SOBRE A NOTA DOUTRINAL SOBRE OS TÍTULOS MARIANOS: MARIA ENTRE A MEDITAÇÃO E O MAL-ENTENDIDO

A nova nota publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé representa uma intervenção pontual, mas de grande significância, no campo da teologia mariana. Sob o título Mater Populi fidelis: “Mãe do Povo fiel”, o documento busca clarificar “em que sentido são aceitáveis, ou não, alguns títulos e expressões referentes a Maria, Mãe de Jesus” que aludem à sua cooperação na obra da salvação.

Leia a nota publicada: https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_ddf_doc_20251104_mater-populi-fidelis_po.html

Essa tarefa de “aclarar” não é mera retórica: o texto aponta para uma tensão real entre a piedade popular (legítima e antiga) e certos usos teológicos ou devocionais que, segundo o documento, podem gerar “problemas importantes no que se refere ao conteúdo” (cristologia, eclesiologia, antropologia) se não forem bem ponderados.

O que a nota propõe

Três traços principais se destacam:

  1. Cooperação de Maria, mas jamais concorrência com Cristo
    A nota reafirma que Maria “cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos homens”. (Vaticano) Mas enfatiza que essa cooperação está radicalmente subordinada à obra única de Jesus Cristo: Ele “único Redentor”, “único Mediador entre Deus e os homens” (cf. 1 Tm 2, 5). (Vaticano)
    Em outras palavras: Maria ajuda, Maria intercede, Maria, sim, tem função materna singular na salvação, mas não se coloca como equivalente ou paralela a Cristo na mediação e redenção.
  2. Cautela com títulos específicos
    O documento dedica-se a avaliar (de modo positivo ou crítico) alguns títulos marianos que se difundiram no correr da vida da Igreja: “Corredentora”, “Medianeira (ou Medianeira de todas as graças)”, entre outros. (Vaticano)
    Por exemplo: no título “Corredentora”, reconhece-se uma figura histórica (desde o século XV) que pretende expressar a união de Maria com Cristo nos sofrimentos e na Cruz. (Vaticano) Contudo, o Dicastério alerta que esse vocábulo “corre o risco de obscurecer a única mediação salvífica de Cristo e, portanto, pode gerar confusão e desequilíbrio na harmonia das verdades da fé cristã”. (Vaticano)
    No caso “Medianeira” ou “Medianeira de todas as graças”, a nota aponta que, embora exista um uso espiritual e popular desse título, a base bíblica e patrística não o sustenta de modo suficientemente claro para definições dogmáticas ou universalizadas. (Vaticano)
    Há, portanto, uma chamada à fidelidade da linguagem: evitar termos teológicos “capciosos”, que ambicionem uma “mediação paralela” ou “dominante” de Maria, e que possam induzir a uma espiritualidade confusa ou desviada.
  3. Valorização da devoção mariana, com equilíbrio
    Importante: o tom da nota não é puramente negativo. Em sua apresentação, afirma que “a devoção mariana … é apresentada aqui como um tesouro da Igreja” e que não se trata de “corrigir a piedade do Povo fiel de Deus” que encontra em Maria “refúgio, fortaleza, ternura e esperança”. (Vaticano)
    O que se pretende é “valorizar, admirar e encorajar” essa devoção, mas com os devidos parâmetros, sobretudo cristológicos e eclesiológicos. O documento propõe, por exemplo, que Maria seja vista como a “primeira discípula” e “Mãe dos fiéis”, em comunhão com a Igreja, e não fora dela. (Vaticano)

Significado para a teologia mariana

O que esta nota significa e quais são as suas consequências para a teologia mariana? Aqui algumas reflexões críticas:

  • Clarificação necessária num contexto plural: em tempos em que a devoção mariana se diversifica de modo intenso, inclusive por redes sociais, movimentos populares, novas expressões religiosas, surge com pertinência esta nota. A teologia mariana precisava de um “balizamento” para lidar com expressões que, embora bem intencionadas, podem deslizar para territórios de ambiguidade ou de exagero. A nota exerce esse papel de clarificador.
  • Risco de polarização entre piedade e teologia: contudo, há um risco: se a teologia se coloca demasiado como “guardã” da linguagem, pode parecer distante da vivência dos fiéis que experimentam Maria como mãe e intercessora com ternura e proximidade. A nota tenta equilibrar, mas será que consegue sempre vincular os títulos aos “fundamentos bíblico-patrísticos” sem alienar a piedade popular? A tensão permanece.
  • Limites e tensões doutrinais evidenciados: ao apontar que títulos como “Corredentora” ou “Medianeira de todas as graças” carecem de maturidade teológica ou dogmática, a nota abre um debate sobre os limites da teologia mariana: até que ponto se deve definir dogmas marianos? Qual é o risco de “acréscimo” à obra de Cristo? Nesse sentido, a teologia mariana é chamada não à “ampliação” ilimitada, mas à fidelidade à verdade central: Cristo. Isso pode significar uma contenção (para alguns, talvez uma limitação) da exuberância mariana tradicional.
  • Para ecumenismo e diálogo inter-cristão: a nota também destaca que a clareza na linguagem mariana é importante para o ecumenismo. Títulos mal explicados ou exagerados podem criar mal-entendidos com comunidades cristãs que rejeitam mediações secundárias ou que atribuem a Cristo o lugar único. Portanto, a teologia mariana se reposiciona também no campo do diálogo. (Vaticano)
  • Impulso para uma mariologia “disponível”: finalmente, o documento convoca a mariologia a retomar uma dimensão “servil” ou “disponível”: Maria como aquela que aponta para Cristo (“façam o que Ele vos disser” Jo 2,5) e não se apresenta como protagonista autônoma. É uma tentativa de responder à espiritualidade contemporânea que busca sempre “novidade”, “empoderamento”, mas aqui se reafirma a “maternidade servil” de Maria. Essa ideia materna, próxima, fiel, pode renovar a teologia mariana num ambiente onde o culto mariano pode parecer simbólico em vez de radicalmente cristocêntrico.

Um olhar crítico final

A nota Mater Populi fidelis é, sem dúvida, uma contribuição valiosa para a teologia mariana: acende luzes sobre linguagens e práticas que pedem discernimento, ao mesmo tempo que valoriza a devoção fiel a Maria. Porém, ela também revela os dilemas teológicos que essa área ancora: o risco de diminuir Cristo, ou de exagerar Maria; o diálogo com a tradição versus as expressões contemporâneas; a fidelidade à fé vs. a vitalidade devocional.

Enfim, a nota Mater Populi Fidelis não é um golpe na devoção mariana; é um convite à maturidade teológica e pastoral. Recoloca-se a velha pergunta: como honrar uma mãe que sempre aponta para o Filho, sem construir em torno dela uma mediação que ofusque o único Redentor? A resposta exigirá do magistério, dos bispos e das comunidades locais uma combinação de clareza conceitual, sensibilidade pastoral e catequese amorosa.

Para muitos teólogos e fiéis, a nota será vista como um “ajuste de rota”: reafirma-se que a teologia mariana deve respeitar cuidadosamente os fundamentos cristológicos e eclesiológicos, ao mesmo tempo que mantém vivo o amor filial a Maria. Para outros, pode parecer contenção ou limitação de expressões populares que encontraram em Maria uma presença maternal profunda.

Em todo caso, a mariologia sai deste documento estimulada a uma revisão: não para contrair-se, mas para se tornar mais articulada, mais dialógica e, por que não, mais capaz de encarnar a ternura de Maria sem perder de vista a centralidade de Cristo e a missão da Igreja.

