A PÁSCOA ETERNA DO PAPA FRANCISCO

O Papa Francisco, líder da Igreja Católica desde 2013, faleceu nesta segunda-feira, 21 de abril de 2025, aos 88 anos, no Vaticano. A notícia foi confirmada oficialmente pela Santa Sé.

Sua Eminência o Cardeal Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, anunciou publicamente o falecimento com as seguintes palavras:

“Queridos amigos, é com profunda tristeza que devo anunciar a morte de nosso Santo Padre Francisco.
Esta manhã do dia 21 de abril de 2025, às 7h35, horário de Brasília, Francisco retornou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada a servir ao Senhor e à sua Igreja. Ele me ensinou a viver os valores do Evangelho com zelo, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e desfavorecidos. Com imensa gratidão por esse exemplo de um verdadeiro discípulo do Senhor Jesus. Entregamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Trino.”

Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio em Buenos Aires, Argentina, foi o primeiro Papa latino-americano e o primeiro jesuíta a assumir o papado. Seu pontificado ficou marcado por uma forte ênfase na misericórdia, no cuidado com os pobres, na justiça social, no diálogo inter-religioso e na responsabilidade ecológica.

Desde sua eleição em 13 de março de 2013, o Papa Francisco conquistou a atenção mundial com um estilo pastoral próximo das pessoas, palavras simples e diretas, e gestos simbólicos que expressavam humildade e compromisso com os mais vulneráveis.

Cronologia de um pontificado marcante

  • 13 de março de 2013 – Eleito Papa, após a renúncia de Bento XVI. Escolhe o nome “Francisco”, inspirado em São Francisco de Assis.
  • 24 de novembro de 2013 – Publica Evangelii Gaudium, exortação apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual.
  • 2015 – Publica Laudato Si’, encíclica sobre o cuidado da casa comum, com forte impacto global.
  • 2016 – Proclama o Ano Santo da Misericórdia e publica Amoris Laetitia, documento sobre a família.
  • 2019 – Visita os Emirados Árabes Unidos, sendo o primeiro Papa a visitar a Península Arábica. Assina o “Documento sobre a Fraternidade Humana”.
  • 2020 – Durante a pandemia da COVID-19, realiza uma oração histórica e solitária na Praça São Pedro vazia, pedindo pelo mundo.
  • 2020 – Publica Fratelli Tutti, encíclica sobre a fraternidade e a amizade social.
  • 2021 – Realiza viagem ao Iraque, promovendo diálogo e reconciliação em meio a tensões religiosas.
  • 2023 – Conduz a fase universal do Sínodo sobre a Sinodalidade, convocando a Igreja a escutar mais profundamente o Povo de Deus.
  • 21 de abril de 2025 – Morre no Vaticano, após anos de intenso serviço pastoral.

O corpo do Papa Francisco será velado na Basílica de São Pedro, onde fiéis do mundo todo poderão prestar suas últimas homenagens. O funeral será celebrado conforme as normas estabelecidas para um Papa reinante. Conforme informações do Vatican News, a trasladação do corpo do Santo Padre para a Basílica Vaticana, para a homenagem de todos os fiéis, poderá ocorrer na manhã de quarta-feira, 23 de abril de 2025, segundo as modalidades que serão definidas e comunicadas amanhã.

Líderes religiosos e autoridades civis de diversas partes do mundo manifestaram pesar pela morte do pontífice e reconheceram seu legado como uma voz profética em tempos de desafios globais.

Aqui no Brasil, na Catedral da Sé, ao meio-dia do dia de hoje, 21 de abril de 2025, será presidida uma Celebração Eucarística em sufrágio pela morte do Papa Francisco.

Nota de Pesar pelo Falecimento do Papa Francisco

“Nós o vimos!” (cf. Mt 28,10)

As Pias Discípulas do Divino Mestre, unidas em oração com toda a Igreja, expressam profundo pesar pelo falecimento do Santo Padre, o Papa Francisco, e rendem graças a Deus por sua vida doada com generosidade e ternura ao serviço do Evangelho.

Agradecemos ao Senhor pelo dom precioso da vida e do ministério deste humilde servo do Evangelho, que, com coragem profética, ternura pastoral e amor incondicional pelos pobres e sofredores, conduziu o rebanho de Deus nos caminhos da misericórdia, da justiça e da paz. Sua palavra firme e ao mesmo tempo paterna iluminou os corações e apontou, com o exemplo, para a centralidade de Cristo, o Divino Mestre, Caminho, Verdade e Vida.

Como Discípulas do Divino Mestre, reconhecemos no Papa Francisco um sinal luminoso da presença do Ressuscitado em meio às dores e esperanças do nosso tempo. Inspiradas por sua entrega, seu testemunho evangélico e seu constante apelo à oração, à fraternidade e à adoração, elevamos ao Senhor nossas preces em sufrágio.

