Venha refletir e rezar conosco sobre como a liturgia pode despertar a responsabilidade e a beleza do cuidado da criação.
Quem são os nossos participantes desta live?
Irmã Maria da Penha Carpanedo, PDDM, é Religiosa da Congregação das Irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre (PDDM), na qual ingressou em 1969, professando os votos religiosos em 1974. Dedica-se há décadas à formação litúrgica no Brasil, atuando especialmente nas Escolas de Liturgia e em processos de iniciação à vida cristã. É responsável pelo serviço de redação da Revista de Liturgia, contribuindo com reflexões, roteiros e subsídios pastorais. Especialista em liturgia, tem participação ativa em encontros, cursos e formações voltados à vida litúrgica das comunidades. Com linguagem acessível e profunda, a Irmã Penha é reconhecida por unir sensibilidade pastoral e rigor litúrgico em sua missão de ajudar comunidades a viverem a liturgia como fonte de fé e vida cristã.
Dom Jerônimo Pereira Silva, OSB, é monge beneditino do Mosteiro de São Bento de Olinda (PE), presbítero desde 2004. Possui formação sólida na área de liturgia. Ele é Doutor em Sagrada Liturgia pelo Pontifício Instituto Litúrgico de Santo Anselmo, Roma; Mestre em Teologia, com especialização em Liturgia Pastoral, pelo Instituto de Liturgia de Santa Giustina, Pádua; e possui formação em música litúrgica pelo Instituto de Santo Anselmo. Atualmente, é presidente da Associação dos Liturgistas do Brasil (ASLI) e membro da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB. Publica artigos e ministra cursos, unindo reflexão acadêmica e experiência pastoral. Seu trabalho destaca-se pela busca de uma liturgia fiel à tradição, mas aberta ao diálogo com a cultura e à participação ativa das comunidades.
Daniel Carvalho é leigo, pesquisador e formador em liturgia. Ele é Mestre em Ciências da Religião pela PUC Goiás; Especialista em Liturgia Cristã pela FAJE (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia), em parceria com a Rede Celebra. Atualmente cursa o Doutorado em Ciências da Religião, com pesquisa voltada à liturgia, bíblia e questões socioambientais. Tem publicado artigos acadêmicos e pastorais em revistas e coletâneas, além de colaborar com encontros e formações. Seu interesse se volta às intersecções entre liturgia, Palavra de Deus e justiça socioambiental, mostrando como a celebração cristã pode inspirar práticas concretas de cuidado com a vida e a criação.
Revista de Liturgia 🔹 Nosso compromisso é com a formação litúrgica.
Nos dois últimos finais de semana de setembro (14 e 21), aconteceram os Encontros Regionais dos Cooperadores Paulinos do Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Esses momentos marcaram o encerramento do itinerário formativo que preparou os participantes para viver o tema central: a identidade do Cooperador Paulino, iluminada pela reflexão “Retomando o meu batismo” e “Nossa Identidade a partir da óptica do Fundador”. Inspirados na imagem da construção de uma casa, todos foram convidados a refletir não apenas sobre a missão da Família Paulina no mundo, mas também sobre a edificação da própria “casa interior”, alicerçada em Cristo.
Em Caxias do Sul (RS), o encontro foi acolhido pela comunidade Santa Lúcia, reunindo Cooperadores vindos de várias partes do Brasil: Boa Vista (RR), Conceição do Tocantins (TO), São Paulo (SP), Presidente Prudente (SP), Curitiba/Pinhais (PR) e Cascavel (PR). Do Rio Grande do Sul, participaram grupos de Santana do Livramento, Bento Gonçalves e Porto Alegre, além dos grupos locais: Santos Apóstolos, Santíssima Trindade, Jesus Mestre e Terceira Légua. A presença do Pe. Francisco Galvão, primeiro Padre Paulino a participar de um Regional no estado, trouxe ainda mais entusiasmo e vitalidade. O encontro também foi enriquecido pela presença das Irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre, Irmãs Paulinas e Irmãs Pastorinhas, fortalecendo os laços da Família Paulina.
Já em Anastácio (MS), os Cooperadores receberam com alegria os grupos vindos de Campo Grande e Bodoquena. Foi um momento marcado por emoção, partilha e renovação da fé, em que Cooperadores e religiosas reafirmaram sua identidade e compromisso no seguimento do Mestre Pastor, redescobrindo a beleza de pertencer à Família Paulina.
É importante recordar que o Cooperador Paulino é um leigo batizado que, inspirado pelo carisma paulino, assume a busca da santidade e o compromisso com o apostolado. Vive no coração do mundo a missão de anunciar Jesus Mestre, Pastor, Caminho, Verdade e Vida, tornando-se fermento do Evangelho nas realidades humanas e presença viva da Família Paulina na sociedade.
Em síntese, o Hino dos Regionais dos Cooperadores Paulinos no Brasil – 2025 expressa e confirma essa vivência: o desejo de corresponder à vontade do Mestre Pastor, valorizando a riqueza da diversidade que nos caracteriza e respondendo, com fé e esperança, ao chamado de ser sal e luz no tempo e nos contextos em que estamos inseridos.
“Pedras Vivas em Cristo!”
Atentos aos sinais dos tempos com o coração do Bom Pastor Vemos tanta morte, fake News e divisões Cansaço, desesperança dilaceram os corações Com ardor de Paulo e Alberione um mundo novo edificar
Eu e você, “pedras vivas” da construção Em Cristo Alicerçados, a “Casa Paulina”, edificar: Sal da terra luz do mundo – o Evangelho proclamar!
Na Família Paulina cada membro tem seu lugar Dons diversos, mas unidos, tijolos na construção Palavra e Eucaristia, em Cristo Mestre, inspiração De uma Nova mentalidade, unidade e compaixão. (L.M. Ir. Suzimara B. De Almeida, sjbp)
Liturgia do Dia – Sexta-feira, 19 de Setembro de 2025 – 24ª Semana do Tempo Comum, Ano Ímpar (I)
O evangelho proposto pela liturgia do dia (Lc 8,1-3) nos coloca diante de uma cena de profundo valor teológico e pastoral: Jesus caminha de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, anunciando e proclamando a boa-nova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os Doze e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades. Entre elas, Lucas menciona Maria Madalena, da qual tinham saído sete demônios, Joana, esposa de Cuza, administrador de Herodes, Susana e muitas outras, que ajudavam a sustentar Jesus e seus discípulos com os próprios bens.
Esse breve relato mostra um traço fundamental do ministério de Jesus: a itinerância missionária e a inclusão. Jesus não permanece preso a um lugar, mas percorre os caminhos, vai ao encontro das pessoas, leva a Boa-Nova a todos, sem restrições. Além disso, sua missão não é solitária nem exclusiva dos Doze apóstolos: mulheres também estão integradas nesse movimento evangelizador. Em um contexto cultural em que a mulher tinha um papel social limitado, a presença feminina no discipulado de Jesus revela a novidade radical do Evangelho, onde todos têm lugar, todos podem servir, todos podem participar.
