis, e da devastação da criação é, de fato, uma noite espiritual e existencial. É a noite provocada por corações que perderam o rumo da luz, que já não escutam o grito do outro, nem o clamor da terra.

“Era noite” — e ainda é, quando o lucro vale mais do que vidas, quando as bombas falam mais alto que as pontes, quando rios morrem e povos são silenciados.

Mas essa noite não é o fim

O Evangelho de João é profundamente simbólico, e sempre contrapõe luz e trevas. Mas nunca deixa a noite como última palavra. Porque a luz brilha nas trevas, e as trevas não a venceram (Jo 1,5). Mesmo quando a humanidade parece perdida, Deus continua oferecendo sua presença, sua Palavra, sua luz.

Jesus entra na noite, não foge dela. Ele a atravessa — traído, humilhado, crucificado — para redimir a escuridão do mundo com o brilho do amor radical. E esse é o convite para nós: ser pequenas luzes no meio dessa noite global.

Um apelo à consciência e à conversão coletiva

A frase “era noite” também é um espelho que incomoda. Ela nos pergunta:

  • Onde estamos escolhendo a noite como sociedade?
  • Por que ainda naturalizamos a violência, a miséria, a destruição da Terra?
  • Como podemos voltar à mesa da Ceia, onde o amor é servido, e a fraternidade é possível?

A resposta cristã não é o desespero, mas a vigilância ativa, a compaixão comprometida. Somos chamados a ser sentinelas da manhã, aqueles que, mesmo em meio à escuridão, mantêm acesa a chama da esperança.