À luz do Evangelho proclamado nesta Segunda-feira da Oitava da Páscoa (Mt 28,8-15), contemplamos as mulheres que, com temor e alegria, correm a anunciar a Ressurreição. Nelas, vemos o reflexo da missão que marcou o pontificado de Francisco: anunciar com coragem, sem ceder ao medo nem ao silêncio, que Cristo vive e caminha conosco.

Como as mulheres no caminho, também ele se encontrou com o Ressuscitado e O anunciou ao mundo com palavras de misericórdia, com gestos de compaixão e com uma vida marcada pela simplicidade e pelo serviço. Num tempo marcado por vozes de confusão e fechamento, sua palavra foi sinal profético da presença viva de Deus entre os pequenos e os esquecidos.

Na esperança pascal que sustenta nossa fé, elevamos nossas orações em sufrágio e confiamos que o Senhor Ressuscitado, a quem ele amou e seguiu com fidelidade, o acolha no Reino preparado desde toda a eternidade.

Como Discípulas do Divino Mestre, continuaremos a viver e a anunciar, como ele nos ensinou, a beleza do encontro com Jesus vivo na Eucaristia, na Palavra, na Liturgia e no rosto dos irmãos.

“Não tenhais medo. Ide anunciar a meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão.” (Mt 28,10)

Pias Discípulas do Divino Mestre

TERCEIRO DIA DO TRÍDUO PASCAL: O DOMINGO DA RESSURREIÇÃO

Domingo da Páscoa na Ressurreição, “máxima solenidade do ano litúrgico” (PSL, 148). A primeira celebração deste domingo maior é a Vigília Pascal na noite santa, noite em que Jesus rompeu o inferno, noite testemunha da ressurreição (cf. Proclamação da Páscoa), Mãe de todas as Vigíliasda Igreja. Nesta noite, os catecúmenos são batizados e crismados, tomam parte nas preces e levam os dons do pão e do vinho até o altar; participam, pela primeira vez, da Oração Eucarística, da recitação da Oração do Senhor e da Mesa do Pão da Vida e do Cálice da Salvação, ápice da iniciação cristã. Nesta noite, os fiéis renovam as promessas batismais, reafirmando a inserção no mistério do crucificado-ressuscitado por meio do Batismo e da Confirmação (cf. PCFP 80). O dia da Ressurreição, celebrado com grande solenidade (PS 97), testemunhamos que o Senhor ressurgiu, como Maria Madalena, Pedro, João e os demais discípulos e discípulas. Eis o dia que o Senhor fez para nós. A celebração começa na Vigília Pascal, na noite do Sábado Santo. O fogo novo é aceso, a luz do Círio Pascal rompe a escuridão. A liturgia a chama de “Mãe de todas as Vigílias”: é a noite santa da libertação, da nova criação.

“Na escuridão do sepulcro nasceu uma luz nova, a luz da Ressurreição.” — Papa Francisco

A Vigília gira em torno de dois momentos centrais:

  • A Liturgia da Palavra, com o anúncio da história da salvação.
  • A Liturgia dos Sacramentos, com o Batismo, a Crisma e a Eucaristia, que nos unem ao mistério pascal.

“Jesus não é alguém do passado. Ele vive hoje e caminha conosco todos os dias.” — Papa Francisco

Na manhã do domingo, tudo se renova. A luz do Ressuscitado transforma o medo em coragem, a tristeza em alegria. A comunidade cristã proclama com força: “O Senhor ressuscitou verdadeiramente. Aleluia! Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e exultemos!” (Sl 117,24)

Como as mulheres no túmulo vazio, como Pedro e João correndo para ver, somos convidados a nos mover, a buscar, a anunciar. “A Páscoa é o anúncio de que tudo pode ser sempre recomeçado.” — Papa Francisco

A imagem da noite que se ilumina exprime, de forma simbólica, o coração do mistério da Páscoa: a vida vence a morte, a luz vence as trevas.

A celebração do Domingo da Ressurreição não termina ali. Ela se desdobra em cinquenta dias de festa, até Pentecostes, lembrando que viver como ressuscitados é um caminho contínuo. “Cristo vive! E com Ele, também nós podemos viver. Esta é a certeza que transforma tudo.” — Papa Francisco

Somos chamados a deixar para trás as sombras, a renovar o coração e escolher a luz. Como o Papa Francisco nos anima: “Não deixemos que a esperança nos seja roubada. O Senhor ressuscitado caminha conosco!”.

