DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA: MEMÓRIA, RESISTÊNCIA E COMPROMISSO COM A IGUALDADE

O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é mais do que uma data no calendário: é um marco de memória, reconhecimento e responsabilidade social. Criado para valorizar a história, a cultura e a contribuição da população negra para o Brasil, o dia também nos convida a olhar de frente para as desigualdades raciais que ainda persistem. Sua escolha está ligada à morte de Zumbi dos Palmares, símbolo maior da resistência contra a escravidão, e ao trabalho contínuo do Movimento Negro brasileiro, que transformou memória em consciência política.

A origem da data: da história à ação política

O 20 de novembro marca o assassinato de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, morto em 1695 após longa perseguição dos colonizadores. Palmares foi o maior e mais duradouro território de resistência negra no período colonial. A morte de Zumbi, cujo corpo foi exposto em praça pública para “dar exemplo”, gerou justamente o contrário: consolidou-o como um símbolo de luta por liberdade, autonomia e dignidade.

A data, no entanto, é uma construção contemporânea. Em 1971, ativistas negros do Rio Grande do Sul propuseram pela primeira vez o 20 de novembro como dia de reflexão racial. Em 1978, o Movimento Negro Unificado (MNU) adotou oficialmente o 20 de novembro como data nacional, em contraposição ao 13 de maio, visto como uma celebração da abolição sem reconhecimento das lutas dos próprios negros. O objetivo disto era claro: deslocar o protagonismo da narrativa da abolição, tradicionalmente centrada na ação da Princesa Isabel, para a população negra e sua resistência ativa.

O fortalecimento da data veio gradualmente por meio de leis. A Lei 10.639/2003 incluiu o 20 de novembro no calendário escolar e tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira. A Lei 12.519/2011: oficializou o Dia Nacional da Consciência Negra. Em diversos estados e municípios o reconhecem como feriado, a exemplo de SP, RJ, AL, MT, entre outros.

Assim, o Dia da Consciência Negra nasce da junção entre memória histórica, movimento social e reconhecimento institucional.

Por que o 20 de novembro?

A escolha da data reflete um posicionamento ético e político. O movimento negro argumenta que o 13 de maio, embora marque a abolição, reforça uma narrativa que apresenta a liberdade como concessão, apagando os séculos de resistência negra.

Já o 20 de novembro celebra a luta, a autonomia, a organização comunitária e a capacidade de resistência da população negra frente a um sistema de violência e dominação.

O Dia da Consciência Negra celebra, portanto, não apenas um personagem histórico, mas um legado coletivo.

Desafios contemporâneos: enfrentando narrativas de deslegitimação

Nos últimos anos, tornou-se comum ver circular discursos que tentam diminuir o valor da data atacando a figura de Zumbi dos Palmares. Frases como “Zumbi não era flor que se cheire” ou “matava seus próprios pares” surgem especialmente em contextos em que se tenta relativizar ou deslegitimar a luta antirracista.

É importante esclarecer alguns pontos. As fontes históricas sobre Palmares são escassas e, em grande parte, produzidas por colonizadores interessados em justificar ataques e enfraquecer a resistência. Portanto, narrativas negativas sobre líderes quilombolas muitas vezes serviam como instrumento político da época e continuam sendo utilizadas hoje com funções semelhantes.

Discutir a complexidade de figuras históricas é legítimo. O problema é usar interpretações duvidosas ou anacrônicas para desvalorizar o significado da data.

Outro desafio a ser considerado é que os Movimentos sociais não dependem de “heróis perfeitos”. Nenhum processo social ou histórico foi construído por figuras imaculadas. Martin Luther King, Gandhi, Tiradentes e tantos outros também têm aspectos controversos em suas trajetórias. Isso não anula o valor das causas que defenderam.

Da mesma forma, o Dia da Consciência Negra não existe para canonizar Zumbi. Ele existe para reconhecer a existência de quilombos como espaços de liberdade; a resistência da população negra à escravidão; e a continuidade da luta por justiça racial. Símbolos históricos representam valores coletivos, não biografias perfeitas.

A quem interessa esse discurso?

É importante perguntar: por que essas críticas ressurgem sempre no 20 de novembro? Muitas vezes, elas funcionam como estratégia para desviar o foco do racismo estrutural; também como uma forma de desqualificar a pauta da igualdade racial e um contra-ataque retórico que evita enfrentar desigualdades atuais.

Enquanto se tenta provar se Zumbi era “bom ou mau”, deixa-se de discutir:

  • violência policial;
  • desigualdade no mercado de trabalho;
  • exclusão escolar;
  • racismo religioso;
  • falta de representatividade;
  • desigualdade de renda e acesso a direitos.

Por isso, ao dialogar com essas críticas, é essencial recentrar a conversa: o 20 de novembro não celebra a perfeição de um indivíduo, mas a luta pela liberdade e pela igualdade.

O que significa celebrar a Consciência Negra hoje

Celebrar o Dia da Consciência Negra é reconhecer que a população negra construiu este país em suas dimensões culturais, linguísticas, religiosas, políticas e afetivas. É reconhecer que o racismo ainda é uma realidade estruturante e exige enfrentamento cotidiano. E que a educação, a memória e o diálogo são caminhos fundamentais para transformar a sociedade. É também reafirmar que a luta por igualdade racial é tarefa de todas e todos, não apenas da população negra.

Dia da Consciência Negra: memória que inspira compromisso

O Dia da Consciência Negra é, acima de tudo, um convite à responsabilidade coletiva. Ele nos lembra que a liberdade não foi presente: foi conquista. E continua sendo.

Ao reconhecer a importância histórica de Zumbi e dos quilombos, homenageamos a resistência que moldou o Brasil. Ao enfrentar narrativas que tentam deslegitimar essa memória, fortalecemos o compromisso com a verdade histórica e com a justiça social. Ao celebrar a Consciência Negra, reafirmamos um projeto de futuro: um país onde a dignidade não seja privilégio, mas direito.

Que este 20 de novembro inspire escuta, aprendizado, ações concretas e coragem para que a memória da resistência negra siga iluminando caminhos de inclusão, respeito e igualdade.

Ir. Julia de Almeida, pddm

LITURGIA DO DIA: A CORAGEM DE SERVIR COM FIDELIDADE

Liturgia do Dia – 19 de Novembro de 2025

Memória de Santos Roque González, Afonso Rodríguez e João de Castillo, presbíteros e mártires
33ª Semana do Tempo Comum

No Evangelho de hoje (Lc 19,11-28), Jesus conta a parábola dos servos que recebem moedas para administrar enquanto o senhor parte em viagem. A narrativa revela o desejo profundo de Deus: que cada pessoa faça frutificar os dons recebidos, colocando-os a serviço do Reino. O senhor da parábola não exige dos servos aquilo que não lhes foi dado, mas espera fidelidade, coragem e disposição em assumir responsabilidades, mesmo diante de riscos e incertezas.

O contraste entre os servos que trabalham e aquele que esconde a moeda expressa duas posturas espirituais. A primeira é a da confiança: reconhecer que tudo vem de Deus e pode ser devolvido multiplicado em forma de amor, justiça, serviço e compromisso. A segunda é a do medo: paralisia, fechamento em si mesmo e incapacidade de permitir que o dom se torne vida para outros. A censura dirigida ao servo que nada fez lembra-nos que a omissão também tem peso no caminho de fé; não basta “não fazer o mal”, é preciso fazer o bem possível.

O Evangelho de Lc 19,11-28 termina de forma bastante forte. Depois de elogiar os servos que fizeram render as moedas e de repreender o que a escondeu, Jesus conclui a parábola dizendo: “Quanto aos meus inimigos, que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e matai-os na minha frente.” (Lc 19,27)

Esse desfecho duro cumpre duas funções fundamentais na mensagem de Jesus: a primeira, revela a seriedade da escolha pelo Reino. Esse final deixa claro que rejeitar o Reino de Deus não é algo neutro.
A parábola não fala apenas da omissão do servo medroso, mas também da resistência ativa daqueles que “não querem que Ele reine”. A cena simboliza o juízo final: Deus respeita a liberdade humana, mas essa liberdade tem consequências. A recusa do reinado de Deus é, ao mesmo tempo, recusa da vida.

Ele adverte sobre a responsabilidade de quem recebe dons. O servo que não faz render a moeda é contrastado não só com os servos fiéis, mas também com os inimigos do rei. Isso funciona como um alerta: não basta não fazer o mal; é preciso fazer o bem possível, utilizando os dons recebidos para a construção do Reino. A parábola liga omissão e rejeição: quem se fecha sobre si mesmo, mesmo sem atacar, acaba colaborando com a lógica do “não-reinado” de Deus.

Este desfecho também prepara a entrada de Jesus em Jerusalém. Ou seja, este bramo antecede diretamente a entrada triunfal de Jesus na cidade (Lc 19,28ss). Assim, Jesus se apresenta como o Rei que vem, mas não um rei dominador, e sim o Rei que oferece salvação. No entanto, sua realeza exige decisão: acolher ou rejeitar.

E por fim, este desfecho reforça o chamado à fé corajosa. A dureza do final não pretende inspirar medo, mas responsabilidade e seriedade espiritual. A parábola inteira gira em torno da confiança: quem confia, arrisca; quem teme, paralisa-se; quem rejeita, fecha-se à vida. O final sublinha que o tempo de Jesus é momento de decisão: a fé verdadeira transforma a vida e a vida transformada testemunha o Reino.

A leitura deste Evangelho na 33ª Semana do Tempo Comum, imediatamente antes do Advento, tem um valor espiritual muito profundo. A Igreja, nesses últimos dias do ano litúrgico, orienta nossa atenção para o sentido último da vida, para o juízo, para a vinda do Senhor e para a responsabilidade cristã. A parábola das moedas, com sua forte conclusão, encaixa-se perfeitamente nesse contexto.