Do ponto de vista teológico, o texto aponta para a universalidade da salvação e para a dimensão comunitária do seguimento de Cristo. O Reino não é construído apenas por figuras centrais, mas por uma comunidade variada, com diferentes histórias de vida, marcada por curas, libertações e testemunhos. Jesus mostra que o discipulado é fruto da experiência de encontro e de gratuidade: aqueles que foram alcançados pela graça tornam-se colaboradores na missão.
Essa perspectiva ajuda a compreender a articulação com a primeira leitura (1Tm 6,2c-12). Paulo, dirigindo-se a Timóteo, recorda a importância de ensinar a sã doutrina, evitando a tentação da busca pelo lucro e a avidez pelo dinheiro. O apóstolo exorta a fugir da ganância, pois “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro”. Em contraste, convida a cultivar a fé, a piedade, a perseverança, o amor e a mansidão, lutando o bom combate da fé e alcançando a vida eterna.
Ao ligar o evangelho com a exortação paulina, podemos perceber um fio condutor: a verdadeira riqueza está em seguir Jesus e partilhar os bens para o serviço do Reino. As mulheres que acompanhavam Cristo sustentavam a missão não por interesse, mas por gratidão e generosidade. Paulo, por sua vez, adverte contra o risco de reduzir a fé a um meio de enriquecimento. A liturgia do dia, portanto, convida a refletir sobre a relação entre fé e bens materiais: o discipulado se expressa também na maneira como administramos aquilo que temos.
O salmo responsorial (Sl 48[49]) reforça essa mensagem, proclamando a relatividade das riquezas. “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” é o refrão tirado do Evangelho de Mateus, e o salmo canta a precariedade da confiança nos bens terrenos. O salmista lembra que ninguém leva nada consigo ao morrer; por mais que alguém se enriqueça, sua glória não o acompanha na morte. O que permanece, em última instância, é a confiança em Deus.
Se o evangelho mostra mulheres generosas que oferecem seus recursos para a missão e a carta a Timóteo adverte contra a cobiça, o salmo nos coloca diante da transitoriedade da vida e do chamado à confiança plena no Senhor. O itinerário da liturgia do dia conduz a uma síntese clara: o seguimento de Jesus exige liberdade interior em relação aos bens materiais, disponibilidade para partilhar e coragem para viver uma fé encarnada no serviço.
As implicações pastorais desse conjunto de leituras são riquíssimas. Em primeiro lugar, a comunidade cristã é chamada a reconhecer o valor da diversidade de vocações e ministérios. O evangelho lembra que o seguimento de Jesus é para homens e mulheres, jovens e idosos, ricos e pobres, cada qual com seus dons e com sua história de libertação. A pastoral da Igreja deve sempre cultivar esse espírito de inclusão, rompendo barreiras culturais e sociais que possam restringir a ação do Evangelho.
Em segundo lugar, a liturgia do dia provoca a refletir sobre o uso dos bens. No mundo atual, marcado pelo consumismo, pela desigualdade e pela idolatria do dinheiro, a Palavra convida a um estilo de vida mais simples, solidário e desapegado. Não se trata de desprezar os bens materiais, mas de saber orientá-los para o bem comum, como fizeram aquelas mulheres que ajudaram Jesus e os discípulos. A pastoral social e a prática da caridade são, assim, dimensões inseparáveis da vida cristã.
Outro aspecto importante é a exortação de Paulo a Timóteo: a fé não deve ser instrumentalizada para interesses pessoais. Isso vale também para o nosso tempo, quando muitas vezes se vê a tentação de usar a religião como meio de lucro, de poder ou de manipulação. A liturgia do dia denuncia tais desvios e reafirma que a missão da Igreja é testemunhar o Evangelho com simplicidade e gratuidade, apontando para Cristo e não para si mesma.
Por fim, a palavra proclamada nos chama à esperança e à confiança. O salmo recorda que nada neste mundo é definitivo, exceto a promessa de Deus. Por isso, o cristão é convidado a viver com os pés na terra, comprometido com a justiça, mas com o coração voltado para o céu, buscando sempre o Reino que não passa.
Celebrar a liturgia do dia nesta sexta-feira, 19 de setembro de 2025, é renovar o compromisso de ser discípulo missionário, como aqueles que seguiam Jesus em seu caminho. É deixar-se tocar pela Palavra, rever nossas prioridades, cultivar a generosidade e manter viva a esperança na vida eterna. O convite é claro: lutar o bom combate da fé, viver na mansidão, partilhar os dons, caminhar em comunidade.
Assim, a liturgia não é apenas um rito repetido, mas um encontro transformador com o Senhor que continua a passar por nossas cidades, chamando homens e mulheres a segui-lo. Que essa Palavra inspire nossa vida e nossa pastoral, para que, unidos, possamos proclamar a Boa-Nova com gestos concretos de amor e serviço.
Liturgia do dia – Quinta-feira, 18 de Setembro de 2025 24ª Semana do Tempo Comum, Ano Ímpar (I) Leituras: 1Tm 4,12-16; Sl 110(111),7-8.9.10 (R. 2a); Lc 7,36-50
A liturgia do dia nos convida a mergulhar em uma cena profundamente humana e, ao mesmo tempo, repleta da misericórdia divina revelada por Jesus. O evangelho segundo Lucas apresenta o encontro de Jesus na casa de um fariseu chamado Simão, durante uma refeição, quando uma mulher, conhecida na cidade como pecadora, se aproxima d’Ele com um gesto audacioso e transformador. Ela unge os pés do Senhor com perfume, banha-os com suas lágrimas e os enxuga com os cabelos. Esse ato causa estranheza e até escândalo, sobretudo ao fariseu que havia convidado Jesus, mas se torna a ocasião para que Cristo revele o coração da Boa-Nova: o perdão e a salvação estão disponíveis para todos, especialmente para aqueles que reconhecem sua condição de fragilidade e se abrem ao amor de Deus.
A cena evangélica tem um forte contraste. De um lado, o fariseu, cumpridor da Lei, aparentemente justo, mas preso a uma atitude de julgamento. Ele não consegue ver em Jesus a novidade de Deus e, por isso, interpreta o gesto da mulher como inconveniente e até inadmissível. Do outro, a mulher pecadora, sem méritos sociais ou religiosos, mas que, com humildade e confiança, oferece o que tem de melhor: suas lágrimas, sua coragem, seu perfume, sua vida. Jesus, então, ensina que a verdadeira medida da fé não está na aparência, nem na observância fria de normas, mas na capacidade de amar e deixar-se amar. Quem muito é perdoado, muito ama. E esse amor, expressão de fé, abre caminho para a salvação.