TEXTOS BÍBLICOS PARA A VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA:

1ª Leitura:
Gênesis 1,1-2,2
Salmo responsorial – Sl 103(104),1-2a.5-6.10.12.13-14.24.35c (R. cf. 30)

2ª Leitura:
Gênesis 22,1-18
Salmo responsorial Sl 15(16),5.8.9-10.11 (R. 1a)

3ª Leitura:
Êxodo 14,15-15,1
Salmo responsorial Ex 15,1-2.3-4.5-6.17-18 (R. 15,1a)

4ª Leitura:
Isaías 54,5-14
Salmo responsorial Sl 29(30),2.4.5-6.11.12a.13b (R. 2a)

5ª Leitura:
Isaías 55,1-11
Salmo responsorial Is 12,2-3.4bcd.5-6 (R. 3)

6ª Leitura:
Baruc 3,9-15.32-4,4
Salmo responsorial Sl 18B(19),8.9.10.11 (R. Jo 6,68c)

7ª Leitura:
Ezequiel 36,16-17a.18-28
Salmo responsorial Sl 41(42),3.5bcd; 42,3.4 (R. 3a)

Leituras do Novo testamento

8ª Leitura:
Romanos 6,3-11
Salmo responsorial Sl 117(118),1-2.16ab-17.22-23

9ª Leitura: EVANGELHO
Lucas 24,1-12

Reflexão para a Vigília Pascal na Noite Santa

A Vigília Pascal é a noite mais sagrada da liturgia cristã. É a celebração da nova criação inaugurada em Cristo, o Cordeiro Pascal. Nesta noite, a Igreja vela em oração e escuta com reverência a grande narrativa da salvação, contada pelas Escrituras. Cada leitura é uma janela aberta sobre o mistério da Páscoa.

1. Do caos à luz – Gênesis 1,1-2,2: A primeira leitura nos leva ao princípio de tudo. Deus cria a luz para vencer as trevas, a ordem para dominar o caos, e o ser humano para viver em comunhão com Ele. A criação é dom e expressão do amor divino. Ao celebrarmos a Ressurreição, reconhecemos que Cristo é a nova luz que refaz a criação ferida pelo pecado. “Enviai o vosso Espírito e tudo será criado, e renovareis a face da terra.” (Sl 103)

2. A fé provada – Gênesis 22,1-18: Abraão, ao entregar seu filho Isaac, figura a oferta suprema do Pai que não poupou o próprio Filho. A obediência de Abraão prefigura o sim de Jesus na cruz. Na ressurreição, compreendemos que a morte não tem a última palavra. “Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refugio!” (Sl 15)

3. A travessia da liberdade – Êxodo 14,15–15,1: este é o coração do Antigo Testamento pascal: Deus liberta o seu povo da escravidão. O mar que se abre simboliza o Batismo: mergulhar na morte para emergir na vida. Cristo é o novo Moisés, que nos conduz à liberdade. “Cantemos ao Senhor: ele fez brilhar a sua glória!” (Ex 15)

4. A ternura de Deus – Isaías 54,5-14: mesmo quando o povo se afasta, Deus permanece fiel. Seu amor é como o de um esposo fiel. A Páscoa nos mostra que o Senhor não nos abandona — mesmo no exílio ou na noite do sofrimento. “Eu vos exalto, Senhor, porque vós me livrastes.” (Sl 29)

5. Um convite à vida – Isaías 55,1-11: a palavra de Deus é eficaz, como a chuva que fecunda a terra. Nesta noite, somos convidados a acolher a Palavra viva que é Cristo, o Verbo encarnado. A salvação é gratuita, mas exige sede e abertura do coração. “Com alegria bebereis do manancial da salvação!” (Is 12)

6. Sabedoria para viver – Baruc 3,9-15.32-4,4: o Senhor nos chama a buscar a sabedoria, que não está nas riquezas nem nos ídolos, mas na Lei do Senhor, na sua Palavra que conduz à vida. Cristo é a Sabedoria encarnada, luz para os que andam nas trevas. “Senhor, só tu tens palavras de vida eterna.” (Sl 18B / Jo 6,68c)

7. Um coração novo – Ezequiel 36,16-28: Deus promete lavar o povo com água pura, dar um coração novo e um espírito novo. Essa promessa se cumpre no Batismo, onde morremos para o pecado e renascemos para Deus. A ressurreição de Cristo é fonte de vida nova para todos. “Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo!” (Sl 41)

8. Unidos à morte e ressurreição – Romanos 6,3-11: o Batismo nos une à morte de Cristo, para que vivamos uma vida ressuscitada. Morremos ao pecado para caminhar em novidade de vida. Somos, em Cristo, uma nova criação. “Não morrerei, mas ao contrário, viverei!” (Sl 117)

9. O túmulo vazio – Lucas 24,1-12: As mulheres encontram o túmulo vazio e recebem o anúncio: “Ele não está aqui! Ressuscitou!”. A pedra foi removida, a morte vencida, e a vida irrompeu gloriosa. A Vigília Pascal é a noite da surpresa divina: Deus ressuscita Jesus e com Ele, nos chama a ressuscitar também — desde já, com uma vida nova, e para sempre, na glória.