Ele nos prepara o coração para a vinda do Senhor. O Advento é tempo de esperança e vigilância, e a liturgia das últimas semanas do Tempo Comum nos ajuda a ajustar essa vigilância. A parábola dos servos que devem administrar o que receberam até o retorno do Senhor é um convite direto a despertar do comodismo, revisar o próprio caminho, reavivar o desejo pela vinda de Cristo. A Igreja quer que entremos no Advento não adormecidos, mas alertas e desejosos de Deus.

Ele também recorda que somos administradores, não donos. A proximidade do novo ano litúrgico é um chamado a avaliar como usamos o tempo, os dons, a fé e as oportunidades que Deus nos deu ao longo do ano que termina. A parábola mostra que não se trata de “guardar” a fé, mas de fazê-la frutificar. Assim, antes do Advento, ela nos ajuda a perguntar:

  • Como vivi a fé este ano?
  • O que Deus me confiou e como respondi?
  • Em que preciso crescer antes de começar um novo tempo de graça?

Também nos ajuda a reacender a responsabilidade: vigiar é agir. O servo que esconde a moeda representa quem vive a fé de forma estática, paralisada. Às portas do Advento, esse Evangelho ensina que esperar o Senhor não é cruzar os braços, mas servir, amar, construir, multiplicar. O Advento é expectativa, mas uma expectativa ativa, missionária.

Portanto, nos convida à conversão, antes que comece o novo ciclo. O final da parábola, com o juízo sobre os servos e os inimigos do rei, lembra a dimensão escatológica da fé: Cristo virá. Essa memória conduz à conversão imediata, preparando interiormente o fiel para viver o Advento como tempo de purificação, de esperança, de reencontro com Deus, de reorientação da vida. É como fazer uma limpeza espiritual antes da chegada do hóspede esperado.

Nos últimos domingos do ano litúrgico celebramos Cristo Rei. Este Evangelho apresenta Jesus justamente como esse Rei que entrega dons, se ausenta por um tempo, volta para pedir contas. À luz disso, o Advento não é apenas preparação para o Natal, mas para a segunda vinda de Cristo, quando Ele reinará plenamente.

A leitura deste Evangelho na semana que antecede o Advento:

  • nos desperta,
  • nos responsabiliza,
  • nos convida a rever nossa vida,
  • nos prepara para acolher Cristo com o coração ativo e fecundo.

A primeira leitura (2Mc 7,1.20-31) apresenta o testemunho heroico da mãe e de seus filhos, que permanecem fiéis à Lei de Deus diante da perseguição. A coragem deles ecoa o chamado do Evangelho: viver a fé de modo coerente, mesmo quando somos pressionados a escondê-la ou silenciá-la. Assim como os mártires de hoje — Santos Roque González, Afonso Rodríguez e João de Castillo — testemunharam Cristo com a própria vida, também nós somos convidados a fazer render a graça que recebemos, oferecendo-nos diariamente no serviço e na verdade.

O salmo responsorial proclama: “Eu, por minha justiça, contemplarei a vossa face; ao despertar me saciará a vossa presença” (Sl 16). Essa promessa ilumina todo o sentido de nossa entrega: no fim, não buscamos recompensas, mas a alegria plena de viver diante de Deus e com Ele.

Que a liturgia de hoje nos inspire a assumir com coragem as moedas, isto é, os dons que nos foram confiados: nossas capacidades, nossa fé, nossas oportunidades, e a fazê-los frutificar em favor dos irmãos. E que, sustentados pelo exemplo dos mártires, possamos viver uma vida transparente, generosa e fiel ao Evangelho.



LITURGIA DO DIA: DOMINGO, DIA DO SENHOR. FESTA DA DEDICAÇÃO DA BASÍLICA DE SÃO JOÃO LATRÃO

Reflexão – Domingo, 9 de novembro de 2025
Dedicação da Basílica de São João de Latrão – Festa – Ano C

A Igreja celebra a Dedicação da Basílica de São João de Latrão, a catedral de Roma e igreja-mãe de todas as igrejas do mundo, sinal visível da unidade da Igreja em torno do sucessor de Pedro. Esta festa, porém, não é apenas uma comemoração arquitetônica: é uma profissão de fé na presença viva de Deus em seu povo, um convite a reconhecer que o verdadeiro templo onde o Senhor habita é o coração humano transformado pelo Espírito.

“Destruí este templo e em três dias eu o levantarei” (Jo 2,19)

O Evangelho de João nos leva ao episódio em que Jesus expulsa os vendedores do Templo. Ele encontra o espaço sagrado transformado em um mercado e reage com força profética, denunciando a profanação daquele lugar. O gesto de Jesus não é um simples ato moral contra o comércio; é um sinal escatológico, um gesto simbólico que anuncia o fim do antigo culto e o início de uma nova forma de presença de Deus no meio dos homens.

Quando Jesus declara: “Destruí este templo e em três dias o levantarei”, os seus ouvintes pensam no edifício de pedra que levou décadas para ser construído. Mas o evangelista esclarece: “Ele falava do templo do seu corpo”. Aqui está o coração da revelação: Cristo é o novo e definitivo Templo de Deus, o lugar onde o Pai se encontra com a humanidade. Nele, o culto não depende mais de paredes, sacrifícios ou ritos exteriores, mas do amor que se entrega e renova a criação. O corpo de Cristo morto e ressuscitado é o novo espaço de adoração em espírito e verdade (cf. Jo 4,23).

O Templo vivo: a Igreja e cada cristão

A leitura da Primeira Carta aos Coríntios, na segunda leitura, aprofunda essa dimensão: “Vós sois o templo de Deus, e o Espírito de Deus habita em vós”. São Paulo revela a dimensão eclesial e pessoal dessa nova realidade. A comunidade cristã, edificada sobre o único fundamento que é Cristo, é o edifício espiritual onde Deus faz morada. Cada batizado é uma “pedra viva” (1Pd 2,5) dessa construção. Por isso, destruir a comunhão, ferir o corpo da Igreja ou desprezar a dignidade de qualquer pessoa é profanar o próprio templo de Deus.

A visão de Ezequiel na primeira leitura antecipa essa vida nova: do templo jorra uma água que fertiliza a terra e dá vida a tudo por onde passa. Essa água é símbolo do Espírito Santo, que brota do Cristo glorificado e faz da Igreja um rio de graça para o mundo. Assim, a Basílica de Latrão, como qualquer igreja consagrada, torna-se sinal visível dessa realidade invisível, sacramento do mistério da presença de Deus entre nós.

A liturgia como lugar de encontro e conversão

Celebrar a dedicação de uma igreja é recordar que os templos de pedra só têm sentido se apontam para o templo vivo que somos nós. Uma comunidade que vive a fé, que se alimenta da Palavra e da Eucaristia, é o verdadeiro santuário onde Deus habita. A liturgia, portanto, não é mero rito, mas encontro transformador: nela o Cristo purifica o templo do nosso coração, expulsa o que é comércio e cálculo, e renova o espaço interior para que ali floresça a graça.

Para nossa vida

Esta Palavra nos convida a uma conversão do coração. É fácil venerar um templo de pedra e, ao mesmo tempo, deixar que nosso interior se torne um mercado de interesses, vaidades e ressentimentos. Jesus hoje também entra no templo do nosso ser e nos chama à purificação.

Perguntemo-nos:

  • O que em mim precisa ser expulso para que Deus volte a habitar plenamente?
  • O que em minha comunidade precisa ser reconstruído sobre o verdadeiro fundamento que é Cristo?
  • Como posso ser, no cotidiano, uma presença de Deus que gera vida e paz como o rio de Ezequiel?

Que a festa da Dedicação da Basílica de Latrão renove em nós a consciência de que somos a casa viva de Deus, templos de sua glória e instrumentos de sua presença no mundo. Que a graça desta liturgia nos ajude a transformar nossa vida e nossa comunidade em lugares onde o amor de Cristo resplandeça e onde o mundo possa encontrar o Deus que quer fazer morada entre nós.

“O Senhor dos Exércitos está conosco, o nosso refúgio é o Deus de Jacó.” (Sl 45,8)

LITURGIA DO DIA: A ALEGRIA DE DEUS DIANTE DE QUEM RETORNA

Liturgia de Quinta-feira, 6 de Novembro de 2025
31ª Semana do Tempo Comum – Ano Ímpar (I)
Leituras: Rm 14,7-12 | Sl 26(27),1.4.13-14 | Lc 15,1-10

O Evangelho de hoje (Lc 15,1-10) nos apresenta duas parábolas que expressam o coração da Boa-Nova: da ovelha perdida e a da moeda perdida. Ambas são narradas por Jesus em resposta à crítica dos fariseus e mestres da Lei, escandalizados porque Ele acolhia pecadores e comia com eles. Este é o ponto de partida de toda a cena: a incompreensão de um amor que ultrapassa a lógica humana, um amor que não se contenta com a justiça dos “bons”, mas se lança à busca dos que se afastaram.

O Evangelho de Lucas 15,1-10 — a ovelha e a moeda perdidas — é um texto extraordinariamente complexo: ele rompe as simplificações religiosas e sociais e nos faz enxergar a realidade humana e divina de modo relacional, dinâmico e não linear.

O contexto: Jesus, o rosto da misericórdia

O texto começa destacando que “os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar”. Esta aproximação é fundamental: os marginalizados, aqueles que se consideravam indignos, se sentem atraídos por Jesus. Ele não os julga, mas os escuta e os acolhe. Ao contrário, os fariseus e doutores da Lei, representantes da religião institucional, murmuram e o criticam.