LITURGIA DO DIA: A SABEDORIA DOS FILHOS DA LUZ

Sexta-feira, 7 de novembro de 2025
31ª Semana do Tempo Comum – Ano Ímpar (I)
Leituras: Rm 15,14-21; Sl 97(98),1.2-3ab.3cd-4; Lc 16,1-8

O Evangelho de hoje nos apresenta uma das parábolas mais instigantes de Jesus: a do administrador infiel (Lc 16,1-8). À primeira vista, o texto causa desconforto, pois parece que Jesus elogia a desonestidade. No entanto, ao olharmos mais profundamente, percebemos que o Senhor nos convida a enxergar a realidade com um olhar mais amplo, onde as contradições da vida se tornam espaço de aprendizado espiritual.

O administrador é acusado de desperdiçar os bens do patrão e, diante da perda iminente do emprego, age com astúcia: busca garantir sua sobrevivência aproximando-se dos devedores. Jesus não aprova sua falta de ética, mas destaca sua esperteza diante das circunstâncias. O elogio não é à trapaça, mas à capacidade de discernir, agir com criatividade e tomar decisões rápidas diante de uma crise.

A vida humana é feita de enredos entrelaçados — relações, escolhas, consequências — e nem sempre é possível reduzi-la a categorias simples de certo ou errado. Jesus nos convida a compreender essa trama da existência, onde o bem e o mal se misturam, e a perceber que a verdadeira sabedoria está em agir com prudência e visão, orientando toda a nossa habilidade e inteligência para o Reino de Deus.

Enquanto os “filhos deste mundo” usam de sagacidade para seus interesses imediatos, os “filhos da luz” são chamados a empregar a mesma energia e criatividade para o bem, para a comunhão, para a justiça. O Evangelho nos provoca a refletir: temos colocado a mesma dedicação e engenhosidade nas coisas do Reino quanto colocamos em nossos projetos pessoais?

Na primeira leitura, Paulo expressa seu zelo missionário: ele não se contenta com o já conquistado, mas deseja levar o Evangelho a novos lugares. Seu impulso evangelizador é o oposto da inércia. É o dinamismo de quem compreende que o Reino de Deus exige movimento, inteligência e coragem.

Assim também nós, discípulos de Cristo, somos chamados a uma fé lúcida e ativa, não ingênua, mas capaz de enfrentar as tensões e ambiguidades da vida sem perder o horizonte do amor.

O administrador infiel nos ensina, paradoxalmente, que o Evangelho exige criatividade espiritual: saber discernir, planejar e agir com sabedoria diante dos desafios. O cristão autêntico não é aquele que foge do mundo, mas aquele que o lê com profundidade, compreende suas múltiplas dimensões e nele constrói sinais do Reino, onde a justiça e a misericórdia se encontram.

Os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz” (Lc 16,8). Que esta palavra nos desperte: que sejamos também sagazes — não para enganar, mas para amar com inteligência, servir com discernimento e construir, com criatividade e fé, o Reino que Cristo nos confiou.

O ÍCONE DE TODOS OS SANTOS: UM LEITURA TEOLÓGICA

A Solenidade de Todos os Santos celebra o cumprimento da promessa de Cristo: a vocação universal à santidade e a participação plena dos justos na glória de Deus. O ícone dessa festa não é apenas uma representação artística, mas uma verdadeira teologia em cores, um testemunho visual da fé da Igreja na comunhão dos santos e na esperança escatológica.

1. O Paraíso e a Comunhão dos Justos

O ambiente do ícone representa o Paraíso, lugar de comunhão e descanso eterno dos santos. No canto inferior esquerdo, figura Abraão, que acolhe em seu seio uma alma justa, evocando as palavras de Jesus: “O pobre morreu e foi levado pelos anjos junto a Abraão” (Lc 16,22).

O “junto a Abraão” é interpretado pela Tradição como o símbolo do repouso eterno reservado aos amigos de Deus antes da ressurreição final (cf. Catecismo da Igreja Católica [CIC], §633). Ao lado de Abraão, o patriarca Jacó segura as doze tribos de Israel em um véu, imagem da totalidade do povo eleito (cf. Gn 49). No centro, encontra-se Dimas, o bom ladrão, o primeiro a receber da boca do Salvador a promessa do Paraíso: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43).

Esses personagens representam os santos do Antigo Testamento, os que viveram na fé e aguardaram a plenitude da redenção. São Paulo recorda que “todos estes morreram na fé, sem ter alcançado a promessa” (Hb 11,13), mas que foram santificados pela esperança do Cristo que havia de vir.

2. A Nuvem de Testemunhas e o Cristo Glorificado

No centro do ícone aparece a grande “nuvem de testemunhas” (Hb 12,1), formada por todos os santos que perseveraram na fé e no amor de Deus. Eles estão reunidos em torno de Cristo glorioso, entronizado sobre um arco-íris, sinal da aliança eterna (cf. Gn 9,13; Ap 4,3).

Abaixo de Cristo encontra-se o Trono da Preparação (ou “Trono vazio”), diante do qual Adão e Eva se prostram. Essa imagem recorda que o mistério da salvação é recapitulador: em Cristo, o novo Adão, toda a humanidade é restaurada e reconciliada com o Pai (cf. Rm 5,18-19; Ef 1,10).

Como ensina Santo Irineu de Lião, “o Verbo de Deus, Jesus Cristo, por sua imensa caridade, fez-se aquilo que nós somos, para fazer-nos aquilo que Ele é” (Adversus Haereses, V, prefácio). Assim, o ícone manifesta a verdade da recapitulação: o homem decaído é restaurado em Cristo, e a criação reencontra seu sentido na adoração.

3. A Cruz e o Mistério Pascal

A Cruz, elemento central e insubstituível da fé cristã, aparece com frequência nos ícones sagrados, muitas vezes sustentada pelos santos imperadores Constantino e Helena. Essa representação não é meramente histórica, mas profundamente teológica: ela indica que a fé cristã venceu o mundo (cf. Jo 16,33) pela obediência amorosa de Cristo até a morte e morte de cruz (cf. Fl 2,8). Constantino e Helena simbolizam, portanto, a vitória da Cruz sobre as trevas da idolatria e do pecado, a manifestação da “força de Deus” (1Cor 1,18) que transforma a fraqueza humana em instrumento de redenção.

A Cruz é o eixo de toda a iconografia cristã, o centro em torno do qual gravitam todos os mistérios da fé. Nela se realiza o Mistério Pascal, isto é, a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, pelas quais fomos reconciliados com o Pai e conduzidos à vida eterna. Como proclama São Paulo: “Nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos, mas poder de Deus e sabedoria de Deus para os que são chamados” (1Cor 1,23-24).

A presença da Cruz nos ícones e na vida da Igreja recorda constantemente que a glória dos santos nasce da participação na Paixão de Cristo. Todo discípulo é chamado a seguir o Mestre pelo mesmo caminho do amor oblativo: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24).

Assim, a santidade não é um privilégio humano, mas fruto da comunhão com o Cristo sofredor e ressuscitado. A coroa da glória só se conquista passando pelo lenho da Cruz. É neste mistério que os santos encontram sua verdadeira configuração com Cristo, participando do seu sofrimento para participarem também da sua glória (cf. Rm 8,17).