Este evangelho nos provoca profundamente em nossa caminhada cristã. Quantas vezes nos colocamos mais próximos da atitude do fariseu, prontos para julgar os outros segundo nossas categorias humanas, esquecendo que a misericórdia de Deus não se limita aos nossos critérios? A liturgia do dia nos convida a olhar para dentro de nós mesmos e reconhecer que todos precisamos do perdão do Senhor. Só assim podemos acolher os irmãos e irmãs com o coração aberto, sem excluir, sem condenar, mas ajudando-os a se aproximar da fonte de vida que é Cristo.
As outras leituras do dia dialogam com essa mensagem central. Na primeira leitura, tirada da Primeira Carta a Timóteo (1Tm 4,12-16), Paulo exorta seu discípulo a ser exemplo para os fiéis na palavra, no proceder, na caridade, na fé e na pureza. A instrução dada a Timóteo tem grande valor pastoral: não basta apenas ensinar ou transmitir a fé, é necessário testemunhá-la com a vida. Esse testemunho só é autêntico quando nasce de um coração transformado pela experiência de encontro com Cristo, tal como a mulher do evangelho experimentou. Timóteo, mesmo jovem, é chamado a não se deixar intimidar, mas a cultivar fielmente o dom recebido, perseverando na doutrina e na prática. Assim, sua vida se torna sinal para os outros.
O salmo responsorial (Sl 110) reforça a fidelidade do Senhor e a firmeza de suas obras. Ele lembra que a redenção foi enviada ao seu povo e que santo e terrível é o seu nome. O temor do Senhor, isto é, a reverência e o respeito diante de Deus, é o princípio da sabedoria. Essa mesma sabedoria, que orienta o viver do justo, é a que ilumina os gestos concretos de amor e misericórdia. A mulher pecadora não tinha títulos de honra, mas possuía a sabedoria que nasce da humildade e do reconhecimento da própria pequenez diante de Deus. Essa sabedoria a conduziu à salvação.
A liturgia do dia, portanto, apresenta um fio condutor claro: a vida cristã é chamada a ser testemunho, não de perfeição moralista, mas de abertura à misericórdia. O amor de Deus é maior que nossos pecados. A experiência do perdão nos transforma e nos impulsiona a viver de modo novo. É isso que Jesus reconhece na mulher e é isso que Paulo recomenda a Timóteo: perseverar no caminho, renovar o dom recebido, ser sinal vivo do Evangelho.
Do ponto de vista pastoral, essa Palavra ilumina diversos aspectos da vida da Igreja hoje. Em primeiro lugar, recorda a importância da acolhida. Nossas comunidades são chamadas a ser espaços de misericórdia, onde cada pessoa, independentemente de sua história, possa encontrar-se com Cristo e experimentar seu perdão. Muitas vezes, caímos na tentação de excluir, julgar ou classificar os irmãos, mas o Senhor nos mostra outro caminho: o da hospitalidade e do abraço da graça.
Em segundo lugar, a liturgia do dia convida cada batizado a assumir sua responsabilidade missionária. Assim como Timóteo, todos nós recebemos um dom, uma vocação, uma graça particular. É necessário cultivá-la, cuidar dela, colocar em prática, perseverando no caminho da fé. Nossa palavra e nosso testemunho podem ser instrumentos que levam outras pessoas a se abrirem ao amor de Deus. Isso exige coerência, mas sobretudo humildade: não somos melhores que ninguém, apenas reconhecemos que fomos alcançados pela misericórdia.
Em terceiro lugar, o evangelho de hoje nos ajuda a rever a forma como lidamos com o perdão em nossa vida cotidiana. Reconhecer-se pecador e buscar a reconciliação é um gesto de coragem e fé. Ao mesmo tempo, conceder perdão a quem nos ofende também é um desafio, mas que se torna possível quando nos deixamos conduzir pelo Espírito. O mundo atual carece de reconciliação: nas famílias, nas relações sociais, na convivência entre povos. A liturgia nos recorda que tudo começa pelo coração convertido, capaz de amar porque foi amado por primeiro.
Por fim, essa Palavra tem uma dimensão espiritual muito rica. A mulher que se lança aos pés de Jesus nos ensina o caminho da oração verdadeira: aproximar-se de Cristo com humildade, entregar o que temos e confiar em sua graça. Muitas vezes, nossa oração se torna repetição de fórmulas ou busca por recompensas. O evangelho de hoje nos lembra que rezar é, antes de tudo, reconhecer quem somos diante de Deus e deixar que Ele nos transforme. É um convite a renovar nossa vida espiritual na simplicidade e no amor.
Celebrando esta quinta-feira da 24ª semana do Tempo Comum, a liturgia do dia nos convida a olhar para Jesus com o coração aberto. Ele não veio para os justos que se acham perfeitos, mas para os pecadores que necessitam de misericórdia. Sejamos, portanto, como aquela mulher: ousados na fé, sinceros no arrependimento, generosos no amor. E como Timóteo, perseveremos no dom recebido, tornando nossa vida um testemunho vivo da presença de Cristo no mundo.
Música Litúrgica: Tanto que esperou pudesse um dia Compositores (letra e música): Antonio Fabretti e José Thomáz Filho
Tocamos flauta para vós e não dançastes; fizemos lamentações e não chorastes! Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 7,31-35 Naquele tempo, disse Jesus: 31 “Com quem hei de comparar os homens desta geração? Com quem eles se parecem? 32 São como crianças que se sentam nas praças, e se dirigem aos colegas, dizendo: ‘Tocamos flauta para vós e não dançastes; fizemos lamentações e não chorastes!’ 33 Pois veio João Batista, que não comia pão nem bebia vinho, e vós dissestes: ‘Ele está com um demônio!’ 34 Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e vós dizeis: ‘Ele é um comilão e beberrão, amigo dos publicanos e dos pecadores!’ 35 Mas a sabedoria foi justificada por todos os seus filhos”. Palavra da Salvação.
Ler este evangelho me trouxe um desconforto. Reclamar parece tão natural, quase automático, que quando o Evangelho, de forma direta ou indireta, nos mostra que essa atitude pode ser estéril, infrutífera ou até mesmo contrária ao caminho de fé, nasce um choque interior. É como se houvesse um espelho diante de nós: percebemos que não se trata apenas de “alguns” que reclamam, mas de nós também.
Este texto de Lucas 7,31-35 foi proposto para a liturgia do dia 17 de setembro, 4ª feira da 24ª semana do Tempo Comum. De fato, reclamar é uma das atitudes mais estruturais nossas. Algumas pessoas a nossa volta são mais pesadas e negativas. Outras são mais acomedidas e despercebinas neste comportamento (e nós, como somos?). Mas o fato é que todo mundo reclama. Então comecei a pensar nesta característica inerente do ser humano. Reclamar parece ser uma das marcas mais universais da condição humana. Não importa o contexto: no trânsito, no trabalho, em casa, diante da política ou até mesmo nas redes sociais, a queixa é um hábito recorrente. Mas por que o ser humano reclama tanto? A insatisfação constante é apenas um traço cultural, um sintoma psicológico ou um sinal de algo mais profundo?