A partir dessa tensão, Jesus revela com as parábolas o verdadeiro rosto de Deus. Ele não é um juiz severo, mas um Pai que se alegra com o retorno do filho, um pastor que vai ao encontro da ovelha perdida, uma mulher que busca incansavelmente a moeda desaparecida. Em suma: um Deus que ama antes de ser amado, que busca antes de ser buscado.

O movimento de Deus: sair ao encontro

A primeira parábola fala de um pastor que deixa noventa e nove ovelhas no deserto para procurar uma que se perdeu. Esse gesto, aos olhos humanos, parece insensato. Mas é justamente isso que Jesus quer mostrar: o amor de Deus é “exagerado”, é graça que não calcula. Ele não se conforma com a perda de nenhum de seus filhos.

A ação do pastor é dinâmica: ele “vai atrás” até “encontrá-la” e, ao encontrá-la, “a coloca nos ombros com alegria”. Aqui está o símbolo do Cristo que carrega sobre si as nossas fraquezas. Não é o peso da ovelha que Ele sente, mas o peso da misericórdia. O encontro culmina em festa: “Alegrai-vos comigo!” — a alegria é o sinal de que o Reino de Deus se manifesta onde há reconciliação.

A segunda parábola repete a mesma lógica sob uma imagem doméstica: uma mulher que perde uma moeda acende uma lâmpada, varre a casa e procura cuidadosamente até encontrá-la. Ela representa a ternura de Deus, uma busca paciente, cotidiana, silenciosa. E, mais uma vez, quando a moeda é encontrada, há festa e partilha da alegria.

Nas duas parábolas, na lógica simplificadora dos fariseus, havia apenas duas categorias: os puros e os impuros, os justos e os pecadores. Mas Jesus destrói essa fronteira. Ele revela que o “justo” e o “pecador” estão interligados, que a perda de um afeta o todo. No evangelho, a comunidade só está completa quando o perdido retorna.

A ovelha ausente compromete o sentido do rebanho. A moeda perdida empobrece o conjunto. A alegria do reencontro não é apenas da ovelha ou da mulher, mas de todos: do Pastor, da casa, dos amigos, do céu. A conversão, portanto, não é um ato individualista, mas um movimento de reintegração do todo, uma restauração da comunhão, pois o “pecado” não é apenas erro moral, mas ruptura de vínculos, perda de sentido e de pertença.

A parábola, então, não fala de uma moral estática (“quem erra precisa voltar”), mas de um processo dinâmico e regenerador, em que o erro e a perda são também lugares de revelação e crescimento.
A complexidade nos ensina que o fracasso, a queda, a dúvida — longe de destruírem a fé — podem ampliá-la, porque revelam o amor que busca e o sentido que se reconstrói.

A parábola nos mostra um processo que o sujeito se conhece na relação com o outro e com o mundo:

  • O Pastor, ao buscar a ovelha, também se transforma: ele experimenta a compaixão.
  • A mulher, ao procurar a moeda, redescobre o valor do que possuía.
  • A comunidade, ao celebrar o retorno, reaprende a alegria de estar junto.

Assim, a busca do perdido é também autoconhecimento. Deus, ao nos procurar, revela o Seu próprio rosto de amor. E nós, ao sermos encontrados, reconhecemos quem Ele é. É um movimento recíproco — relacional, circular, complexo — e profundamente humano.

O centro teológico: a alegria da conversão

O tema central das duas parábolas é a alegria de Deus. Não é a alegria do pecador que retorna, mas a alegria divina diante da conversão humana. “Haverá mais alegria no céu por um só pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão.”

Essa frase quebra qualquer pretensão de superioridade religiosa. No Reino de Deus, o critério de valor não é o mérito, mas a misericórdia. O “céu” se alegra quando alguém recomeça, quando um coração se abre novamente ao amor. Essa alegria é partilhada entre “os anjos de Deus” — símbolo da comunhão plena que a graça cria entre o humano e o divino.

Na teologia, podemos dizer que o Evangelho nos mostra uma teofania da complexidade: Deus não é um Ser isolado no alto, mas uma teia de relações vivas, como o Pastor que se move, a mulher que busca, o céu que se alegra.

A Trindade, na tradição cristã, é a expressão suprema dessa complexidade divina: unidade na diversidade, comunhão no movimento. A parábola da ovelha perdida reflete esse dinamismo trinitário: o Pai que busca, o Filho que carrega, o Espírito que ilumina. Não há hierarquia de exclusão, mas circularidade de amor.

A autocrítica: quem somos nós na parábola?

É importante perguntar: em qual personagem nos reconhecemos? Talvez, às vezes, sejamos a ovelha perdida: afastados por escolhas, feridos pela vida, cansados de buscar sentido. Outras vezes, podemos ser os “justos” que olham de longe, com desconfiança, os que retornam. A parábola é convite a abandonar o papel do juiz e assumir o olhar do Pastor.

A conversão que Jesus propõe não é apenas moral, mas espiritual: é mudar o modo de ver o outro, de acolher o diferente, de compreender a misericórdia como critério maior da fé. Converter-se, aqui, é permitir que Deus nos encontre e nos coloque sobre seus ombros, mesmo quando achamos que podemos andar sozinhos.

A conversão não é uma mudança linear (“antes eu era mau, agora sou bom”), mas um processo em espiral, cheio de tensões, rupturas, retornos, aprendizados. O pecador não é “o outro” — é uma dimensão de cada um de nós. Em cada momento da vida, há partes de nós perdidas, dispersas, esquecidas. O Evangelho nos convida a reintegrar essas partes, a fazer o caminho do reencontro interior.

A conversão é, portanto, um ato de recomposição da unidade interior, um movimento de “ecologia espiritual”, no qual voltamos a pertencer ao todo que nos gera.

A comunhão com as outras leituras

Na primeira leitura (Rm 14,7-12), Paulo nos recorda: “Nenhum de nós vive para si mesmo, e nenhum morre para si mesmo. Se vivemos, é para o Senhor; e se morremos, é para o Senhor.” Essa afirmação complementa o Evangelho. A ovelha perdida não pertence apenas a si mesma. Ela pertence ao rebanho, pertence ao Pastor. Assim também cada um de nós pertence ao Senhor.

A vida cristã, portanto, não é isolamento, mas comunhão. O julgamento pertence a Deus, não a nós: “Todos nós compareceremos diante do tribunal de Deus”. Isso nos liberta da tentação de condenar e nos convida a confiar na justiça e misericórdia divinas.

O salmo responsorial (Sl 26) reforça essa confiança: “O Senhor é minha luz e salvação; de quem eu terei medo?” O salmista se sabe protegido, mesmo nas trevas, porque Deus o busca e o sustenta — como o Pastor que não desiste de sua ovelha.

Iluminações para a vida cotidiana

O Evangelho de hoje tem uma força transformadora, especialmente em tempos em que o julgamento e a exclusão parecem dominar as relações humanas. A Palavra de Deus nos convida a viver com mais misericórdia e menos indiferença.

  • Na família: quantas vezes há distâncias e feridas que nos afastam uns dos outros. O chamado é para buscar o diálogo, dar o primeiro passo, não desistir de quem se afastou. O reencontro é sempre causa de alegria. Uma crise entre pais e filhos pode parecer apenas uma “desordem”, mas pode se tornar oportunidade de diálogo, perdão e maturidade. Viver este evangelho nos ensina a ver o conflito não como fim, mas como espaço de reorganização afetiva.
  • Na comunidade: às vezes olhamos com desconfiança quem retorna à Igreja depois de muito tempo, como se a conversão alheia fosse suspeita. Jesus nos pede o contrário: acolher, celebrar, partilhar a alegria do retorno. Esse afastamento pode ser também um caminho de busca, um desvio que prepara o reencontro.
  • No trabalho ou na sociedade: a lógica de Deus desmonta a cultura do descarte. Cada pessoa, mesmo aquela que “se perdeu” socialmente — por erro, vício ou fragilidade —, tem valor infinito. Ser cristão é participar dessa busca ativa, é “acender a lâmpada” e “varrer a casa” para reencontrar o que parecia perdido. Em tempos polarizados, o Evangelho nos lembra que ninguém é totalmente justo ou totalmente perdido; a realidade humana é entrelaçada, e o desafio é manter o vínculo e o diálogo mesmo nas diferenças.
  • Na vida pessoal: talvez a ovelha perdida sejamos nós mesmos. A Palavra de hoje diz que Deus não se cansa de procurar, e que o perdão é sempre possível. Permitir-se ser encontrado é um ato de fé e humildade. Nossas “perdas” — um fracasso, uma decepção, uma dúvida — podem ser o terreno fértil onde renasce uma fé mais consciente e humana.

As parábolas da ovelha e da moeda perdidas revelam que a misericórdia de Deus é o coração do Evangelho. Ele não apenas perdoa; Ele se alegra. Não apenas busca; Ele carrega. Não apenas encontra; Ele festeja.

A Palavra de Deus hoje nos impele é redescobrir o cristianismo como uma sabedoria das relações. Deus não é o oposto do mundo, mas sua profundidade; o pecado não é ruptura definitiva, mas chamada ao reencontro; a conversão não é purificação isolada, mas reintegração amorosa.

Assim, a Boa-Nova não é a história de um Deus que pune o erro, mas de um Deus que reorganiza a vida a partir da perda, como o Pastor que deixa as noventa e nove para resgatar uma só, porque sabe que sem ela, o todo está incompleto.