Os Padres da Igreja insistiram nessa íntima união entre Cruz e glória. São Leão Magno, em seu Sermão sobre a Ascensão (I,2), ensina: “Onde esteve a Cabeça, deve estar o Corpo; e onde precedeu a glória da Cabeça, é chamada a esperança do Corpo.” Com estas palavras, o santo doutor recorda que a Igreja, Corpo de Cristo, é chamada a participar da glória do Ressuscitado por meio da fidelidade à Cruz. O caminho do discípulo é o mesmo do Mestre: do Calvário à Ressurreição, do sofrimento à vida plena em Deus.

Os ícones, ao colocarem a Cruz no centro, proclamam visualmente o coração do Evangelho: a vitória da vida sobre a morte. A Cruz é, ao mesmo tempo, o trono e o altar de Cristo, o sinal visível do amor divino levado até o extremo (cf. Jo 13,1). Diante dela, o cristão é convidado não apenas à contemplação, mas à conversão, à conformidade com Aquele que, “tendo amado os seus, amou-os até o fim” (Jo 13,1).

Em suma, a Cruz é o símbolo por excelência da esperança cristã. É nela que os santos encontraram a força para perseverar, e é dela que brota a luz que ilumina o caminho de todos os fiéis. Contemplar a Cruz é, portanto, entrar no Mistério Pascal, participar da dinâmica do amor redentor e deixar-se transformar pela graça que dela irradia.

4. A Comunhão dos Santos: Unidade na Diversidade

Os santos são retratados em fileiras que refletem a diversidade dos dons e ministérios: apóstolos, mártires, confessores, doutores, monges, virgens e pastores. Essa disposição visual recorda a unidade da Igreja, Corpo de Cristo, na multiplicidade dos carismas (cf. 1Cor 12,4-27).

O Apocalipse descreve essa comunhão celeste: “eis uma multidão imensa, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, de pé diante do trono e do Cordeiro, vestidos de branco e com palmas nas mãos” (Ap 7,9).

O Catecismo ensina que “todos os que estão unidos a Cristo formam uma só Igreja, no céu, na terra e no purgatório” (CIC, §954). Essa comunhão transcende o tempo e o espaço, constituindo o mistério da Igreja una e indivisível, que vive simultaneamente em três estados: peregrina, purgante e gloriosa.

5. Dimensão Escatológica e Juízo Final

O ícone de Todos os Santos compartilha muitos elementos com o do Juízo Final, pois ambos remetem à plenitude da história da salvação e à esperança na Parusia. A presença dos quatro seres viventes e dos anjos (cf. Ap 4,6-8) reforça essa dimensão apocalíptica.

A visão iconográfica é um chamado à conversão, lembrando que o triunfo dos santos é fruto da fidelidade ao Evangelho e da perseverança até o fim (cf. Mt 24,13). Como adverte Santo Agostinho, “toda a vida do cristão é um exercício de desejo. Tu te tornarás aquilo que desejas, se desejares a Deus” (Comentário ao Salmo 37, sermão 2).

6. A Luz Divina e a Theosis

A mandorla de luz que envolve Cristo e os santos expressa a glória divina que transfigura os bem-aventurados. É o símbolo da theosis (divinização), a participação do homem na vida divina pela graça: “Pelas promessas de Cristo, nos tornamos participantes da natureza divina” (2Pd 1,4).

Os Padres gregos, como Santo Atanásio, formularam essa doutrina de modo lapidar: “o Filho de Deus se fez homem para que o homem se tornasse deus” (De Incarnatione Verbi, 54,3). Essa transformação não é mera metáfora, mas o destino último do homem redimido: a comunhão com a Santíssima Trindade. O ícone manifesta, portanto, a meta escatológica da existência humana, a glorificação do homem em Cristo.

7. A Intercessão dos Santos e a Obra do Espírito Santo

A comunhão dos santos é também uma comunhão de intercessão. Os santos, iluminados pelo Espírito Santo, participam da caridade divina e intercedem pela Igreja peregrina (cf. CIC, §956). Como escreve São Jerônimo, “Se os apóstolos e mártires, ainda em vida, podiam rogar por outros, quanto mais depois da vitória, quando estão coroados e mais unidos a Cristo” (Contra Vigilâncio, 6).

Na tradição espiritual moderna, São Siluano do Monte Atos e São Teófano, o Recluso, ensinam que o Espírito Santo é o laço invisível que une os santos do céu aos fiéis da terra, fazendo de toda a Igreja uma única comunhão de amor e oração.

8. O Céu como Templo e Liturgia Eterna

Por fim, o ícone apresenta o Céu como um grande templo, onde Cristo reina como Sumo Sacerdote e Cordeiro imolado (cf. Hb 9,11-12; Ap 5,6). A liturgia celeste, descrita por São João, é a mesma que a Igreja celebra sacramentalmente na terra: “Vi um trono no céu e alguém sentado sobre ele… e ao redor do trono, vinte e quatro anciãos vestidos de branco” (Ap 4,2-4).

O Concílio Vaticano II ensina que, na celebração da Eucaristia, “unimo-nos com a multidão dos santos e com todos os coros celestes, louvando a Deus em comunhão com eles” (Sacrosanctum Concilium, n. 8).
Assim, o ícone de Todos os Santos é uma janela para a eternidade: ele revela a unidade entre a liturgia terrestre e a liturgia celeste, entre o tempo e a eternidade, entre a Igreja peregrina e a Igreja gloriosa.

O ícone de Todos os Santos é, em essência, uma profissão de fé visual na vitória de Cristo e na esperança da ressurreição. Ele proclama a universalidade da salvação, a vocação à santidade e a comunhão indissolúvel dos filhos de Deus na glória.

Como ensina o Catecismo da Igreja Católica: “Quando veneramos a memória dos santos, não apenas os honramos, mas também procuramos seguir seus exemplos, a fim de participar da sua companhia” (CIC, §957).

Contemplar esse ícone é, portanto, um convite à conversão e à esperança. Ele recorda que a santidade não é privilégio de poucos, mas destino comum de todos os batizados, chamados a refletir, na terra, a luz da glória que brilha eternamente no Céu.

IGREJA CATÓLICA CELEBRARÁ A 9ª JORNARDA MUNDIAL DOS POBRES COM O TEMA “TU ÉS A MINHA ESPERANÇA”

De 9 a 16 de novembro de 2025, a Igreja Católica em todo o mundo celebrará a 9ª Jornada Mundial dos Pobres (JMP), que neste ano traz como tema “Tu és a minha esperança” (cf. Sl 71,5). Inspirada no convite bíblico à esperança, a iniciativa quer fortalecer o compromisso da Igreja com as pessoas em situação de vulnerabilidade, promovendo solidariedade, escuta e fraternidade.

No Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio da Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora (Cepast), incentiva dioceses, paróquias e comunidades a viverem não apenas o Dia Mundial dos Pobres, mas oito dias inteiros de mobilização. O objetivo é transformar o período em um tempo de oração, convivência e gestos concretos de amor junto aos mais necessitados.

Caridade e justiça

Mais do que uma ação assistencial, a Jornada é também um convite à escuta e ao aprendizado com aqueles que enfrentam a pobreza — uma realidade que afeta, de modo particular, pessoas negras e moradores das periferias urbanas, historicamente empurrados à exclusão social e econômica.

O Papa Leão XIV faz um chamado direto às comunidades católicas: agir com coerência e enfrentar as causas estruturais da pobreza, lembrando que “ajudar os pobres é uma questão de justiça, muito antes de ser uma questão de caridade”.

Caminho de esperança: orientações pastorais

Para auxiliar na vivência da Jornada, a Comissão elaborou um subsídio pastoral com orientações, propostas de ação, a mensagem do Papa Leão XIV e sugestões de atividades comunitárias. O material convida toda a Igreja a transformar este momento em uma oportunidade não só de ajudar, mas também de reconhecer nos pobres o rosto de Cristo.