Freud, em O mal-estar na civilização (1930), sustentou que o ser humano vive condenado a uma insatisfação permanente. A realidade, a cultura e a convivência social limitam a realização de nossos desejos mais profundos. Daí surge o mal-estar, inevitável, que se expressa em frustrações e queixas. Reclamar é, portanto, quase uma necessidade da psique: um sintoma de que o desejo nunca encontra plena satisfação.
Outros psicanalistas confirmaram essa perspectiva. Melanie Klein mostrou que a inveja e o ressentimento acompanham o indivíduo desde cedo, muitas vezes projetando frustrações sobre os outros. Já Lacan radicalizou: o ser humano é um “sujeito do desejo” e, justamente por desejar sempre o que lhe falta, nunca se satisfaz. A queixa não é um acidente, mas o retrato da nossa estrutura desejante.
Já a antropologia entende a reclamação menos como falha individual e mais como fenômeno cultural. Marcel Mauss, ao falar das trocas sociais, mostra que o equilíbrio das relações envolve expectativas e obrigações recíprocas. Reclamar, nesse sentido, é uma forma de marcar desajustes: quando algo não corresponde ao esperado, a queixa entra como sinal de tensão na rede de trocas.
Clifford Geertz, atento aos símbolos, apontaria que reclamar também pode ser um código cultural. Em muitas comunidades, reclamar em grupo cria pertencimento e coesão: trata-se menos de resolver problemas e mais de reforçar laços. Já outros antropólogos críticos das burocracias modernas, via na reclamação cotidiana uma reação espontânea às microviolências do sistema: filas, hierarquias, papéis sem fim. Reclamar, nesse caso, é quase um ato de resistência contra o esmagamento diário.
A sociologia também oferece chaves potentes. Marx interpretaria a insatisfação crônica como efeito da alienação: o trabalhador se queixa porque não controla sua vida nem o fruto de seu trabalho. Weber, por sua vez, falaria do “desencantamento do mundo”: a racionalização e a burocracia aprisionam o indivíduo numa “gaiola de ferro”, de onde brotam queixas contínuas.
Durkheim traz outra luz: em tempos de anomia, quando as normas sociais deixam de regular desejos e expectativas, a insatisfação coletiva explode em frustração e murmuração. A Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer, Marcuse) acrescenta: reclamar faz parte de uma vida administrada pela indústria cultural. Mas paradoxalmente, a queixa cotidiana raramente leva à transformação; ao contrário, acaba neutralizada pelo próprio sistema.
A filosofia não poderia deixar de se pronunciar. Schopenhauer talvez seja o mais radical: a vida, para ele, é marcada pela dor, e reclamar é apenas a expressão natural desse sofrimento. Nietzsche, em contraste, vê na queixa um sintoma do “espírito ressentido”: ao invés de afirmar a vida, criamos valores negativos e permanecemos presos à moral de escravos. A solução? O amor fati: amar o destino, inclusive suas dores, sem lamentação.
Camus, no existencialismo, fala do absurdo: há um descompasso entre nossos desejos e o mundo. Reclamar é, em parte, uma resposta ao absurdo. Mas, em vez de se resignar, o homem deve encarar a vida com revolta lúcida, criando sentido apesar do vazio. Já Byung-Chul Han, em tempos mais recentes, aponta para a “sociedade do cansaço”: o excesso de positividade e de cobranças internas nos leva a frustrações contínuas. Para ele, a saída está em recuperar o silêncio, a contemplação e a pausa.
Mas existe solução?
Percebe-se que esses pensadores mais descrevem o problema do que oferecem uma cura. Freud admite que a vida nunca será plenamente satisfatória, cabendo buscar compensações parciais. Nietzsche sugere afirmar a vida sem ressentimento. Camus nos chama a viver o absurdo com coragem. Byung-Chul Han recomenda resistir ao excesso com silêncio e descanso. Nenhum, contudo, promete uma resposta definitiva. E isto é um traço das ciências sociais. Não existem respostas definitivas. A insatisfação permanece estrutural. É nesse ponto que a visão bíblica se distingue.
A visão bíblica também não oferece uma cura. Deixa eu adiantar! A Escritura conhece bem a tendência humana de reclamar. O povo de Israel, no deserto, murmura repetidamente contra Deus e contra Moisés (Êx 16; Nm 14). Essa murmuração é vista como falta de fé, como incapacidade de confiar. Ao mesmo tempo, a Bíblia também registra salmos de lamento (Sl 13; Sl 22; Sl 42), em que a queixa se transforma em oração. Aqui, reclamar não é negar a fé, mas abrir diante de Deus a dor e a frustração.
No Novo Testamento, Paulo adverte: “Fazei tudo sem murmurações nem contendas” (Fl 2,14). Ele reconhece, porém, que toda a criação “geme” à espera da redenção (Rm 8,22-25). O gemido humano é assumido pelo Espírito como oração de esperança.
O exemplo máximo está em Jesus na cruz. Ao citar o Salmo 22, no auge do seu sofrimento, na cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Cristo ali dá voz à mais radical das queixas humanas. Mas, ao mesmo tempo, entrega-se confiante ao Pai. Assim, a murmuração se converte em confiança e esperança.
Filosofia, psicanálise, antropologia e sociologia concordam: reclamar é parte constitutiva da condição humana. A insatisfação é estrutural, seja pelo desejo nunca saciado, pela cultura que nos limita, pela alienação social ou pelo absurdo existencial. Cada campo oferece estratégias de lidar com isso: resignação, afirmação da vida, revolta lúcida, contemplação.
A teologia bíblica, porém, ao meu ver, vai além: não pede que o homem simplesmente deixe de reclamar (diga-se de passagem, que nenhuma destas ciências acima pedem isto). Ela (a teologia bíblica) não nos pede o impossível de silenciar as nossas queixas (como alguns líderes religiosos até propõem em suas reflexões). Pelo contrário, ela nos convida a dar-lhes um novo destino: transformar a reclamação em oração. A murmuração que se perde no vazio não frutifica, mas o lamento que se eleva a Deus se torna fonte de vida. É nesse encontro que a queixa se transfigura em confiança, a frustração floresce em esperança e o gemido humano se revela como a mais autêntica expressão de fé.
Mas o que isto muda? Nas ciências humanas, o máximo que se propõe é administrar a insatisfação: aceitar o destino (Nietzsche), encarar o absurdo (Camus), encontrar pausas (Byung-Chul Han). A Bíblia, porém, oferece uma saída distinta: a queixa não é negada nem reprimida, mas redirecionada para Deus. Isso muda tudo, porque o lamento humano deixa de ser apenas sintoma de mal-estar e passa a ser gesto de fé e esperança.