Hoje somos convidados a entrar nessa alegria divina, não apenas como espectadores, mas como participantes. Que o amor de Deus, sempre em busca de quem se perdeu, nos inspire a ser também buscadores de reconciliação, sinais vivos de uma misericórdia que transforma o mundo.

“Haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte.” (Lc 15,10)

FAMÍLIA PAULINA CELEBRA A COMEMORAÇÃO DOS FIÉIS DEFUNTOS 2025

Com profundo espírito de fé e esperança, apresentamos esta homilia preparada pelo Pe. Antônio Lúcio, SSP, para a Comemoração dos Fiéis Defuntos de 2025. Neste dia em que a Igreja se une em oração pelos que partiram para a Casa do Pai, somos convidados a renovar a confiança na promessa da vida eterna e na misericórdia de Deus, que acolhe com amor todos os seus filhos.

A Família Paulina esteve reunida nas Capelas Mortuárias para as Missas, às 08h00 e às 10h00, elevando a Deus preces e agradecimentos pelos irmãos e irmãs que concluíram sua caminhada terrena.

As palavras do Pe. Antônio Lúcio nos ajudam a viver este momento com serenidade e gratidão, transformando a saudade em esperança e o luto em fé viva na ressurreição.

Homilia na íntegra:

Finados (Sb 3,1-9; Ap 21,1-7; Lc 7,11-17)

Hoje, o nosso coração se reveste de silêncio e de ternura. Viemos rezar pelos nossos entes queridos, Coirmãos e Coirmãs de Congregação que partiram — aqueles que um dia nos deram a mão, o sorriso, o conselho, a presença. O Dia de Finados não é apenas o dia da saudade; é, sobretudo, o dia da esperança.

1. “A vida dos justos está nas mãos de Deus” (Sb 3,1): A primeira leitura nos consola profundamente: “a vida dos justos está nas mãos de Deus”.O livro da Sabedoria foi escrito para tempos de provação. Fala a pessoas que choram, mas que não se desesperam.Quem está nas mãos de Deus não se perde, não é esquecido.Deus segura cada vida com ternura infinita — como uma mãe que embala o filho adormecido.A morte, para quem crê, não é um abismo, mas uma travessia.E o amor, quando é verdadeiro, não termina com a morte, apenas muda de forma: o amor permanece em Deus!

2. “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5): O Apocalipse nos faz levantar os olhos:João viu “um novo céu e uma nova terra”.Tudo o que hoje nos fere — a dor, o luto, a separação — será transformado.Deus enxugará toda lágrima.A fé cristã não nega o sofrimento, mas o ilumina com a promessa da nova criação.A morte não tem a última palavra.A última palavra é a Vida, é Deus, é o Amor que renasce.Quando rezamos pelos falecidos, não o fazemos por tristeza, mas por comunhão.O amor que uniu nossas vidas aqui continua unido no coração de Deus.

No Céu, não há distância: há reencontro.

3. “Jovem, eu te ordeno: levanta-te!” (Lc 7,14): O Evangelho nos leva até a pequena cidade de Naim.Jesus encontra uma viúva que leva o filho único para ser sepultado.Jesus vê aquela mãe — e “enche-se de compaixão”.Antes de realizar o milagre, Ele se aproxima.Não é um Deus distante: é o Deus que se comove, que toca o caixão, que fala com ternura e autoridade:“Jovem, eu te ordeno: levanta-te!”Este é o mesmo Jesus que, diante da nossa dor, se aproxima de nós.Ele não é indiferente às nossas lágrimas.Ele chora conosco, e ao mesmo tempo nos ergue pela fé.Em cada Eucaristia, Ele repete esse gesto: toca a nossa morte com a força da Sua vida.E nos diz, também a nós e aos que amamos:“Levanta-te! Vive em mim!”

4. Memória e Esperança: Neste dia de Finados, acendemos velas, levamos flores, visitamos cemitérios…Mas o gesto mais belo é a oração.Quando rezamos pelos falecidos, o amor passa pela fronteira da morte.A oração é o abraço que atravessa o tempo.E quando celebramos a Eucaristia, o Céu e a Terra se encontram — vivos e falecidos se unem no mesmo altar.Por isso, mesmo entre lágrimas, o nosso coração pode repetir com fé:“Senhor, obrigado pela vida que nos deste;obrigado pela esperança da ressurreição, obrigado porque as almas dos justos estão em Tuas mãos.”

Conclusão: Hoje não celebramos o fim, mas a plenitude.Quem partiu em Cristo vive.E nós, que ainda caminhamos, confiamos:Um dia, o Senhor também nos chamará pelo nome, como chamou o filho de Naim,e dirá: “Levanta-te, vem para a Vida!”Até lá, permaneçamos unidos pela fé, pela saudade e pela esperança.Porque Deus é o Deus dos vivos, e em Suas mãos, ninguém se perde.Amém.

Cemitério da Irmandade do Santíssimo Sacramento
Jazigo da Família Paulina
São Paulo, 2 de novembro de 2025
Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos

MÊS FORMATIVO DAS JUBILANDAS DE 25 ANOS: “DISCÍPULAS JUBILARES NO CAMINHO DA ESPERANÇA”

Hoje, 30/10/2025, com a Missa de Ação de Graças, concluiu-se o mês formativo para as irmãs que celebram 25 anos de consagração religiosa. As irmãs participantes agradecem a todos aqueles que as acompanharam e a quantos tornaram possível esta belíssima experiência.

Foto: as irmãs jubilares com as quatro Superioras Gerais dos últimos 25 anos, as irmãs do atual Governo Geral e o Pe. Domenico Soliman, Superior Geral da Sociedade de São Paulo.

Durante o mês de outubro de 2025, em Roma, na Casa Betania, realizou-se o mês formativo para as irmãs que celebram 25 anos de consagração religiosa das Pias Discípulas do Divino Mestre. A experiência, vivida sob o lema “Discípulas jubilares no caminho da esperança”, foi um tempo de profunda gratidão, oração, partilha e renovação vocacional.

O mês teve início em 1º de outubro, com a Celebração Eucarística de abertura na cripta do Santuário “Regina degli Apostoli”, presidida por Pe. Valdecir Ubeda, SSP, e prosseguiu com momentos de formação, convivência fraterna e oração comunitária. A Superiora Geral, Ir. M. Bernardita Meraz Sotelo, acolheu calorosamente as participantes, convidando-as a viver o tempo jubilar como oportunidade de esperança e fidelidade criativa.

As atividades incluíram momentos de reflexão espiritual, conduzidos por Ir. M. Bernardita Meráz Sotelo, sobre o tema “Sou imagem e semelhança de Deus: iniciativa gratuita de Deus”, além de dias dedicados ao Jubileu da Vida Consagrada no Vaticano, peregrinações aos lugares carismáticos em Alba, e encontros sobre “Eucaristia, Sacerdócio e Liturgia: a unidade da missão”, guiados pelas Irmãs M. Joseph Oberto, M. Judyta Pudełko e M. Adriana de Jesus.

Participaram irmãs provenientes de diversos países e províncias: Itália, Brasil, Índia, Coreia, Filipinas, Japão, México, Polônia, Congo, Chile e República Tcheca, expressando a universalidade e comunhão do carisma das Pias Discípulas.

O mês formativo concluiu-se em 30 de outubro, com a Missa de Ação de Graças na Igreja de Jesus Mestre, em Roma. Durante a celebração, as irmãs jubilares renovaram o seu “sim” a Deus, rodeadas por irmãs da comunidade, pelas quatro Superioras Gerais dos últimos 25 anos, pelo atual Conselho Geral e pelo Pe. Domenico Soliman, Superior Geral da Sociedade de São Paulo.

Em clima de alegria e fraternidade, as jubilandas expressaram gratidão a todos os que as acompanharam e colaboraram para tornar possível esta bela experiência de comunhão e esperança.
“Sempre em frente com esperança, queridas irmãs, discípulas nos caminhos da esperança!”

FESTA DO DIVINO MESTRE

A meditação intitulada “Festa do Divino Mestre” foi proferida por o Bem-aventurado Tiago Alberione em 8 de janeiro de 1961, na Cripta do Santuário de Santa Maria Rainha dos Apóstolos, em Roma. Dirigida à Família Paulina, a reflexão é voltada de modo especial a todos os que vivem o chamado ao ministério e ao magistério na Igreja, aqueles que têm a missão de formar, ensinar e santificar.

Partindo da vida de Jesus Cristo, Alberione contempla sobretudo o período da vida oculta em Nazaré, tempo de silêncio, trabalho e crescimento, para destacar a importância da formação interior como fundamento de toda missão apostólica. Assim como Jesus “crescia em sabedoria, idade e graça”, também o discípulo-mestre deve crescer antes de ensinar: o fruto da vida pública depende da solidez da vida interior.

Os quatro pilares da formação segundo Alberione

Na meditação, o Fundador da Família Paulina apresenta quatro dimensões essenciais da formação dos mestres, inspiradas na ação de Jesus com seus apóstolos:

  1. Doutrina – Jesus oferece aos discípulos o conteúdo da nova lei, a lei do Evangelho e da caridade. O verdadeiro mestre é aquele que transmite a doutrina de Cristo, que é a própria Verdade.
  2. Exemplo de vida – O Mestre ensina uma moral de perfeição, que liberta o coração do mundo e convida à pobreza, castidade e obediência. A coerência de vida é parte essencial do magistério.
  3. Graça – Cristo comunica aos seus a vida sobrenatural. Sem a união com Ele, não há fecundidade apostólica. O mestre deve ser canal da graça e não apenas transmissor de ideias.
  4. Autoridade – Finalmente, Jesus envia: “Ide e ensinai”. O verdadeiro magistério nasce do envio e da missão recebida, e por isso é exercido com autoridade e fidelidade.