“Queremos que as ações não se limitem apenas ao Dia Mundial do Pobre. Por isso, o subsídio também traz propostas para o pós-jornada. Contamos com a participação e o engajamento de todos neste momento forte da Igreja, instituído pelo Papa Francisco no encerramento do Ano da Misericórdia, em 2016, e que agora segue com o Papa Leão XIV”, destaca Alessandra Miranda, assessora da Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora.

“Aproveitem o material, mobilizem suas comunidades e grupos, e venham somar nesse grande mutirão de solidariedade que, com certeza, será mais uma vez abraçado por todo o Brasil”, conclui a assessora da CNBB.


27º DOMINGO DO TEMPO COMUM: REAVIVAR O DOM DA FÉ

Domingo, 5 de Outubro de 2025
27º Domingo do Tempo Comum, Ano C

A liturgia deste Domingo nos apresenta uma oração que poderia facilmente sair do nosso próprio coração: “Senhor, aumenta a nossa fé”. Os apóstolos fizeram essa súplica porque perceberam como sua fé era pequena diante das provações. Eles tinham visto Jesus falar com autoridade, curar os doentes, saciar os famintos e perdoar os pecadores. Mesmo assim, ao olharem para si mesmos, sentiram-se frágeis e limitados. Por isso, pediram com humildade: “Senhor, aumenta a nossa fé”.

Quantas vezes nós também repetimos essa oração em momentos de dúvida, sofrimento ou incerteza. Quantas vezes sentimos que nossa fé é pequena, fraca ou facilmente abalada. E Jesus responde com uma imagem surpreendente: mesmo uma fé do tamanho de um grão de mostarda pode realizar o impossível. Em outras palavras, não é a quantidade da fé que importa, mas a sua autenticidade. A fé não é magia, é confiança em Deus.

Três pontos para nossa reflexão hoje:

Primeiro, a fé cresce quando levamos nossas perguntas a Deus. Na primeira leitura, o profeta Habacuc clama: Até quando devo gritar a ti: “Violência!”, sem me socorreres?” Essas não são palavras educadas, mas o grito de um crente escandalizado com o mal ao seu redor.

Hoje vemos guerras que destroem nações, famílias divididas por conflitos, crianças com fome enquanto outros desperdiçam, e pessoas abandonadas em sua dor. Quando a vida nos fere, nossa primeira reação é perguntar: “Senhor, onde estás? Por que não intervéns?” Mas Habacuc não foge de Deus. Ele não fecha o coração na amargura. Ele leva suas dúvidas e queixas diretamente ao Senhor. Isso já é um ato de fé.

Há uma história de um menino que plantou uma pequena semente num vaso. Todas as manhãs ele a regava, mas os dias passavam e nada aparecia. Desanimado, disse ao pai: “Acho que a semente morreu”. O pai respondeu, “Tenha paciência. Mesmo quando você não vê nada, algo está acontecendo debaixo da terra”. Poucos dias depois, surgiu o primeiro broto verde.

Assim é a fé. Deus pode parecer silencioso, mas nunca está ausente. Mesmo quando não vemos nada, Deus continua agindo. Debaixo da superfície, Sua graça continua agindo. A fé não elimina as perguntas, mas confia no tempo de Deus e espera com paciência.

Segundo, a fé é um dom que precisa ser reavivado. Na segunda leitura, São Paulo escreve a Timóteo: “Reavivar a chama do dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos”. A fé é um dom, sim, mas também uma responsabilidade. Não é algo para ser guardado, mas um fogo que precisa ser alimentado e cuidado.

Um homem guardava em casa um velho violão herdado do pai. Com o tempo, ele foi deixando o instrumento de lado. A poeira cobriu as cordas e o som se perdeu. Um dia, ao arrumar o quarto, ele decidiu limpar o violão e afiná-lo novamente. Quando dedilhou as primeiras notas, um som doce encheu o ambiente. Ele disse, “Eu pensei que ele tivesse perdido a voz”. Na verdade, o violão nunca perdeu o som; apenas precisava ser tocado outra vez.

A fé é assim. Às vezes parece adormecida, esquecida no meio das preocupações. Mas quando voltamos a rezar, a ouvir a Palavra, a servir com amor, ela volta a vibrar dentro de nós. Deus não retira o dom da fé, apenas espera que o afinemos de novo, para que sua música volte a encher a nossa vida de sentido.

Por fim, a fé se manifesta no serviço humilde. No Evangelho, Jesus ensina: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”. Essas palavras não diminuem o valor do nosso esforço, mas libertam o coração de toda busca por recompensa. O verdadeiro discípulo serve por amor, não por interesse.

A fé autêntica não se mede por milagres ou grandes feitos, mas pelo amor silencioso que se vive nas pequenas coisas do dia a dia. Ela se revela na mãe que cuida com ternura dos filhos, na enfermeira que consola o doente, no trabalhador que age com honestidade, no sacerdote ou na religiosa que serve com alegria mesmo sem ser notado. Esses gestos simples e escondidos são as flores mais belas da fé.

Como diz o ditado: “A fé move montanhas”. Mas, muitas vezes, Deus a usa para mover o nosso coração em direção ao próximo. A fé viva não fica nas palavras. Ela transforma atitudes, abre os olhos e nos faz servir com amor, certos de que Deus vê e abençoa tudo o que é feito com sinceridade.

Hoje o Senhor nos assegura que mesmo uma fé do tamanho de um grão de mostarda pode transformar vidas. A força da fé não vem de nós, mas daquele em quem confiamos. Como Habacuc, levemos a Deus nossas lutas e perguntas, como Timóteo, reavivemos o dom da fé todos os dias, com oração e perseverança e como servos fiéis, vivamos nossa fé em gestos simples de amor. Amém.

Texto de:

Pe. Reymel Juanillo Ramos, ssp
Capelão da Casa Provincial e Casa Marta e Maria das Irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre.
Mestre dos Aspirantes Paulinos.

RETIRO MENSAL DE OUTUBRO DE 2025

A Família Paulina é chamada a se reunir, em cada primeiro domingo do mês, para recordar e celebrar Jesus Mestre, Caminho, Verdade e Vida.

Neste mês de outubro, o convite ganha uma conotação ainda mais especial: todo o mês é dedicado a Jesus Divino Mestre, cuja Solenidade celebraremos no último domingo do mês.

O roteiro deste Retiro Mensal do Mês de Outubro contempla os textos deste 27º Domingo do Tempo Comum (Ano C) que nos ajudam a mergulhar na caminhada da comunidade cristã. A Palavra nos convida a reavivar a fé, perseverar na esperança e testemunhar com coragem o Evangelho em nossa vida diária.

“Senhor, aumenta a nossa fé!” (Lc 17,5)

Convidamos todos os que desejarem rezar conosco a participar deste momento de espiritualidade e silêncio, deixando-se guiar pela luz do Mestre Divino.

📖 O roteiro do Retiro, preparado pelo Secretariado da Espiritualidade PDDM, está disponível em PDF para ser rezado individualmente ou em comunidade:

👉 Clique aqui para acessar o Retiro do mês de outubro de 2025 (PDF)

Que este mês dedicado a Jesus Mestre renove em nós a fé, a esperança e o ardor missionário!