O que nasce desse movimento? A queixa, quando entregue a Deus, pode gerar consolo e força. O vazio da murmuração se converte em sentido espiritual: o gemido humano torna-se oração inspirada pelo Espírito (Rm 8,26). E o ciclo da insatisfação é quebrado, porque a dor deixa de aprisionar e começa a apontar para a esperança.
Em última análise, reclamar pode ser humano, mas transformar a reclamação em diálogo com Deus é o que abre a possibilidade de redenção.
E aí? Porque o desconforto em falar disto?
O inicial desconforto que senti ao ler o evangelho é legítimo porque o texto bíblico não permite que a gente terceirize a responsabilidade. Ele não fala apenas “dos outros”, mas me interpela: “E eu, como lido com a minha tendência de reclamar?” Esse reconhecimento gera incômodo porque expõe fragilidades que preferimos disfarçar.
No cotidiano, reclamar parece um direito legítimo. No Evangelho, porém, descobrimos que esse mesmo impulso pode se tornar murmuração que nos afasta da confiança em Deus. Isso desmonta nossa lógica e cria tensão: algo que eu achava normal talvez precise ser transfigurado.
O desconforto é, muitas vezes, o primeiro passo da graça. Ele indica que o texto não passou despercebido, mas provocou movimento interior. O convite bíblico não é “calar a boca e aguentar”, mas dar um destino novo à queixa: transformá-la em oração, súplica e confiança.
Ou seja, o desconforto nasce porque o Evangelho tira a reclamação do terreno do “natural e inevitável” e a coloca no horizonte da fé e da confiança. Ele nos revela que não basta apenas reconhecer nossa insatisfação — somos chamados a dar-lhe uma saída mais alta, mais fecunda, mais divina.
Autora do texto: Ir. Julia de Almeida, pddm. Irmã Pia Discípula do Divino Mestre e autora de diversos textos no site institucional das Pias Discípulas do Divino Mestre. Mestra em Comunicação e Semiótica, pela PUC/SP.
A liturgia do dia nos apresenta uma Palavra forte e atual. No Evangelho de Lucas, Jesus compara sua geração a crianças caprichosas, que não querem brincar nem de choro nem de festa. Essa imagem revela a dificuldade de acolher tanto a pregação de João Batista, mais austera, quanto a presença de Jesus, marcada pela proximidade com os pecadores. A mensagem é clara: quando o coração está fechado, nenhuma manifestação de Deus é suficiente. Por isso, a liturgia do dia nos convida a abrir o coração e a reconhecer a sabedoria divina que se manifesta nas obras de Cristo.
Jesus nos mostra que a salvação não cabe em esquemas humanos. João Batista, com sua vida austera, lembrava a necessidade de conversão; Jesus, com sua misericórdia, revelava a ternura de Deus. Ambos eram sinais complementares do mesmo amor. Mas aquela geração não quis ouvir. O Evangelho denuncia, portanto, a imaturidade de quem prefere criticar a acolher.
Aqui podemos olhar também para nós. Quantas vezes fazemos como as “crianças da praça”? Se a mensagem exige esforço, achamos dura demais; se fala de festa e acolhida, julgamos frouxa demais. A liturgia do dia nos chama a crescer espiritualmente, para reconhecer que a sabedoria de Deus é maior que nossos gostos pessoais.
A liturgia é justamente o espaço onde aprendemos esse equilíbrio. Temos tempos de penitência, como a Quaresma, e tempos de festa, como a Páscoa. O caminho cristão precisa dos dois. O rigor e a alegria se completam. A liturgia do dia, ao nos reunir em oração, educa o nosso coração para viver tanto o silêncio da conversão quanto a festa da ressurreição. Assim, celebramos o Mistério Pascal em toda a sua riqueza.
Há também uma dimensão psicológica neste Evangelho. A atitude das crianças mostra imaturidade: nada serve, nada agrada, nada satisfaz. Muitas vezes, também nós usamos críticas como defesa, para não mudar de vida. O coração humano tem medo da novidade de Deus. Mas a liturgia do dia, com sua repetição, seus ritos e símbolos, cria um espaço seguro para que possamos enfrentar nossos medos e permitir que o Espírito nos transforme pouco a pouco.
A Primeira Leitura e a Profissão de Fé
Na primeira leitura, São Paulo recorda a essência da nossa fé: Cristo manifestado na carne, justificado no Espírito, proclamado às nações e elevado à glória. É como um Credo primitivo, um resumo da história da salvação. A liturgia do dia, ao nos colocar diante dessa profissão de fé, fortalece nossa esperança. Diante das mudanças e incertezas da vida, essa certeza nos dá estabilidade: Cristo é o centro de tudo.
O Salmo Responsorial
O Salmo 110(111) reforça essa confiança: “Grandes são as obras do Senhor, dignas de admiração por todos que as amam”. Ao repetir esse refrão na liturgia, somos educados para a gratidão. Enquanto a murmuração e a ingratidão enfraquecem a vida comunitária, a liturgia do dia nos ensina a louvar, a reconhecer que Deus guia a história com amor.
Aplicações para a vida
A Palavra de hoje ilumina situações bem concretas:
Na convivência social, vemos muitos que criticam tudo: se alguém é firme, é acusado de severidade; se é alegre e aberto, é taxado de irresponsável. O Evangelho nos ensina a olhar para os frutos, e não para os preconceitos.
Na política e na vida pública, quantas vezes líderes são julgados mais por estereótipos do que por suas ações. Jesus lembra que a sabedoria se reconhece pelas obras.
Na família e na educação, pais e educadores muitas vezes oscilam entre a exigência e a ternura. O critério não é agradar, mas formar para o bem.
Na vida da Igreja, há quem prefira rigidez litúrgica e outros que valorizam mais abertura pastoral. A liturgia do dia nos mostra que as duas dimensões são importantes: conversão e misericórdia, silêncio e festa.
A mensagem da liturgia do dia é clara: não podemos ser como crianças imaturas, que recusam qualquer proposta. Deus se manifesta de muitos modos, e precisamos acolher sua sabedoria, que se revela nas obras de Cristo. A liturgia é o espaço onde aprendemos a integrar exigência e ternura, penitência e festa, silêncio e louvor.
Que esta celebração nos ajude a reconhecer a presença do Senhor na nossa história, e que possamos ser testemunhas da sabedoria de Deus no mundo.
A liturgia desta terça-feira, 16 de setembro de 2025, convida-nos a mergulhar na profundidade de um dos relatos mais comoventes do Evangelho segundo São Lucas: a ressurreição do filho da viúva de Naim. Jesus, ao entrar na pequena cidade, depara-se com uma cena de dor: um cortejo fúnebre leva o corpo de um jovem, filho único de sua mãe, que era viúva. A narrativa realça a vulnerabilidade daquela mulher: sem marido e agora sem filho, estava desprovida de proteção, sustento e esperança diante da sociedade de seu tempo.