Mestre e discípulo: uma mesma missão

Alberione recorda que a formação é uma caminhada conjunta: não basta haver bons mestres se não houver discípulos abertos e dóceis ao aprendizado. A missão educativa cristã exige uma unidade viva entre quem ensina e quem aprende, onde ambos crescem na fé e na graça.

Toda a Família Paulina é chamada a viver essa dimensão magisterial. Seja na redação, na técnica ou na difusão, todos participam de um mesmo corpo moral e espiritual que tem a missão de sempre aprender de Jesus e sempre dar Jesus. O apostolado, portanto, é uma forma de ensino, um magistério vivido com amor e coerência.

Um magistério que se oferece

A meditação conclui com um apelo profundamente espiritual: o magistério não se limita a palavras ou publicações. Ele é uma oferta de vida. Inspirando-se em São Paulo, Alberione recorda: “Entrega o Evangelho, mas ainda mais, entrega-te a ti mesmo, a tua vida.”

Assim, toda celebração e todo apostolado se tornam oferenda. Na Eucaristia, centro da missão, o mestre e o discípulo unem-se para oferecer a própria existência, fazendo da vida um magistério vivo que comunica Cristo ao mundo.

Para ler e meditar

Ao ler o texto Festa do Divino Mestre, é importante perceber como Alberione entrelaça a Palavra de Deus, a experiência da formação humana e espiritual, e a missão apostólica. Ele convida a cada um a contemplar Jesus como modelo supremo de Mestre e a viver, no cotidiano, o mesmo espírito de obediência, amor e entrega que marcou a vida de Nazaré.


🔗 Texto original em italiano disponível em:
Opera Omnia – Festa del Divin Maestro (1961)


3. FESTA DO DIVINO MESTRE

…mas somente àqueles que entraram ou entram no ministério, no magistério.
Jesus ensinou a vida privada com o exemplo, retirado na solidão daquela pequena aldeia de Nazaré, onde “crescia em sabedoria, idade e graça”², “era-lhes submisso”³, humilde, exercitando-se na profissão de carpinteiro.
A vida privada, a vida retirada, assume importância pelo que se aprende, pelo que se realiza e se vive durante os anos de formação. Disto depende o fruto da vida pública. Tanto se realizará na vida pública quanto houver de preparação correspondente, isto é, suficiente, melhor.
Não se pode esperar mais também por outra razão: porque quem deverá ensinar e ser mestre, deve ser dotado de graça, deve ser santo, pois seu primeiro ofício é dar o exemplo e rezar pelas almas.
Jesus viveu a pobreza, a diligência no amor ao Pai, a obediência em tudo, exercitando-se na submissão a Maria e a José. E ali crescia.
Em redor, os vizinhos, os parentes, não se davam conta do seu admirável progresso e da sua vida interior, mas Ele crescia, e sua sabedoria, sua virtude e seu espírito de oração o acompanhavam — cresciam à medida que Ele crescia nos dias e nos anos daquela vida.

A parte da formação é decisiva para o seguimento da vida. É decisiva e, por isso, requer reflexão tanto de quem é mestre quanto de quem é discípulo. Eis o exemplo.
Quando São Pio X⁴ promulgou os novos regulamentos para a formação daqueles que deveriam tornar-se mestres⁵, exclamou-se: Pio X penetrou o espírito do Evangelho também sob este aspecto: “Instaurare omnia in Christo”⁶, isto é, a formação dos futuros mestres.

E o que fez Jesus durante sua vida pública?
A maior parte do tempo dedicou à formação das vocações.
Certamente pregou ao povo, mas durante suas pregações os apóstolos não estavam ausentes, ao contrário, estavam presentes, e, além disso, em suas pregações há muito que se refere unicamente aos apóstolos.

Eis: Ele se dedicou como Mestre aos seus noviços; primeiro os procurou — procurou as vocações.
Esse é um empenho de todos.
Se nós não chegamos a isso, não seguimos Jesus nem interpretamos seu modo de conduzir a vida pública e de formar seus discípulos, os futuros mestres.

Primeiro, as vocações: buscá-las.
Segundo, formá-las.
E como as formou?
Fez com que permanecessem com Ele, para que vissem como Ele vivia, o que dizia, o espírito com que operava e as provas que dava de ter vindo como Mestre: “Falou-nos por meio do Filho”⁷ — falou-nos Jesus.

Agora, querendo formar aqueles doze Mestres da humanidade, o que fez Jesus? Quatro coisas:

  1. Primeiro, forneceu-lhes a doutrina e revelou os segredos da nova lei — a lei evangélica, a lei do amor.
    E eles se maravilharam quando Ele, por exemplo, pronunciou o sermão da montanha, quando estabeleceu a nova lei, a lei da caridade, e depois agiu em conformidade com ela.
    Forneceu a matéria que os mestres devem ensinar.
    Ele era a própria doutrina, a própria verdade.
    Nós somos mestres apenas na medida em que pregamos a Ele, isto é, repetimos seu ensinamento.
  2. Segundo, não apenas deu aos apóstolos o exemplo de vida, mas ensinou-lhes uma lei moral, uma lei de perfeição que desprendesse o coração do mundo, que os fizesse sair de suas casas e famílias, mostrando-lhes que para eles havia uma missão imensamente maior do que a dos simples cristãos.
    Ensinou-lhes a pobreza, a castidade, a obediência; corrigiu-os muitas vezes quando mostravam não compreender a nova lei.
    “Até quantas vezes devo perdoar? Setenta vezes sete”⁸.
    A nova lei, que conhecemos pelos Evangelhos e pelas Cartas dos apóstolos, especialmente de São Paulo, que a interpretou e aplicou a casos particulares.
  3. Em terceiro lugar, Jesus deu aos apóstolos a graça, pois as almas devem ser confortadas pela graça, pela ajuda de Deus, e devem receber a nova vida, a vida sobrenatural.
    “Quem não permanecer em mim”⁹ — disse Jesus — “não pode chegar à graça”, e portanto não pode possuir a vida eterna.
    E os sacerdotes são dotados do poder de celebrar a Missa e comunicar a graça.
  4. Quarto, era necessário conceder aos novos mestres a “licença”, isto é, autorizá-los ao ensino com autoridade: “Ide, pregai e ensinai a fazer o que vos tenho dito e depois batizai em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”¹⁰.
    Assim, forneceu aos mestres tudo o que precisavam para cumprir sua missão.

Os mestres são, especialmente, os sacerdotes: o Papa, mestre infalível; os bispos, unidos a ele; e os sacerdotes que, sob sua direção, cumprem a missão de ensinar, guiar e santificar.
Tudo recebem de Jesus Cristo e devem ser administradores fiéis, como diz São Paulo¹¹, mestres fiéis, cumprindo juntos o magistério da palavra, o governo das almas e o ministério da graça e da salvação¹².

Eis então esses novos mestres que partem de Jerusalém, difundem-se pelo mundo e, com sua obra, sua palavra, seu exemplo e a comunicação da graça, fazem discípulas todas as nações: “Ide e fazei discípulas todas as nações”.

Eis o dever próprio dos mestres: realizar essas quatro coisas em relação aos que estão em formação.
E quem está em formação deve escutar e abraçar a doutrina, desde o catecismo até a teologia e a especialização; aprender o que é a moral, o direito, a ascética, a mística; e ser dotado dos meios de graça, isto é, possuir o poder de conferir a graça e o poder de celebrar, pois da Missa derivam os rios da graça e, portanto, a autoridade.

Nós ensinamos em nome de Jesus Cristo e é dever que nos escutem.
Assim, mestres e discípulos unidos para formar o novo Mestre, o Mestre do Novo Testamento, aquele que um dia deverá ser o Mestre do povo: “Foi-me dado todo o poder”¹³ e “Ide e ensinai”. “Como o Pai me enviou, assim eu vos envio”¹⁴ — a missão.
Portanto, Mestres completos, mas é necessário que existam discípulos completos.

Aqui, porém, é preciso fazer uma observação:
Como todo o nosso apostolado é ensino, o corpo moral da Família Paulina exerce esse ofício de ensinar. Tanto quem faz a redação quanto quem realiza a parte técnica ou a parte de divulgação, todos juntos constituem o corpo moral; todos juntos somos mestres.
Então: sempre aprender de Jesus, sempre dar Jesus.
Isto é o apostolado.

Leiam atentamente os artigos das Constituições que se referem a isso¹⁵:
primeiro, a Igreja, a doutrina da Igreja;
segundo, a Bíblia e celebrai o Ano Bíblico;
terceiro, a Tradição, representada de modo especial pelos Padres e escritores eclesiásticos, particularmente pelos ensinamentos dos Sumos Pontífices.

Portanto, a Missa: para quem está na vida privada, a Missa; para quem já exerce o magistério, unidos todos, ofereçamos tudo a Jesus.
E vós, durante a Missa, no ofertório, apresentai algum fruto do vosso magistério.
São Paulo diz a Tito: “Cuida de transmitir o Evangelho, mas, mais ainda, dá a ti mesmo, a tua vida”¹⁶.
Ofereçamos a nós mesmos, não só o magistério, todas as edições e todo o trabalho apostólico, mas a nossa própria vida consagrada a esta missão, vivendo ao máximo, quanto possível, o magistério de Jesus.
Portanto, oração e, por outro lado, imitação.