LITURGIA DO DIA: MEMÓRIA DE SÃO JERÔNIMO, BISPO E DOUTOR DA IGREJA

26ª Semana do Tempo Comum

Leituras: Zc 8,20-23 | Sl 86(87),1-3.4-5.6-7 (R. Zc 8,23) | Lc 9,51-56

Reflexão da Liturgia do Dia

O evangelho de hoje (Lc 9,51-56) mostra Jesus decidido a ir para Jerusalém, lugar do cumprimento de sua missão pascal. Ele não se deixa abalar pela rejeição dos samaritanos, nem cede ao ímpeto de vingança sugerido por Tiago e João. O Senhor ensina que o caminho do discípulo não é o da violência, mas o da fidelidade e da entrega amorosa, mesmo quando encontra incompreensão ou hostilidade.

Este trecho marca um ponto de virada no evangelho de Lucas. Até aqui, Jesus havia realizado sinais, ensinado às multidões e formado seus discípulos. No versículo 51, lemos: “Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o céu. Então ele tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”. Aqui temos duas perspectivas importantes: Jerusalém é o lugar do cumprimento da sua missão: paixão, morte, ressurreição e ascensão. E também a “subida” não é apenas geográfica, mas teológica: é o caminho da obediência ao Pai.

No caminho, Jesus passa pela Samaria. Os samaritanos, por causa das tensões históricas com os judeus (antiga rivalidade sobre o local do culto), não o acolhem. Tiago e João, cheios de zelo, querem invocar o fogo do céu contra eles, lembrando talvez do episódio do profeta Elias (cf. 2Rs 1,10-12). Mas Jesus os repreende.

Na perspectiva teológico-litúrgica, este trecho nos coloca diante da Cristologia do caminho. A liturgia apresenta Jesus como o Servo obediente, que, em plena liberdade, assume a vontade do Pai e não se desvia da missão que lhe foi confiada. A decisão firme de partir para Jerusalém não é apenas um deslocamento geográfico, mas um movimento espiritual e teológico: é o caminho da entrega total, no qual a cruz se torna passagem necessária para a ressurreição e para a glória.

Esse “caminho” revela o rosto de um Messias que não busca triunfos fáceis nem evita a rejeição, mas que se define pelo amor radical e pela misericórdia. Em contraste com a atitude dos discípulos, que desejam recorrer ao fogo do céu para punir os que não acolhem o Mestre, Jesus indica uma nova lógica: a da não-violência, do perdão e da paciência. Assim, o discipulado cristão só se compreende à luz desse itinerário pascal, no qual a centralidade da cruz não é sinal de derrota, mas de fidelidade e de vitória do amor.

Na liturgia, essa dimensão do caminho se transforma em convite permanente para a comunidade: celebrar a Eucaristia é unir-se a Cristo que se oferece no altar como na cruz, e que nos chama a segui-lo na obediência, na perseverança e na esperança. Cada fiel é convidado a “subir com Ele a Jerusalém”, assumindo também os desafios da missão, sustentado pela certeza de que, ao final do caminho, está a vida nova da ressurreição.

Este evangelho também abre uma perspectiva eclesiológica muito clara. A missão da Igreja é universal e deve se manifestar sempre pela misericórdia. Diante do fechamento e da rejeição, a comunidade cristã não pode responder com intolerância ou violência, mas com perseverança e testemunho de amor. A Igreja é chamada a levar a Boa-Nova a todos os povos, mesmo quando encontra oposição, sem impor-se, mas oferecendo a fé como dom e convite. A liturgia ilumina esse ponto ao colocar em diálogo o evangelho com a profecia de Zacarias (1ª leitura), que anuncia o tempo em que “dez homens de todas as línguas agarrarão a orla da veste de um judeu e dirão: queremos ir contigo, pois ouvimos dizer que Deus está contigo”. Assim, a Palavra mostra que a salvação é para todos e que a Igreja é sinal desse projeto de comunhão universal.

Outro aspecto fundamental é a espiritualidade do discipulado. Tiago e João encarnam o risco do falso zelo, que confunde missão com poder e usa a violência como resposta ao não acolhimento. Jesus, ao repreendê-los, corrige essa visão e aponta a verdadeira identidade do discípulo: seguir o Mestre significa assumir a mansidão, a paciência e a lógica do amor. O fogo que consome não é o da vingança, mas o do Espírito que aquece os corações e transforma vidas. A liturgia nos convida, portanto, a rever nossas próprias atitudes diante das dificuldades da missão: não é a força que convence, mas a coerência com a cruz de Cristo. A paciência, a perseverança e o testemunho humilde são os sinais do verdadeiro seguidor do Senhor.

Em síntese, o brano de Lc 9,51-56, dentro da liturgia, inaugura o grande caminho de Jesus para Jerusalém. É uma catequese sobre decisão, rejeição e misericórdia.

  • Decisão: Jesus não hesita em cumprir a vontade do Pai.
  • Rejeição: o Evangelho pode ser recusado, e isso faz parte da missão.
  • Misericórdia: a resposta cristã não é condenação, mas perseverança no amor.

Assim, a perspectiva teológico-litúrgica é clara: Cristo caminha para entregar a vida por todos; a Igreja, unida a Ele, deve percorrer o mesmo caminho, renunciando à violência e testemunhando a misericórdia de Deus.

Portanto, na liturgia do dia, somos chamados a contemplar essa firmeza de Jesus e a aprender que, para seguir seus passos, precisamos cultivar paciência, misericórdia e perseverança. Muitas vezes, o anúncio do Evangelho encontra resistência, mas a resposta cristã deve sempre ser marcada pelo testemunho da paz e do amor que vem de Deus.

A primeira leitura (Zc 8,20-23) anuncia que povos de todas as nações buscarão o Senhor em Jerusalém. Essa profecia se cumpre em Cristo, que reúne em si a salvação para todos. Já o salmo recorda que todos os povos são chamados a fazer parte da cidade santa. Assim, a liturgia do dia nos faz olhar para a universalidade da missão da Igreja: acolher todos, sem distinção, no amor de Deus.

São Jerônimo e a Palavra de Deus

Hoje celebramos São Jerônimo, presbítero e doutor da Igreja, conhecido especialmente por sua dedicação às Sagradas Escrituras. Ele traduziu a Bíblia para o latim (a chamada Vulgata), tornando a Palavra de Deus acessível ao povo de seu tempo.

Neste 30 de setembro, encerrando o Mês da Bíblia 2025, dedicado ao estudo da Carta aos Romanos, a memória de São Jerônimo nos recorda a importância de amar, estudar e viver a Palavra de Deus. Assim como ele se deixou transformar pela Escritura, também somos convidados a deixar que a Palavra ilumine nossas escolhas e nos ajude a caminhar com firmeza na fé, com a mesma decisão de Cristo rumo a Jerusalém.

Vida de São Jerônimo (c. 347–420)

Jerônimo nasceu por volta do ano 347, em Estridão, região da Dalmácia (atual Croácia ou Eslovênia). Desde jovem, demonstrou grande inteligência. Foi enviado a Roma para estudar, onde se destacou como aluno aplicado em gramática, retórica e filosofia. Embora levasse inicialmente uma vida voltada para os prazeres, foi profundamente tocado pela experiência da fé. Batizado na juventude, começou a dedicar-se intensamente à vida cristã.

Após viagens pelo Oriente, Jerônimo optou por uma vida de penitência e oração no deserto da Síria. Ali, mergulhou no estudo das Escrituras, aprendendo grego e hebraico para melhor compreender os textos bíblicos. Em 382, foi chamado a Roma e se tornou secretário do Papa Dâmaso I. A pedido dele, iniciou uma tarefa monumental: revisar e traduzir a Bíblia para o latim. Essa tradução ficou conhecida como Vulgata, e por séculos foi a versão oficial da Igreja.