O texto evangélico é marcado por um detalhe essencial: “Ao vê-la, o Senhor encheu-se de compaixão” (Lc 7,13). É esse olhar de Jesus que transforma a história. A compaixão divina não é apenas sentimento humano de solidariedade; é o movimento do coração de Deus que se inclina sobre a miséria humana para restituir a vida. Lucas, o evangelista da misericórdia, quer nos mostrar que em Jesus se revela o Deus que não permanece distante da dor do povo, mas se aproxima para devolver esperança onde parecia haver somente morte.
O gesto de Jesus vai além do milagre: Ele toca o caixão e ordena ao jovem que se levante. Ao tocar o esquife, Jesus rompe barreiras de impureza ritual previstas na Lei judaica, pois o contato com a morte tornava alguém impuro. Mas o Senhor da vida não teme a morte, pois Ele é a própria Vida. Sua presença purifica, restaura, recria. O menino se levanta e fala, e Jesus o entrega novamente à sua mãe. Esse detalhe de “entregar à mãe” sublinha a dimensão relacional do milagre: não se trata apenas de devolver a vida biológica, mas de restaurar vínculos, reconstruir a esperança da família e da comunidade.
No plano teológico-litúrgico, este Evangelho nos faz contemplar o Cristo que vence a morte, antecipando já o mistério de sua Páscoa. O episódio é um sinal que aponta para a ressurreição final, onde a morte será definitivamente vencida. Ao mesmo tempo, é um convite à Igreja para ser presença de compaixão no mundo, tocando as realidades de dor e exclusão, levando vida nova aos que estão à beira do desespero.
Portanto, a liturgia de hoje nos convida a perguntar: em quais situações somos chamados a ser instrumentos do olhar compassivo de Cristo? Quantas viúvas, quantos órfãos, quantos corações desamparados clamam por uma palavra de vida em nosso tempo?
A Primeira Leitura – 1Tm 3,1-13
A primeira leitura, da Carta a Timóteo, apresenta os critérios para os ministérios na comunidade cristã primitiva. Paulo descreve as qualidades necessárias para quem exerce o episcopado e o diaconato: irrepreensível, sóbrio, equilibrado, hospitaleiro, moderado, homem de fé e de bom testemunho. O apóstolo insiste que o ministério na Igreja não é um privilégio, mas um serviço fundamentado na credibilidade e na coerência de vida.
Quando colocamos essa leitura em relação com o Evangelho, percebemos um fio condutor: se Jesus é o modelo do Bom Pastor que se compadece do rebanho e devolve vida, então os pastores da Igreja devem espelhar-se nessa mesma compaixão. O líder cristão não pode ser movido por interesses pessoais, mas por uma entrega total ao serviço da comunidade, especialmente aos mais frágeis. Assim como Jesus restituiu o filho à mãe viúva, também os pastores devem ser instrumentos de reconciliação, de proximidade e de cuidado.
O texto de 1Tm destaca ainda os diáconos, cujo ministério está intrinsecamente ligado ao serviço. Eles devem guardar o mistério da fé com consciência pura e agir com dignidade. Não é por acaso que a liturgia de hoje coloca esse trecho junto ao Evangelho: ambos nos recordam que a Igreja deve ser sinal da vida nova de Cristo no meio do mundo, não apenas com palavras, mas sobretudo com testemunho coerente.
O Salmo Responsorial – Sl 100(101)
O salmo de hoje ressoa como oração de quem deseja viver segundo os caminhos do Senhor: “Vou cantar-vos, Senhor, um canto novo de justiça”. O salmista expressa o anseio de caminhar na integridade e na fidelidade, evitando o mal e buscando uma vida reta diante de Deus.
Na relação com o Evangelho, o salmo se torna eco da atitude de Jesus: Ele é o Justo por excelência, aquele que não compactua com a injustiça, mas se aproxima dos pobres e marginalizados. O canto de justiça do salmo encontra sua realização plena no gesto de compaixão de Cristo em Naim, que devolve dignidade à viúva e vida ao jovem.
Além disso, o salmo também se conecta com a primeira leitura. Assim como Paulo exorta os ministros da Igreja a viverem de forma irrepreensível, o salmista expressa a decisão de trilhar os caminhos da retidão. O salmo, portanto, é a oração que sustenta e alimenta a vida de quem exerce responsabilidades na comunidade, para que não se perca na corrupção ou na busca de poder, mas mantenha-se fiel ao Senhor.
Memória dos Santos Cornélio e Cipriano
Neste dia, a Igreja celebra também a memória dos santos Cornélio, papa, e Cipriano, bispo, ambos mártires do século III.
São Cornélio, Papa da Misericórdia: eleito papa em 251, em meio às perseguições do imperador Décio, Cornélio enfrentou uma difícil crise: muitos cristãos haviam negado a fé para escapar da morte, os chamados lapsi. Enquanto alguns defendiam que não havia perdão para eles, Cornélio insistia que, com arrependimento sincero, era possível a reconciliação pela penitência. Seu coração pastoral refletia a misericórdia de Cristo, que sempre acolhe o pecador que retorna. Preso e exilado em 253, Cornélio morreu mártir, deixando o testemunho de um pastor que não abandonou o rebanho.
São Cipriano, Bispo de Cartago e Defensor da Unidade: nascido em Cartago, no norte da África, Cipriano era advogado e homem culto antes de sua conversão ao cristianismo. Pouco depois, foi eleito bispo e tornou-se uma das vozes mais influentes da Igreja africana. Assim como Cornélio, também enfrentou a questão dos lapsi e buscou equilíbrio: exigir verdadeira conversão, mas sem fechar as portas da misericórdia. Seu famoso tratado “A Unidade da Igreja Católica” lembra que não se pode ter Cristo sem viver em comunhão com sua Igreja. Na perseguição do imperador Valeriano, em 258, foi preso e condenado à morte. Aceitou o martírio com serenidade e fé, sendo decapitado diante do povo de Cartago.
Pastores Unidos na Fé e na Amizade
Mesmo em cidades diferentes, Cornélio e Cipriano mantiveram uma forte comunhão espiritual. Trocaram cartas, apoiaram-se mutuamente e defenderam a mesma verdade: a Igreja deve ser lugar de misericórdia, unidade e fidelidade a Cristo. Por isso, a liturgia celebra os dois juntos, como sinais da amizade que nasce da fé e do amor à Igreja.
Hoje, Cornélio e Cipriano nos ensinam que a Igreja é chamada a ser sempre fiel a Cristo, mesmo diante das dificuldades, e que nenhum pastor pode se afastar do coração misericordioso do Senhor. Seu martírio nos recorda que a verdadeira liderança na Igreja não é feita de poder, mas de serviço, compaixão e fidelidade até o fim.