¹ Meditação feita à Família Paulina em Roma, na Cripta do Santuário de Santa Maria Rainha dos Apóstolos, em 8 de janeiro de 1961. Transcrição de fita: A6/an 91b = ac 155b. Falta a primeira parte.
² Cf. Lc 2,52.
³ Cf. Lc 2,51: “…estava-lhes submisso”.
⁴ Pio X, Giuseppe Sarto (1835–1914), Papa desde 1903. Seu pontificado foi marcado, em parte, pela luta contra o modernismo. Reformou a liturgia, atuou nos campos catequético e pastoral. Foi canonizado em 29 de maio de 1954 por Pio XII.
⁵ Cf. Pio X, Haerent Animo, Exortação Apostólica ao Clero Católico, 4 de agosto de 1908.
⁶ Lema do pontificado de Pio X. Cf. Ef 1,10: “…reunir em Cristo, como cabeça, todas as coisas…”.
⁷ Cf. Hb 1,2: “…falou-nos por meio do Filho”.
⁸ Cf. Mt 18,22.
⁹ Cf. Jo 15,5-6.
¹⁰ Cf. Mt 28,19.
¹¹ Cf. 1Cor 4,1-2.
¹² Don Alberione refere-se ao tríplice múnus do sacerdote: magistério da Palavra, ministério da graça e governo das almas.
¹³ Cf. Mt 28,18.
¹⁴ Cf. Jo 20,21.
¹⁵ Cf. Constituições de 1953, arts. 258-259.
¹⁶ Cf. Tt 2,7; cf. também 1Tm 4,11-12.


LITURGIA DO DIA: REFLEXÃO DO 30º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C

26 de outubro de 2025
Evangelho: Lucas 18,9-14
Leituras: Eclesiástico 35,15b-17.20-22a; Salmo 33(34); 2 Timóteo 4,6-8.16-18
Celebração da Família Paulina: Solenidade de Jesus Mestre e Pastor, Caminho, Verdade e Vida

A liturgia deste domingo nos conduz ao coração da fé cristã: o encontro pessoal com Deus que ouve os humildes e exalta os que se reconhecem pequenos. À medida que nos aproximamos do final do Ano Litúrgico, a Palavra nos convida a uma revisão interior. Não para medir nossas conquistas espirituais, mas para reencontrar o sentido da oração, da fé e da confiança na misericórdia divina.

Neste mesmo domingo, a Família Paulina celebra com alegria a Solenidade de Jesus Mestre e Pastor, Caminho, Verdade e Vida, Aquele que nos conduz à plenitude da comunhão com o Pai. Diante d’Ele, aprendemos que o verdadeiro discipulado se faz na escuta, na humildade e na confiança.

“Quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.” (Lc 18,14)

Há parábolas que nos desnudam. Diante delas, não há como permanecer indiferente. A parábola do fariseu e do publicano é uma dessas joias que Jesus nos oferece para iluminar o interior do coração.

Dois homens sobem ao templo para rezar. Ambos parecem fazer o mesmo gesto, mas seus corações trilham caminhos opostos. O fariseu ergue os olhos e o peito: recita sua oração com segurança e autossuficiência. Suas palavras ecoam o som do próprio ego: um louvor que termina em si mesmo.
O publicano, por sua vez, permanece à distância. Não tem coragem de olhar para o alto; suas mãos não se elevam, seu corpo se curva. Apenas murmura: “Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!”.

A cena é silenciosa, mas carregada de sentido. Jesus conclui: “Eu vos digo: este último voltou para casa justificado, o outro não.” O contraste é radical. O fariseu cumpre a lei, mas reza a si mesmo. O publicano é pecador, mas reza de verdade. O primeiro busca afirmar-se diante de Deus; o segundo, deixar-se encontrar por Ele.

A oração que nasce da verdade

Este Evangelho, proclamado ao final do Tempo Comum, é um convite à autenticidade. Não basta rezar; é preciso rezar com verdade. O fariseu é o retrato da religião quando se esquece do amor: cumpre ritos, mas não se deixa transformar. O publicano é o retrato da alma que, ao reconhecer sua miséria, abre espaço para a graça.

A oração do fariseu é feita de comparações e méritos; a do publicano, de arrependimento e confiança. Um se exalta e se fecha. O outro se humilha e se abre. Na lógica do Reino, é o vazio que Deus preenche.

Rezar é um ato de despojamento. Quando nos colocamos diante do Senhor, não para mostrar quem somos, mas para deixar que Ele nos diga quem somos, então a oração se torna encontro.

A parábola do fariseu e do publicano não é apenas um contraste moral; é um espelho espiritual. Em algum momento, todos nós carregamos um pouco dos dois dentro de nós. Às vezes, somos o fariseu que se julga justo; outras, o publicano que se sente indigno. O importante é que, como o publicano, nunca deixemos de subir ao templo, isto é, nunca deixemos de procurar a Deus.

A humildade não é se rebaixar, mas permitir que Deus seja Deus. É admitir que nossa força está na dependência d’Ele, que nossa oração mais pura é o simples “tem piedade de mim”.

Neste domingo, ao celebrarmos Jesus Mestre e Pastor, somos convidados a aprender com Ele o caminho da verdade interior. O Mestre não despreza quem se sente pequeno; o Pastor não abandona quem se reconhece perdido. Aos olhos do mundo, a humildade pode parecer fraqueza; aos olhos de Deus, é o solo fértil onde germina a graça.

O eco das demais leituras

A primeira leitura, do livro do Eclesiástico (35,15b-17.20-22a), reforça a convicção de que Deus não se deixa comprar por aparências. “Ele não faz diferença entre pessoas”, diz o texto. “A oração do pobre atravessa as nuvens.” O pobre, aqui, é todo aquele que não tem outro apoio senão Deus. O publicano é, portanto, a concretização desse “pobre” do Eclesiástico: um homem despojado, sem títulos nem méritos, mas que confia plenamente na misericórdia divina.

O Salmo 33(34) é o canto que dá voz a essa experiência: “O pobre clama, e o Senhor o escuta.” O salmista não fala da pobreza como miséria, mas como lugar de encontro com Deus. É no limite humano que se revela a força divina. O louvor do salmo é humilde, mas transbordante. Brota da gratidão de quem experimentou ser sustentado pelo amor.

Na segunda leitura (2Tm 4,6-8.16-18), São Paulo fala com serenidade de quem viveu inteiramente para o Evangelho: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé.” Mas o apóstolo não se exalta. Reconhece que tudo é graça: “O Senhor esteve ao meu lado e me deu forças.” Paulo se torna, assim, o exemplo maduro da atitude do publicano: alguém que se sabe fraco, mas confia no Senhor que o fortalece.

O silêncio onde Deus habita

No fim da parábola, o publicano desce do templo em silêncio. Nenhuma palavra triunfante, nenhum gesto de vitória. Apenas o coração em paz, o coração justificado.

É assim que Deus age: em silêncio, no íntimo, transformando o coração que se deixa amar. Que nossa oração, neste domingo, seja como a dele — breve, sincera e verdadeira: “Senhor Jesus, Mestre e Pastor, Caminho, Verdade e Vida, tem piedade de mim e ensina-me a caminhar na tua luz.”

Porque quem se humilha será exaltado, e é no silêncio dos humildes que o Mestre fala mais claramente.

Jesus Mestre e Pastor: o Caminho dos humildes

Neste domingo, a Família Paulina celebra a Solenidade de Jesus Mestre e Pastor, Caminho, Verdade e Vida. É belo notar como o Evangelho nos leva exatamente a essa experiência: o fariseu permanece em si, perdido em seu próprio caminho; o publicano se deixa conduzir pelo Mestre, que é o verdadeiro Caminho.

Jesus é o Mestre que ensina não apenas com palavras, mas com o gesto humilde de quem se inclina para servir. É o Pastor que guia com ternura, que busca a ovelha perdida e se alegra com o seu retorno.
É o Caminho que nos liberta das ilusões da perfeição aparente.
É a Verdade que nos mostra o rosto de Deus, não como juiz severo, mas como Pai compassivo.
É a Vida que brota quando reconhecemos que não somos o centro: Ele é.

Ser discípulo do Mestre é aprender a orar como o publicano: com o coração exposto, sem máscaras, sem defesas.

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O CORAÇÃO DA ESPIRITUALIDADE PAULINA: JESUS MESTRE, CAMINHO, VERDADE E VIDA

A vastidão da espiritualidade cristã é rica em métodos, carismas e escolas de santidade, cada um oferecendo uma via singular para o encontro profundo com Deus. No entanto, para o Bem-aventurado Tiago Alberione (1884-1971), fundador da Família Paulina, a essência de todo o itinerário de fé e apostolado converge para uma única e fundamental figura: Jesus Mestre, Caminho, Verdade e Vida. Esta não é apenas uma devoção, mas a espinha dorsal de um método de vida espiritual e missionária que ele legou aos seus filhos e filhas.

Esta fórmula, extraída da eloquente passagem evangélica de João 14,6 – “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai senão por Mim” –, não é, na visão de Alberione, uma simples tríade de atributos. É, antes, a “definição completa” que Jesus deu de Si mesmo, o Cristo total, que se oferece à pessoa humana inteira. O método de Jesus Mestre é, portanto, uma espiritualidade integral que visa a conformação perfeita do crente a Cristo em todas as dimensões da sua personalidade: mente, vontade e coração.

A Urgência de uma Espiritualidade Integral

Tiago Alberione viveu a sua juventude e fundou as suas congregações no início do século XX, um tempo marcado por profundas transformações sociais, científicas e culturais. O progresso acelerado da técnica e a emergência dos poderosos meios de comunicação social (imprensa, cinema, rádio) exigiam uma nova forma de evangelização. Alberione intuiu que, para responder aos desafios do novo século, não bastava usar os novos instrumentos; era preciso, sobretudo, forjar um “homem novo”, um apóstolo plenamente formado e estruturado em Cristo, capaz de inserir a mensagem evangélica na cultura da comunicação.