Depois da morte do Papa, Jerônimo mudou-se para Belém, onde fundou um mosteiro. Ali, viveu até sua morte, dedicando-se à oração, ao estudo bíblico e à escrita. Faleceu em 30 de setembro de 420, em Belém.

Contribuições de São Jerônimo:

A Vulgata, sua tradução da Bíblia para o latim, tornou-se um marco na história da Igreja. Com ela, São Jerônimo ofereceu à comunidade cristã de seu tempo uma Palavra acessível, clara e compreensível, permitindo que a Escritura fosse rezada, estudada e vivida por todos.

No campo do estudo bíblico, destacou-se como pioneiro da exegese cristã. Com dedicação incansável, aprofundou-se nas línguas originais: o hebraico e o grego, para captar a riqueza e a fidelidade do texto sagrado.

Seus escritos (cartas, comentários bíblicos e tratados) permanecem até hoje como fonte preciosa para a teologia, a espiritualidade e a vida pastoral, testemunhando a profundidade de seu pensamento e a força de sua fé.

Mas é sobretudo no seu testemunho de amor à Palavra que resplandece sua herança espiritual. Ele mesmo sintetizou essa paixão numa frase que atravessa os séculos: “Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo.”

São Jerônimo era um homem de temperamento forte, mas de coração totalmente entregue a Deus. Sua vida mostra que a fidelidade à Palavra exige esforço, estudo e dedicação, mas também humildade diante do mistério de Deus. É considerado Padroeiro dos estudiosos da Bíblia, dos tradutores e dos que se dedicam ao aprofundamento das Escrituras.

Rezar com o ícone de São Jerônimo

Ao contemplar o ícone de São Jerônimo, somos convidados a entrar no silêncio do deserto interior. O santo aparece como eremita, de barba branca e olhar profundo, lembrando-nos que a verdadeira sabedoria nasce da escuta de Deus.

O fundo dourado revela que sua vida foi transfigurada pela luz divina: quem se deixa conduzir pela Palavra participa já da glória do Senhor. As vestes marrons recordam sua humildade e penitência, a terra que acolhe a semente do Espírito. O livro em vermelho nos fala do ardor e da paixão com que ele amou as Escrituras, oferecendo sua vida ao serviço da Igreja. O branco de seus cabelos e barba é sinal da pureza e da maturidade espiritual que brotam da fidelidade.

O livro aberto em suas mãos é a Palavra de Deus, que ele traduziu e meditou, tornando-se para a Igreja um mestre e doutor. Ao rezar diante deste ícone, podemos pedir a graça de amar mais profundamente as Escrituras, deixando que elas transformem nosso coração.

O leão aos seus pés recorda a lenda de sua compaixão: quem acolhe até a dor das criaturas mais temidas, acolhe também a própria humanidade ferida. Rezar com este detalhe do ícone nos convida a pedir a virtude da misericórdia e da coragem. O leão ao seu lado faz referência à famosa lenda segundo a qual Jerônimo retirou um espinho da pata de um leão, que depois se tornou seu companheiro fiel.

As vestes simples e o rochedo indicam desapego, penitência e vida ascética. São Jerônimo nos lembra que a busca pela verdade exige humildade, disciplina e silêncio.

Rezar diante do ícone de São Jerônimo é deixar-se conduzir por sua memória e testemunho. É pedir o dom de um amor sempre renovado pela Palavra de Deus, que ilumina e orienta cada passo. É suplicar a sabedoria que brota da escuta atenta e obediente, capaz de discernir a vontade divina nas pequenas e grandes escolhas da vida. É buscar a coragem para viver na fidelidade, mesmo quando o caminho exige renúncias e firmeza interior. E é, por fim, abrir o coração à compaixão diante das feridas do mundo, para que a Palavra acolhida se torne gesto de cuidado, justiça e misericórdia.

Que o mesmo Espírito que guiou São Jerônimo no deserto e no estudo das Escrituras, nos guie também no caminho da oração e da vida cristã.

O MÊS DE SETEMBRO À LUZ DA LITURGIA DOMINICAL

A liturgia nos propõe, a cada domingo, um verdadeiro itinerário espiritual. O Ano Litúrgico não é apenas uma sucessão de festas ou memórias, mas um caminho de discipulado, em que somos introduzidos progressivamente no mistério pascal de Cristo. As leituras bíblicas proclamadas, em sintonia com as orações e gestos celebrativos, não apenas recordam acontecimentos passados, mas tornam-se hoje Palavra viva que nos forma e nos transforma.

O Papa Francisco recorda, na Desiderio Desideravi, que “a liturgia é o lugar privilegiado do encontro com Cristo” (n. 11). Esse encontro não é abstrato, mas concreto, porque “a fé cristã é uma relação viva com Ele” (n. 10). Por isso, a liturgia não nos entrega apenas ensinamentos morais ou lembranças históricas, mas nos conduz por um caminho de experiência: somos colocados dentro do Mistério, para dele participar com todo o nosso ser.

Dessa forma, cada domingo nos foi oferecendo, neste mês de setembro, um passo no seguimento de Cristo. A pedagogia da Palavra e dos ritos nos ensinou que a vida cristã é exigência de renúncia, é encontro com a Cruz como fonte de salvação, é discernimento nas escolhas concretas do uso dos bens, e é compromisso definitivo com a justiça e a vida eterna.

Perguntemo-nos, então: como acolhemos esse caminho espiritual que a liturgia nos propôs ao longo do mês? A revisão não é mero exercício de memória, mas um ato de fé: reconhecer que a Palavra ouvida e celebrada continua agindo em nós. Como afirma a Desiderio Desideravi, “cada celebração é uma escola de vida cristã” (n. 37), na qual somos continuamente educados pelo Espírito Santo.

Assim, olhar para o mês de setembro sob a luz do Ano Litúrgico é perceber que não caminhamos sozinhos: é Cristo quem nos conduz. A cada domingo, fomos convidados a entrar um pouco mais no mistério do seu amor, para que nossa vida, transformada pela liturgia, se torne também lugar de anúncio e testemunho.

O mês de setembro de 2025 foi marcado por uma profunda pedagogia espiritual, que nos convidou a contemplar o seguimento de Cristo em suas exigências concretas, em sua centralidade pascal e em sua força transformadora diante das estruturas do mundo.

No 23º Domingo do Tempo Comum (7 de setembro), Jesus apresentou as condições do discipulado: carregar a cruz, desapegar-se, discernir com sabedoria e colocar-se em total confiança diante de Deus (Lc 14,25-33). A 1ª leitura (Sb 9,13-18) lembrava nossa incapacidade de compreender plenamente os caminhos de Deus sem o dom do Espírito. O caminho de fé aparece, assim, como decisão radical e sustentada pela graça.

No domingo seguinte (14 de setembro), celebramos a Exaltação da Santa Cruz, centro de nossa fé. O hino de Filipenses (Fl 2,6-11) recordou que o caminho da obediência até a cruz é o que leva à exaltação. O evangelho (Jo 3,13-17) mostrou que a cruz não é derrota, mas sinal do amor redentor de Deus. Aqui, o que antes parecia exigência dura (carregar a cruz) revela seu sentido: é na cruz que encontramos a salvação.