Que a memória desses santos pastores nos ajude a viver a fé com coragem, a buscar sempre a unidade e a anunciar, com gestos e palavras, o amor misericordioso de Deus.
LITURGIA DO DIA
A liturgia desta terça-feira nos apresenta um caminho profundo de reflexão:
O Evangelho revela o Cristo da compaixão que vence a morte e restitui a esperança.
A primeira leitura nos recorda que a Igreja precisa de ministros que vivam em coerência e serviço, à imagem de Jesus.
O salmo é a oração que alimenta esse desejo de justiça e retidão.
A memória de Cornélio e Cipriano testemunha que é possível viver essa fidelidade até as últimas consequências.
Assim, a Palavra nos desafia a sermos homens e mulheres de compaixão, testemunhas da vida e da justiça de Deus em nosso tempo. Como discípulos de Cristo, somos chamados a tocar as realidades de morte com a força da fé, a sermos pastores e servidores que cuidam do rebanho, e a viver em integridade diante do Senhor.
Que, pela intercessão dos mártires Cornélio e Cipriano, possamos ser Igreja que canta a justiça, caminha na fidelidade e anuncia sempre a vida nova de Cristo, Senhor da compaixão.
Segunda-feira, 15 de Setembro de 2025 24ª Semana do Tempo Comum
Leituras (próprias): Hb 5,7-9 Sl 30(31),2-3a.3bc-4.5-6.15-16.20 (R. 17b) Jo 19,25-27 ou Lc 2,33-35
Na liturgia do dia, fazemos a grata memória da Bem-Aventurada Virgem Maria das Dores. Lembrando a presença da mãe do salvador junto à cruz e de sua participação dolorosa na obra da nossa salvação, peçamos que também nós, como pede o apóstolo Paulo, cumpramos em nossa carne o que falta à paixão de Cristo.
Neste texto abaixo dos Sermões de São Bernardo, abade(Sermo in dom. infra oct. Assumptionis, 14-15: Opera omnia, Edit. Cisterc. 5[1968],273-274), uma bela meditação sobre o dia de hoje. Geralmente outros pontos da vida de Maria são muito comentados, mas a memória de hoje vai lançar luz sobre o seu martírio de dor. Leia e medite este texto:
O martírio da Virgem é mencionado tanto na profecia de Simeão quanto no relato da paixão do Senhor. Este foi posto, diz o santo ancião sobre o menino, como um sinal de contradição, e a Maria: e uma espada traspassará tua alma (cf. Lc 2,34-35).
Verdadeiramente, ó santa Mãe, uma espada traspassou tua alma. Aliás, somente traspassando-a, penetraria na carne do Filho. De fato, visto que o teu Jesus – de todos certamente, mas especialmente teu – a lança cruel, abrindo-lhe o lado sem poupar um morto, não atingiu a alma dele, mas ela traspassou a tua alma. A alma dele já ali não estava, a tua, porém, não podia ser arrancada dali. Por isto a violência da dor penetrou em tua alma e nós te proclamamos, com justiça, mais do que mártir, porque a compaixão ultrapassou a dor da paixão corporal.
E pior que a espada, traspassando a alma, não foi aquela palavra que atingiu até a divisão entre a alma e o espírito: Mulher, eis aí teu filho? (Jo 19,26). Oh! que troca incrível! João, Mãe, te é entregue em vez de Jesus, o servo em lugar do Senhor, o discípulo pelo Mestre, o filho de Zebedeu pelo Filho de Deus, o puro homem, em vez do Deus verdadeiro. Como ouvir isto deixaria de traspassar tua alma tão afetuosa, se até a sua lembrança nos corta os corações, tão de pedra, tão de ferro?
Não vos admireis, irmãos, que se diga ter Maria sido mártir na alma. Poderia espantar-se quem não se recordasse do que Paulo afirmou que entre os maiores crimes dos gentios estava o de serem sem afeição. Muito longe do coração de Maria tudo isto; esteja também longe de seus servos.
Talvez haja quem pergunte: “Mas não sabia ela de antemão que iria ele morrer?” Sem dúvida alguma. “E não esperava que logo ressuscitaria?” Com toda a confiança. “E mesmo assim sofreu com o Crucificado?” Com toda a veemência. Aliás, tu quem és ou donde tua sabedoria, para te admirares mais de Maria que compadecia, do que do Filho de Maria a padecer? Ele pôde morrer no corpo; não podia ela morrer juntamente no coração? É obra da caridade: ninguém a teve maior! Obra de caridade também isto: depois dela nunca houve igual.
Neste domingo, 14 de setembro, Festa da Exaltação da Santa Cruz, o Papa Leão XIV presidiu na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, em Roma, uma celebração em memória dos mártires e testemunhas da fé do século XXI. O encontro reuniu cerca de 4 mil pessoas, além de representantes de Igrejas Ortodoxas, Antigas Igrejas Orientais, Comunhões cristãs e Organizações ecumênicas.
Na homilia, o Papa destacou que, assim como Cristo carregou a cruz, muitos homens e mulheres hoje enfrentam perseguição e até a morte por permanecerem fiéis ao Evangelho. “São religiosos e religiosas, leigos e sacerdotes, que pagam com a vida a fidelidade ao Evangelho, o compromisso com a justiça, a luta pela liberdade religiosa e a solidariedade com os mais pobres”, afirmou.
A “esperança desarmada” dos mártires
Leão XIV ressaltou que esses testemunhos mantêm viva uma “esperança cheia de imortalidade”, capaz de vencer o ódio e a violência do mundo. Segundo ele, a fé dos mártires nunca recorreu à força, mas à mansidão do Evangelho. “É uma esperança desarmada, porque ninguém poderá silenciar a voz ou apagar o amor que eles deram”, disse o Pontífice.
Homenagem à Irmã Dorothy Stang
Entre os exemplos lembrados, o Papa citou a missionária americana Irmã Dorothy Stang, assassinada no Pará em 2005 após décadas de dedicação à Amazônia e aos direitos dos trabalhadores rurais. Ele recordou o momento em que, diante dos homens que iriam matá-la, ela levantou a Bíblia e declarou: “Esta é a minha única arma”.
Dorothy tinha 73 anos e dedicou quase 40 anos de sua vida ao Brasil. Para o Papa, sua entrega é símbolo de coragem evangélica e memória que não deve ser esquecida.
Unidade dos cristãos e memória viva
Durante a celebração, o Pontífice destacou também o trabalho da Comissão para os Novos Mártires, criada em 2023 pelo Papa Francisco. Desde então, mais de 1.600 testemunhos de fé foram reconhecidos pelo Vaticano, reforçando que a unidade entre os cristãos nasce da cruz de Cristo.