É neste contexto que a proposta de Jesus Mestre, Caminho, Verdade e Vida revela a sua genialidade e a sua profunda sabedoria pastoral. Alberione compreendeu que a fragmentação da vida moderna, com as suas divisões entre fé e vida, razão e sentimento, exigia uma síntese poderosa. O método paulino oferece essa síntese, garantindo que o apostolado e a santidade não sejam realidades separadas, mas faces da mesma moeda: a vida vivida em e por Cristo.

Desdobrando a Tríade: Mente, Vontade e Coração

A genialidade de Tiago Alberione consistiu em associar cada termo da fórmula de Jesus a uma faculdade fundamental da alma humana, transformando-a num roteiro prático para a santificação e a missão.

1. Jesus Mestre: A Verdade (Mente/Intelecto)

A primeira dimensão é Jesus como a Verdade. Na visão de Alberione, esta Verdade corresponde à Mente ou ao intelecto do ser humano.

Jesus é o Mestre Divino, a Palavra feita carne que ensina a plenitude da doutrina e revela o mistério do Pai. A santificação da mente passa, primeiramente, pelo conhecimento, pelo estudo e pela assimilação da doutrina de Cristo, que é a única capaz de libertar o indivíduo do erro, das trevas e dos “pensamentos inúteis” que o afastam da realidade de Deus.

O método exige, portanto, um esforço contínuo para pensar em Cristo e com Cristo. A meta é alcançar a suprema altura da personalidade, onde se pode dizer: “Não sou eu que penso em Jesus Cristo, mas é o Cristo que pensa em mim”. Esta dimensão implica um profundo amor à Palavra de Deus, à Sagrada Escritura e ao Magistério da Igreja, para que a inteligência do apóstolo seja verdadeiramente iluminada pela luz da Verdade. É a base da formação, garantindo que o apóstolo da comunicação anuncie sempre uma mensagem sólida e verdadeira.

2. Jesus Mestre: O Caminho (Vontade/Ação)

A segunda dimensão é Jesus como o Caminho, associado à Vontade e à ação humana.

Se a Verdade ilumina a mente, o Caminho direciona a vida. Jesus não apenas ensinou o caminho, mas é o Caminho que conduz ao Pai. Esta dimensão está intrinsecamente ligada à moral, à prática das virtudes e ao dinamismo da santidade. O método de Alberione apela para que o apóstolo se torne um fiel seguidor de Jesus, imitando as Suas atitudes, os Seus gestos e, sobretudo, a Sua entrega total ao projeto do Pai.

A santificação da vontade exige a conformação do querer humano ao querer divino. O apóstolo busca querer em Cristo, esforçando-se para realizar a perfeição ensinada por Jesus: “Tornai-me perfeito, como o Pai que está nos céus”. Esta é a dimensão do apostolado, pois o Caminho de Jesus é um caminho em saída, em direção aos outros. Ao imitar o Caminho de Cristo, o apóstolo torna-se uma testemunha autêntica d’Ele diante dos homens.

3. Jesus Mestre: A Vida (Coração/Sentimento)

A terceira e decisiva dimensão é Jesus como a Vida, que corresponde ao Coração e aos sentimentos humanos.

A Vida de Cristo é o dom da graça, a plenitude do amor e a união íntima com Deus. É a dimensão que garante que o Caminho percorrido e a Verdade conhecida sejam vivificados pela caridade. Não basta conhecer a Verdade ou trilhar o Caminho; é preciso ter a Vida, que é o Espírito Santo operando no íntimo do ser.

A santificação do coração implica o desejo ardente de amar em Cristo e viver em Cristo. O apóstolo clama: “Jesus Vida, vivei em mim, para que eu viva em Vós”. Esta é a dimensão mística e afetiva, o cerne da devoção para Alberione. O apóstolo busca a união tão profunda com o Mestre que os seus sentimentos, as suas paixões e a sua alegria sejam os do próprio Cristo. É a dimensão que leva o apóstolo a ser uma presença que contagia a todos com o amor e a alegria de Jesus.

A Conformação Total: Mente, Vontade e Coração

O método de Jesus Mestre, Caminho, Verdade e Vida, na visão de Tiago Alberione, não é um conjunto de exercícios a serem feitos separadamente, mas um dinamismo espiritual e apostólico em “sístole e diástole”, como o coração. O objetivo final é a cristiformidade, a formação de um ser novo que reflita Jesus de modo completo, em todas as suas faculdades.

Alberione sintetiza esta meta numa frase de extraordinária densidade teológica e mística, que é a chave de interpretação do seu método:

“Estabelecer-se totalmente em Jesus Mestre Verdade (mente), Caminho (vontade) e Vida (sentimento); até chegar à suprema altura da nossa personalidade, ou seja: não sou eu que penso em Jesus Cristo, não sou eu que amo em Jesus Cristo, não sou eu que quero em Jesus Cristo; é o Cristo que pensa em mim, que ama em mim, que quer em mim.”

Este ideal de identificação total com o Mestre Divino é a alma da Espiritualidade Paulina e a garantia da fecundidade do apostolado. A pessoa que alcança esta “suprema altura” é o “homem de Deus”, a “alma apóstola” que Alberione sempre desejou formar.

Para Alberione, o apóstolo completo é aquele que semeia as três coisas juntas:

  • Santidade (Caminho)
  • Verdade (Verdade)
  • Graça (Vida)

Quem semeia estas três juntas exerce um apostolado completo.

Alberione exortava os seus seguidores a pensar e a desejar o grande: “Ter um coração maior que os mares e os oceanos!”. Este coração é alimentado pela devoção a Jesus Mestre. Ao contemplar a figura de Jesus Mestre, Caminho, Verdade e Vida, o apóstolo Paulino encontra a sabedoria (Verdade) para discernir os sinais dos tempos e as linguagens da cultura, o caminho (Caminho) para a ação audaciosa e persistente para a missão, e a força (Vida) que o faz consumir-se abundantemente (como São Paulo) para levar a todos o bem extremo que é Cristo.

Em conclusão, o método de Jesus Mestre é a síntese da espiritualidade e da missão para Tiago Alberione. Ele garante que a técnica e o espírito, o corpo externo e a alma do apostolado, permaneçam indissociáveis, fazendo de cada membro da Família Paulina um instrumento completo para que “Jesus Cristo seja conhecido, amado e vivido por todos” através dos instrumentos mais eficazes que o tempo presente oferece. É a herança de um místico que transformou um versículo evangélico no mais completo plano de vida e ação para o apóstolo moderno.

A VOSSA MISSÃO: DIFUNDIR A ESPIRITUALIDADE PAULINA

Este texto encerra uma série de Exercícios Espirituais pregados pelo Bem-aventurado Tiago Alberione às Pias Discípulas do Divino Mestre, em abril de 1966, na Casa Divino Mestre, em Ariccia. Trata-se de uma fala final, de tom profundamente espiritual e afetivo, em que o Fundador retoma os principais temas de sua espiritualidade e os entrega às irmãs como um verdadeiro testamento interior.

Em italiano, o texto “La vostra missione: diffondere la spiritualità paolina” (Fecho dos Exercícios Espirituais, Ariccia, 29 de abril de 1966), proferido pelo Bem-aventurado Tiago Alberione às Pias Discípulas do Divino Mestre: APD66

Alberione convida suas ouvintes a dar graças a Deus pelos frutos dos Exercícios (luzes, consolações e propósitos), lembrando que o agradecimento é o primeiro passo para receber novas graças. O clima do discurso é de recolhimento, alegria e missão, típico do encerramento de um retiro, mas também de envio: ele envia as irmãs novamente ao mundo, como portadoras da espiritualidade paulina.

No coração do texto está o chamado à missão de difundir o espírito paulino, que consiste em viver e anunciar Jesus Cristo como Caminho, Verdade e Vida. Essa tríplice dimensão expressa toda a pedagogia espiritual de Alberione:

  • Caminho, porque Cristo é a forma de viver, a via concreta da santidade;
  • Verdade, porque Ele ilumina a mente com a sabedoria do Evangelho;
  • Vida, porque comunica a graça e transforma o ser humano desde dentro.

Inspirado em São Paulo, Alberione recorda que essa espiritualidade nasce do Evangelho interpretado e vivido pelo Apóstolo das Nações, e que a presença de Maria “Rainha dos Apóstolos”, garante a fecundidade dessa missão.

O Fundador sublinha ainda a importância de uma vida interior profundamente unida a Cristo, cultivada no silêncio, na adoração e na meditação da Palavra. Ele fala de uma “meia vida claustral”: não o isolamento do mundo, mas um recolhimento que mantém o coração em contínuo diálogo com o Mestre Divino.

Para Alberione, viver o espírito paulino exige também fidelidade às Constituições, lidas e meditadas como caminho seguro de santificação. Nelas, a religiosa encontra a expressão concreta da vontade de Deus e o meio de viver “em Cristo e na Igreja”.

Na parte final, o texto assume um tom litúrgico e pedagógico: Alberione convida à renovação das promessas batismais e dos votos religiosos, e à formulação de propósitos pessoais para uma vida mais plena e coerente com a vocação. Ele estrutura a conclusão em três atos:

  1. Reavivar o batismo como raiz da vida cristã;
  2. Renovar os votos como caminho de amor perfeito — perfectae caritatis — em consonância com o Concílio Vaticano II;
  3. Confirmar os propósitos feitos diante de Cristo Eucarístico, com seriedade e verdade interior.

A homilia termina com uma bênção solene e um gesto de paternidade espiritual: Alberione promete rezar todos os dias por quatro intenções fundamentais (vocações, formação, santificação e apostolado), desejando que as irmãs vivam o lema paulino de sua revista: In Christo et in Ecclesia, “em Cristo e na Igreja”.