No 25º Domingo (21 de setembro), a liturgia nos confrontou com o uso dos bens materiais. O evangelho do administrador infiel (Lc 16,1-13) nos provocou a pensar: em quem colocamos nossa confiança — em Deus ou nas riquezas? A 1ª leitura de Amós (8,4-7) denunciava a exploração dos pobres, e Paulo (1Tm 2,1-8) pedia oração por todos, para que se viva em paz e dignidade. Assim, a cruz de Cristo não pode ser dissociada da vida concreta: seguir Jesus exige opções econômicas, sociais e espirituais coerentes.

Por fim, no 26º Domingo (28 de setembro), a parábola do rico e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31) retomou o mesmo tema, mas agora de forma definitiva e escatológica. A justiça de Deus não falha: a indiferença diante do sofrimento do outro fecha o coração e conduz à perdição. Amós (6,1a.4-7) já havia criticado os que viviam no luxo indiferentes à miséria. Paulo, na 2ª leitura (1Tm 6,11-16), exortava Timóteo a perseguir a justiça, a fé e a mansidão, na esperança da manifestação gloriosa de Cristo.

O caminho teológico-litúrgico de setembro

O mês nos conduziu de um discipulado exigente (renúncia, cruz, discernimento) à contemplação da cruz como fonte de vida, passando pela denúncia da idolatria da riqueza e da indiferença social, para finalmente mostrar o juízo de Deus como confirmação da seriedade dessas escolhas.

  • A cruz é o eixo central: primeiro como condição (7/9), depois como glória (14/9).
  • A vida social e econômica é lugar de fidelidade a Cristo: denunciar a exploração e viver com justiça (21/9 e 28/9).
  • O discipulado autêntico implica carregar a cruz, assumir a lógica do amor e da entrega, e transformar a vida concreta à luz do Reino.

Em setembro, a liturgia nos ajudou a celebrar que a fé cristã não é apenas uma adesão interior, mas um caminho que une sabedoria, cruz e justiça. O discípulo é chamado a seguir o Senhor que se humilhou até a morte e, por isso, foi exaltado.

E você, como viveu este mês de setembro? O que assimilou com o coração destas liturgias dominicais tão ricas?

Concretamente, a liturgia nos fez viver a passagem da decisão pessoal ao horizonte da alteridade, sempre iluminados pela cruz de Cristo. O itinerário espiritual deste mês nos educou a compreender que a fé não se reduz a uma escolha íntima ou individualista, mas se abre necessariamente ao outro: aquele que está ao nosso lado, sobretudo o pobre, o pequeno e o vulnerável. A alteridade, neste sentido, é a medida da autenticidade do discipulado, porque nos lembra que não se pode amar a Deus sem reconhecer e servir o irmão. Como afirma a Desiderio Desideravi, “a liturgia é a participação no modo de ser de Cristo” (n. 41), e o modo de ser de Cristo é totalmente oblativo: Ele viveu em relação, em entrega e em comunhão, chamando-nos a viver a mesma dinâmica de saída de si em direção a Deus e aos outros.

Texto escrito pela Ir. Julia de Almeida, pddm.

COMO PREPARAR A LITURGIA

Celebrar a liturgia é celebrar a vida com Deus. Quando nos reunimos para a missa ou para outro momento de oração comunitária, é Jesus quem está no centro, conduzindo sua Igreja. Por isso, preparar bem a liturgia é um serviço precioso: ajuda a comunidade a rezar, a participar com alegria e a se sentir mais próxima do Senhor.

Não se trata apenas de “organizar quem faz o quê”, mas de colocar amor em cada detalhe, para que toda a assembleia experimente o mistério da fé. A seguir, veremos alguns passos práticos que ajudam a preparar a liturgia de forma simples e bonita.

1. Começar lembrando quem é o centro da celebração

Às vezes, podemos cair na tentação de pensar que a missa depende de nós. Mas é importante lembrar: o verdadeiro protagonista é Cristo. Ele se faz presente pela Palavra proclamada, pelo pão e vinho consagrados, pela comunidade reunida.

Por isso, quando preparamos uma celebração, não é para “inventar” algo novo, mas para acolher o que a Igreja nos propõe e viver de maneira consciente. Cada tempo litúrgico tem sua riqueza:

  • No Advento, vivemos a espera pelo Salvador;
  • Na Quaresma, somos convidados à conversão;
  • No Tempo Pascal, celebramos a vitória da vida sobre a morte;
  • No Tempo Comum, crescemos na esperança e no seguimento diário de Jesus.

Preparar a liturgia é deixar que Cristo brilhe mais do que nós.

2. Rezar com a Palavra de Deus

A missa sempre tem leituras próprias, escolhidas pela Igreja. Para preparar bem, é muito bom que a equipe litúrgica leia esses textos com antecedência. Não só para distribuir quem vai ler, mas para deixar que a Palavra toque nosso coração.

Quando meditamos antes sobre a primeira leitura, o salmo, a segunda leitura e o Evangelho, percebemos melhor a ligação entre elas. Assim, até os cantos, os comentários e a própria participação da assembleia ganham mais sentido.

Um exemplo simples: se o Evangelho fala de Jesus como o Bom Pastor, os cantos e os gestos podem reforçar essa imagem de cuidado e ternura de Deus.

3. Formar e organizar a equipe

Ninguém celebra sozinho. A liturgia é da comunidade, e por isso vários ministérios entram em ação:

  • Leitores: proclamam a Palavra;
  • Salminista: canta o salmo de forma responsorial;
  • Acólitos e coroinhas: ajudam no altar;
  • Ministros da comunhão: distribuem o Corpo de Cristo;
  • Cantores e músicos: sustentam a oração cantada.

Estes são alguns dos ministérios. Existem outros.

É bom que todos saibam com antecedência sua missão e que haja ensaio quando necessário. Mais importante ainda é que cada serviço seja feito com humildade, lembrando que se trata de servir a Deus e à comunidade.

4. Escolher bem os cantos litúrgicos

O canto não é um enfeite: ele faz parte da liturgia. Por isso, deve estar em sintonia com o tempo e o momento da celebração. O que importa não é se a música é bonita apenas para quem canta, mas se ajuda toda a comunidade a rezar.

O canto litúrgico faz parte da celebração e tem função própria dentro dela. Outros cantos religiosos ajudam a rezar e a expressar a fé, mas não são feitos para o rito da missa. Cada um tem o seu lugar!

Existe sim a diferença entre os cantos litúrgicos e outras músicas. Primeiro porque o canto litúrgico tem uma finalidade. Ele faz parte da celebração. Não é apenas para “embelezar” a missa, mas ajuda a rezar e a participar melhor do mistério que está sendo celebrado. Cada canto tem uma função própria dentro da liturgia (entrada, ato penitencial, glória, salmo, ofertório, santo, comunhão, ação de graças, envio…). Outros cantos religiosos ou de devoção podem expressar fé e amor a Deus, mas não foram feitos para o rito da missa. São ótimos para momentos de oração pessoal, grupos de jovens, encontros de catequese, procissões, adoração, retiros etc., mas não são para a finalidade de celebrar o mistério de Cristo.

Outro ponto importante é que o canto litúrgico tem uma ligação com a Palavra de Deus e o tempo litúrgico. Assim, o canto litúrgico deve estar em sintonia com as leituras do dia e com o tempo litúrgico (Advento, Natal, Quaresma, Páscoa, Tempo Comum).

E por fim, o canto litúrgico é pensado para ser assembleico, ou seja, para que toda a comunidade possa cantar junto, e não só ouvir. A Constituição Sacrosanctum Concilium (Concílio Vaticano II) afirma que a liturgia é “ação de Cristo e do povo de Deus”. Isso significa que não é o padre sozinho, nem o grupo de canto sozinho, que celebram. É toda a comunidade reunida que celebra o mistério da fé. Logo, o canto litúrgico precisa traduzir essa dimensão comunitária: é a voz da Igreja que canta.