Ao final, Leão XIV citou o exemplo de Abish Masih, um menino paquistanês morto em um atentado, que havia escrito em seu caderno: “Making the world a better place” (“tornar o mundo um lugar melhor”). Para o Papa, esse sonho deve inspirar todos a testemunharem a fé com coragem e a construírem juntos uma humanidade mais pacífica e fraterna.
Liturgia do dia – Domingo, 14 de setembro de 2025 Exaltação da Santa Cruz – Festa – Ano C 24ª Semana do Tempo Comum
A Liturgia do dia nos convida a contemplar o mistério da Santa Cruz, sinal de salvação e vitória. A festa da Exaltação da Santa Cruz recorda que a cruz, antes instrumento de sofrimento e morte, tornou-se para os cristãos a árvore da vida, pela qual recebemos a redenção em Cristo.
Na primeira leitura (Nm 21,4b-9), o povo de Israel, ferido pelas serpentes no deserto, encontra na serpente erguida por Moisés o sinal de cura e salvação. Este gesto já anunciava o mistério de Cristo, elevado na cruz para dar vida ao mundo.
O salmo responsorial (Sl 77) nos convida a recordar as maravilhas de Deus, que sempre perdoa e salva o seu povo, mesmo quando este vacila na fidelidade.
Na segunda leitura (Fl 2,6-11), São Paulo apresenta o hino cristológico que proclama a obediência de Jesus até a morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou, dando-lhe o nome acima de todo nome, diante do qual todo joelho se dobra.
O Evangelho (Jo 3,13-17) mostra que a cruz é o grande sinal do amor de Deus pela humanidade: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna”. A cruz não é derrota, mas manifestação plena da misericórdia e da vitória da vida sobre a morte.
A liturgia da Exaltação da Santa Cruz nos conduz ao coração do mistério cristão: a cruz, que aos olhos humanos é sinal de sofrimento e condenação, se torna em Cristo a plena revelação do amor de Deus e a fonte de vida eterna. O Evangelho de João nos apresenta Jesus como o Filho do Homem que desceu do céu e que deve ser elevado. Essa elevação possui um duplo sentido: histórico, pois se refere à sua entrega na cruz, e teológico, porque aponta também para sua glorificação junto do Pai. Assim como a serpente de bronze erguida por Moisés no deserto se tornou sinal de salvação para os que olhavam para ela, também o Filho do Homem, elevado na cruz, torna-se fonte de vida para todos os que nele crerem.
No centro do Evangelho está o versículo que muitos chamam de “pequeno evangelho”: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna”. Neste anúncio, encontra-se resumida toda a Boa Nova. Deus é o sujeito do amor, o mundo inteiro, mesmo em sua fragilidade e pecado, é o destinatário, e o Filho é o dom oferecido até a cruz. O fruto desta entrega é a vida eterna, concedida a quem se abre à fé. A cruz, portanto, não é o lugar da derrota, mas a epifania do amor gratuito e misericordioso de Deus, que não poupa o próprio Filho para salvar a humanidade.
O texto continua afirmando que Deus não enviou o Filho para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Esse detalhe é essencial: a cruz não é condenação, mas reconciliação; não é sinal da ira divina, mas do excesso de amor que gera salvação. O julgamento não é um castigo imposto, mas a escolha que cada pessoa faz diante do amor manifestado em Cristo. Quem crê encontra vida; quem rejeita permanece nas trevas.
Liturgicamente, a cruz é exaltada como altar do sacrifício, trono de glória e sinal de comunhão. No altar, Cristo se entrega totalmente ao Pai por amor à humanidade. No trono da cruz, Ele reina, pois é precisamente no abaixamento que se manifesta sua exaltação. Como sinal de comunhão, a cruz une o céu e a terra, reconciliando os homens com Deus e entre si. A festa de hoje nos convida, portanto, a olhar para a cruz não como peso, mas como caminho de amor e libertação, celebrando-a como sinal pascal de vitória.
Exaltar a cruz significa reconhecer que nela está a fonte de nossa fé, esperança e caridade. Na fé, porque acreditamos que a vida venceu a morte e que o amor é mais forte que o pecado. Na esperança, porque podemos carregar as nossas cruzes com confiança, certos de que em Cristo já participamos de sua ressurreição. Na caridade, porque somos chamados a viver a mesma entrega de amor que Ele viveu, transformando a vida em dom.
Assim, a Liturgia do dia nos leva a contemplar o grande paradoxo cristão: onde parecia haver derrota, resplandece a vitória; onde se via morte, nasce a vida; onde se esperava condenação, transborda a misericórdia. A cruz, hoje exaltada, é para nós a certeza de que Deus nunca desiste da humanidade, mas a envolve com um amor que se faz total entrega.
Origem da Festa da Exaltação da Santa Cruz
A festa da Exaltação da Santa Cruz remonta aos primeiros séculos do cristianismo e está ligada a acontecimentos marcantes na história da Igreja. Sua origem mais antiga está associada à peregrinação de Santa Helena, mãe do imperador Constantino, à Terra Santa, por volta do ano 326. Movida por profunda devoção, ela procurou os lugares santos ligados à vida de Jesus e, segundo a tradição, encontrou o lenho da verdadeira cruz em Jerusalém. Poucos anos depois, Constantino mandou erguer no local a imponente Basílica do Santo Sepulcro, dedicada em 13 de setembro de 335. No dia seguinte, 14 de setembro, a cruz foi solenemente apresentada aos fiéis, que a veneraram com grande devoção. Esse gesto litúrgico passou a ser celebrado anualmente, dando origem à festa da Exaltação da Santa Cruz.
A importância dessa celebração se fortaleceu ainda mais no século VII, quando o imperador bizantino Heráclio recuperou a relíquia da cruz, que havia sido roubada pelos persas em 614. Em 628, a cruz foi devolvida solenemente a Jerusalém, e esse evento se uniu à memória já existente do dia 14 de setembro, conferindo à festa caráter universal.
Desde então, a Igreja não celebra apenas a descoberta ou a recuperação de uma relíquia, mas sobretudo o mistério que a cruz revela: a vitória de Cristo sobre a morte e a manifestação suprema do amor de Deus. A cruz, que aos olhos do mundo foi instrumento de humilhação, é exaltada como trono da glória de Cristo e árvore da vida, da qual brota a salvação.
Por isso, a liturgia deste dia não se concentra no sofrimento da paixão, como acontece na Sexta-feira Santa, mas na alegria pascal da cruz redentora. Ao celebrarmos a Exaltação da Santa Cruz, contemplamos o sinal do amor infinito de Deus, que transforma aquilo que era derrota em vitória e aquilo que era morte em fonte de vida.
Que esta Liturgia do dia nos ajude a contemplar a cruz não como peso, mas como caminho de amor, entrega e salvação.