Assim, este texto pode ser lido como uma síntese luminosa da espiritualidade paulina: união com Cristo Mestre, amor à Igreja, fidelidade à vocação e ardor apostólico. Nele, o Fundador transmite não apenas conselhos práticos, mas um itinerário espiritual completo. Um verdadeiro caminho de contemplação e de missão, de silêncio e de anúncio, de comunhão e de vida interior.

Segue o texto na íntegra, traduzido em português:


22. A VOSSA MISSÃO: DIFUNDIR A ESPIRITUALIDADE PAULINA

(Conclusão dos Exercícios Espirituais)

Exercícios Espirituais (21-29 de abril de 1966) às Pias Discípulas do Divino Mestre.
Ariccia, Casa Divino Mestre, 29 de abril de 1966

“Agimus tibi gratias… pro universis beneficis tuis.”
Durante dezoito anos, sempre nos fizeram recitar o agradecimento: de manhã, após o estudo, após a escola, depois de cada atividade: “Senhor, nós Vos agradecemos pelos benefícios que nos concedestes.”
E agora, todas vocês, juntas: Agimus tibi gratias. Senhor, nós Vos agradecemos pelos benefícios destes Exercícios, pelas inspirações, pela luz, pelo conforto e pelos propósitos feitos. Oh! Agradeçamos ao Senhor. Ao agradecer, vocês se asseguram de novas graças da misericórdia de Deus. Como o Senhor é bom! Como tem sido bom com vocês! Desde o nascimento até o momento em que chegaram à consagração ao Senhor — e quão mais crescerão as graças depois da profissão perpétua! E, no fim da vida, se tiverem correspondido, direis o Te Deum, o Agimus tibi gratias pro universis beneficis tuis. Agradecer!

Agora, dois pensamentos para a conclusão destes santos Exercícios, que fizestes com tanto zelo e fervor.

O primeiro pensamento é este: a vossa missão de levar e viver, em toda a Família Paulina, Jesus Cristo Caminho, Verdade e Vida. Eis: Caminho, Verdade e Vida!

Este é o espírito paulino. Porque o espírito paulino consiste no Evangelho: Jesus Cristo, sua vida, sua pregação, sua paixão, morte, ressurreição e glorificação à direita do Pai. Este Evangelho, interpretado e aplicado por São Paulo — o Evangelho explicado e concretizado nos detalhes que nos dizem respeito, pela sua pregação e pelas suas cartas.

E, para que isto aconteça, é necessária a proteção de Maria. Vocês têm esta santa missão de difundir a espiritualidade paulina, sim. Fazendo a vossa parte — entrando na intimidade de Jesus Cristo Caminho, Verdade e Vida, segundo as pregações e as cartas de São Paulo, e sob a proteção de Maria — possuireis o verdadeiro espírito paulino, e o alcançareis para toda a Família Paulina. Eis, sim: esta é uma grande missão.

E neste sentido, deveis conduzir a vida com meia vida claustral. Essa “meia vida claustral” corresponde ao silêncio e ao recolhimento, para que sempre exista comunicação da alma com Jesus Cristo.

Se falamos pouco com os homens… é preciso falar nas necessidades, mas, nas demais coisas… Quando há essa vida semi-claustral, ela participa, comunica e vivifica a vida em Cristo e no Divino Mestre, que ensinou com o exemplo, com a palavra e com a graça.

Portanto, esse silêncio habitual — mesmo quando há necessidade de falar — e também as recreações e comunicações fraternas, devem acontecer com moderação: de um lado, comunicam-se as coisas necessárias e se leva alegria à comunidade; de outro, o restante é vivido com Jesus, em Jesus, e no Divino Mestre.

Porém, ainda não existe plenamente entre vocês essa espiritualidade em Jesus Cristo Mestre Divino — mas já há certo grau, e Deus seja bendito! É preciso progredir neste sentido, vivendo cada vez mais em Cristo: Vivit vero in me Christus — “vive em mim Cristo” (Gl 2,20).

Cristo vive em nós na medida em que é Caminho, Verdade e Vida: domina a vontade, ilumina a mente e comunica a graça. Grande é a vossa missão! Oh, grande é a vossa missão!

E para viver esse espírito, é necessária a observância das Constituições. Leiam e releiam as Constituições, ao menos uma vez por ano, devagar, refletindo. Durante a Visita: adoração e reflexão. Ano após ano haverá progresso no conhecimento de Jesus Cristo e no crescimento do espírito paulino em nós.

Amem as Constituições, como já disse no início dos Exercícios. É preciso amar as Constituições aprovadas pela Igreja — pois, pela orientação da Igreja, elas vos introduzem na verdadeira santidade, na vossa santidade própria — da Família Paulina e, em particular, de vocês.

Meditem sobre os artigos das Constituições. Às vezes, um artigo pode não se aplicar diretamente a uma pessoa, porque não exerce aquele ofício, mas é preciso sempre considerar e meditar: uns servem para cada uma pessoalmente, outros aplicam-se às demais irmãs. Amem muito as Constituições. Quando se faz a profissão, é entregue o livro das Constituições — e até antes, no noviciado.

Eis, então, os dois pensamentos para o encerramento destes Exercícios Espirituais.

Obtêm-se muitas graças — mas antes é preciso adorar e agradecer.
Quando a oração se divide em quatro partes — adoração, agradecimento, reparação e súplica — devemos adorar a Deus, o Divino Mestre Jesus Cristo, e depois agradecer-Lhe por tudo: pela vocação, pela Congregação, pela vida da Igreja. Se compreendermos bem a Igreja para vivê-la, especialmente nesta parte da Igreja que é vossa e nossa, então vivemos as Constituições.

Porque em Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida — mas, como se chega a isso? — por meio das Constituições, sim.

Agora que realizastes bem os Exercícios, há três pontos de conclusão a recordar:

  1. Renovação das promessas batismais — o batismo como cristãs;
  2. Renovação dos votos religiosos — como religiosas;
  3. Propósitos para viver melhor a vida religiosa segundo o espírito das Pias Discípulas.

Primeiro: a renovação das promessas batismais (ou “votos batismais”). Seja qual for o nome, o sentido é o mesmo. Quando nascemos — vida humana — o Senhor nos deu também a vida da graça, a vida cristã. Assim, tornamo-nos cristãos; a criança vive da graça. Mas houve um pacto: para que o Senhor conceda a graça por meio do batismo, é preciso que se façam promessas.

Por isso, antes do batismo, o sacerdote pede o compromisso — digamos assim — assumido em nome da criança pelos padrinhos. E o Senhor concede a graça. O compromisso é viver cristamente, seguir o Divino Mestre, Caminho, Verdade e Vida; crer nas verdades ensinadas por Jesus Cristo e viver segundo Ele — na graça e crescendo nela a cada dia.

O segundo ponto diz respeito aos votos religiosos.
Depois da vida humana e da vida cristã, vem a vida religiosa: a terceira vida, vida de aperfeiçoamento — perfectae caritatis, como diz o Decreto do Concílio Vaticano II sobre a vida religiosa. Perfectae caritatis significa amar perfeitamente, amar completamente a Deus com todo o ser, sem buscar outra coisa. E amar o próximo, buscando a salvação das almas — amando-as de todas as maneiras, através dos apostolados que vos são confiados.

Portanto, o empenho nos apostolados distribuídos na Congregação: todas as Pias Discípulas, quanto à vida eucarística; e depois, conforme os ofícios, o serviço sacerdotal e o serviço litúrgico.

Agora é certamente o momento mais belo do ano. Tendes ótimas disposições e, portanto, também uma compreensão mais profunda da vida religiosa e da observância. É a luz recebida nestes dias. Compreendei cada vez mais a vida religiosa. É um momento de máxima preparação. Às vezes, recitam-se as fórmulas superficialmente, mas agora, profundamente: a total doação ao Senhor — mente, coração, vontade, imaginação, memória, olhos, ouvido, língua, tato… Tudo de Deus, tudo de Jesus Cristo.

O compromisso de fazer tudo o que as Constituições contêm e o que está compreendido na renovação dos votos religiosos.

O terceiro ponto diz respeito aos propósitos pessoais.
Esses propósitos devem ser mantidos. Podem ser gerais — relativos à vida religiosa —, mas cada uma tem suas necessidades, dificuldades e propósitos particulares para viver melhor a própria consagração.

Agora, dois minutos de silêncio, para que cada uma apresente seus propósitos a Jesus na Eucaristia, aqui presente. Cuidemos para não brincar com Jesus — não apenas escrever palavras, mas que haja profundidade: “Quero, e, com a tua graça, espero conseguir observá-los.” Assim, quando voltardes aos Exercícios, podereis perguntar-vos: “Cumpri realmente o que havia prometido?”

Agora, dois minutos de silêncio para que cada uma apresente seus propósitos a Jesus.
Louvado seja Jesus Cristo.

Neste ano, rezai muito. Digo-vos que todas as manhãs, antes da Missa, peço quatro graças:

  1. As vocações;
  2. Uma santa formação — antes do hábito, depois do hábito, durante o noviciado e o tempo dos votos temporários;
  3. O trabalho de santificação na observância das Constituições;
  4. O apostolado — para a glória do Senhor e a salvação das almas, no espírito da Igreja, vivendo in Christo et in Ecclesia, como é o título da vossa publicação.

E então:
“A bênção de Deus onipotente, Pai, Filho e Espírito Santo, desça sobre vós e permaneça sempre.”
Amém. Deo gratias.

Recordai estas quatro graças. O Senhor esteja sempre convosco.