É claro que existe o ministério do grupo de canto ou do coral, que tem uma missão especial. Mas o papel desse ministério não é substituir a assembleia, e sim animar, sustentar e guiar o canto comum. O coro ou o solista pode, em alguns momentos, entoar uma parte sozinho, mas sempre de modo a favorecer a resposta do povo e não a apagar sua voz.

A Igreja pede que na missa se usem cantos litúrgicos, porque eles foram compostos para servir à liturgia. Isso não significa que os outros cantos sejam ruins, apenas que têm lugar em outros momentos de oração e devoção, e não dentro da missa.

5. Preparar o espaço sagrado

O espaço da celebração também fala de Deus. O altar, o ambão e a cadeira presidencial são os lugares principais. Mas todo o ambiente deve ajudar a assembleia a entrar em clima de oração.

As flores, as toalhas, as velas e até o uso das cores litúrgicas transmitem uma mensagem. Por exemplo:

  • O verde no tempo comum lembra a esperança e o crescimento na fé;
  • O roxo convida à penitência e à preparação;
  • O branco e o dourado expressam alegria e festa;
  • O vermelho recorda o Espírito Santo e os mártires.

Quando cuidamos do espaço com simplicidade e beleza, mostramos que acreditamos no mistério que celebramos.

6. Atenção aos gestos e ritos

Os gestos também são linguagem. Uma procissão de entrada bem organizada, uma proclamação da Palavra feita com clareza, a apresentação do pão e do vinho de forma solene, tudo isso ajuda a assembleia a mergulhar no mistério.

Por isso, vale a pena ensaiar antes, principalmente em celebrações mais festivas, como a Páscoa ou a Primeira Comunhão. Não se trata de buscar perfeição teatral, mas de transmitir dignidade e simplicidade. Assim, a atenção não se volta para os erros, mas para Jesus, que está no centro.

7. Viver o espírito de oração

Tudo o que foi dito até aqui só faz sentido se for vivido em espírito de oração. Preparar a liturgia não é só cumprir tarefas, mas servir a Deus com amor.

É muito bonito quando a equipe se reúne antes para um breve momento de oração, pedindo luz ao Espírito Santo. Assim, cada detalhe preparado será expressão de fé. A assembleia percebe quando há esse clima de espiritualidade e reza com mais fervor.

8. Avaliar e aprender sempre

Depois da celebração, é realmente importante reservar alguns minutos para avaliar. Isso ajuda a comunidade e a equipe de liturgia a crescer: observar o que funcionou bem, onde houve dificuldades, como foi a participação da assembleia. Esse exercício é saudável, mas carrega um risco: ficar apenas no plano do fazer técnico, como se a liturgia fosse só uma questão de execução correta ou de organização eficiente.

O Papa Francisco, na carta apostólica Desiderio Desideravi, adverte contra essa visão reducionista. A liturgia não é “um espetáculo” que precisa apenas de bons atores e de um público atento. A liturgia é mistério: é Cristo que age, e nós somos envolvidos pela sua ação salvadora. Por isso, avaliar não pode ser apenas perguntar: “cantamos bem?”, “as leituras foram claras?”, “a procissão saiu organizada?”. Essas questões são importantes, mas não bastam.

A equipe de liturgia precisa se perguntar algo mais profundo: celebramos bem? Não no sentido técnico, mas espiritual: Eu me deixei tocar pelo mistério? Vivi de coração aquilo que celebramos? Saí diferente desta celebração?

Aqui entra o caminho da mistagogia. Avaliar a liturgia é também aprender com a própria experiência celebrativa. A mistagogia não é apenas uma explicação intelectual dos ritos, mas um mergulho: deixar-se conduzir pelos sinais, gestos e palavras, e perceber o que o Espírito Santo realizou em mim e na comunidade.

O Papa Francisco insiste que precisamos redescobrir a capacidade de nos maravilharmos diante da ação de Deus na liturgia. Avaliar, então, não pode ser só revisar erros ou acertos externos, mas cultivar a memória espiritual: onde experimentei a presença do Senhor? Como a Palavra falou ao meu coração? O canto comunitário fortaleceu minha fé? A comunhão me fez sentir mais unido aos irmãos?

Essa avaliação mistagógica é fundamental para que a equipe de liturgia não caia na tentação de ser apenas “organizadora de tarefas”. Ela é chamada a ser escola de oração e de comunhão, ajudando todos a celebrarem melhor, a mergulharem no mistério pascal que se atualiza em cada liturgia.

Portanto, uma boa prática pode ser:

  1. Avaliar o fazer (parte técnica e organizativa);
  2. Avaliar o celebrar (como foi a vivência espiritual);
  3. Avaliar o fruto (o que mudou em mim e na comunidade após a celebração).

Dessa forma, a liturgia se torna também formadora: ensina pelo próprio acontecer, educa o coração e transforma a vida.

Preparar e celebrar a liturgia!

Preparar a liturgia é preparar um encontro de amor entre Deus e seu povo. Isso pede cuidado, oração, simplicidade e dedicação. Quando tudo é feito com carinho, a celebração se torna um espaço de encontro verdadeiro com Jesus, que nos alimenta com sua Palavra e com seu Corpo e Sangue.

A comunidade, então, sai fortalecida, cheia de esperança, pronta para testemunhar no dia a dia aquilo que celebrou. Porque a liturgia não termina na igreja: continua na vida de cada cristão.

Texto escrito por Ir. Julia de Almeida, pddm. Ela é irmã Pia Discípula do Divino Mestre e Mestre em Comunicação e Semiótica.


CATEQUESE LITÚRGICA: 26ª DOMINGO DO TEMPO COMUM

📍 Acompanhe o Quadro Catequese Litúrgica – 26º Domingo do Tempo Comum, com a Irmã Cidinha Batista, pddm. Uma produção das irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre.

Domingo, 28 de Setembro de 2025 | 26º Domingo do Tempo Comum, Ano C
Leituras: Am 6,1a.4-7 | Sl 145(146),7.8-9a.9bc-10 (R. 1) | 1Tm 6,11-16 | Lc 16,19-31

Como preparar a liturgia na comunidade

Preparar a liturgia é muito mais do que organizar funções ou escolher músicas: é entrar no mistério de Deus e ajudar a comunidade a viver, de forma plena, o encontro com o Senhor no Dia do Senhor.

O quadro Catequese Litúrgica nasceu justamente para apoiar as equipes de liturgia nesse processo. A cada episódio, Ir. Cidinha convida a dar o primeiro passo fundamental: acolher a Palavra. Ler o Evangelho e as demais leituras propostas para o domingo é o ponto de partida para toda a preparação, pois é da escuta atenta da Palavra que brotam as escolhas, os gestos e as orações que darão vida à celebração.

Ao refletir juntos sobre os textos bíblicos, a equipe aprofunda a compreensão do mistério celebrado e ajuda a comunidade a rezar melhor. Depois, tudo o que se prepara – cantos, comentários, símbolos, orações – deve estar em sintonia com essa Palavra que ilumina o domingo.

E na sua comunidade?

  • Como vocês preparam a liturgia?
  • De que forma a Palavra de Deus inspira a vida e a missão de vocês?

O convite é simples e profundo: deixar-se conduzir pela Palavra, para que cada celebração seja sempre um verdadeiro encontro com Cristo vivo, no coração da comunidade.