No Evangelho de Lucas (24,1-12), como nos outros evangelhos, as mulheres são as primeiras a ir ao túmulo. Isso não é um detalhe casual: em uma cultura onde o testemunho feminino não tinha valor jurídico, o fato de os evangelhos colocarem as mulheres como as primeiras a receber o anúncio da ressurreição mostra a autenticidade e a força contracultural do Evangelho. “Ele não está aqui! Ressuscitou!” – este anúncio, confiado primeiro às mulheres, é o coração da fé cristã.

O túmulo vazio não é apenas um sinal de ausência, mas de presença transformada. Jesus ressuscitado não está preso à morte, ao lugar da sepultura, ao passado. Ele vive, mas de um modo novo, além do espaço e do tempo. As mulheres são as primeiras a perceber que algo radicalmente novo começou. O túmulo vazio é o primeiro “sinal sacramental” da nova criação.

O anúncio pascal não é para ser guardado: é para ser compartilhado com os outros discípulos. Assim, as mulheres são as primeiras “apóstolas dos apóstolos”, como dizia Santo Tomás de Aquino. Elas não apenas veem e ouvem, mas são enviadas. A fé cristã nasce como testemunho de uma experiência, não como teoria. Começa com um encontro e se espalha pelo anúncio.

As mulheres são fiéis até o fim: não abandonam Jesus na cruz, estão presentes no sepultamento, e são as primeiras a buscá-lo mesmo no silêncio da morte. Sua perseverança e amor as colocam no centro da revelação pascal. Elas vão ao túmulo movidas pela dor e pelo amor. E é nesse lugar de perda que Deus age com poder. Isso mostra que a fé pascal não nega a dor, mas a atravessa. A ressurreição é uma resposta divina ao sofrimento humano.

A experiência das mulheres revela que o Ressuscitado se manifesta onde há amor fiel e esperança humilde. A ressurreição não se revela a quem desiste, mas a quem continua amando e esperando mesmo sem entender.

Nesta noite santa, a história da salvação se revela como uma história de amor fiel. Deus cria, liberta, conduz, perdoa, renova… e por fim, ressuscita. A escuridão da cruz dá lugar à luz da vida. Somos convidados a deixar o túmulo e caminhar na luz do Ressuscitado. “Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos!” (Sl 117)

TEXTOS BÍBLICOS PARA O DOMINGO DA PÁSCOA NA RESSURREIÇÃO DO SENHOR

At 10,34a.37-43
Sl 117(118),1-2.16ab-17.22-23 (R. 24)
Cl 3,1-4 ou 1Cor 5,6b-8
Jo 20,1-9
Em lugar deste Evangelho, pode-se proclamar o Evangelho da Vigília Pascal: Mt 28,1-10 (Ano A); Mc 16,1-7 (Ano B); Lc 24 1-12 (Ano C). Nas missas vespertinas do domingo de Páscoa, pode-se também proclamar o Evangelho de Lc 24,13-35.

“Ele viu e acreditou” – Reflexão para o Domingo da Ressurreição

João 20,1-9 | Atos 10,34a.37-43 | Colossenses 3,1-4 ou 1Coríntios 5,6b-8 | Salmo 117

O dia da Páscoa ressoa em toda a liturgia como um grito de vitória: Cristo ressuscitou! Este é o dia que o Senhor fez para nós — um dia em que a vida venceu a morte, a esperança renasceu, e o amor mostrou-se mais forte que tudo. O Salmo 117 canta com alegria: “Este é o dia que o Senhor fez: alegremo-nos e nele exultemos!”

Mas esse dia tão glorioso começou com silêncio e surpresa, com um túmulo vazio e corações confusos. O Evangelho de João nos apresenta a corrida de Maria Madalena, Pedro e o discípulo amado ao sepulcro. Eles não encontram Jesus ali, mas apenas os sinais de sua passagem: as faixas de linho no chão, o sudário dobrado.

A fé pascal não nasce da lógica, mas da experiência do mistério. O discípulo amado “viu e acreditou”. Ele viu o vazio e acreditou na plenitude. Isso é Páscoa: ver o invisível, confiar no que parece impossível, crer no Amor que não morre.

No livro dos Atos, Pedro anuncia com clareza o coração da fé cristã: “Jesus, que passou fazendo o bem e curando os oprimidos, foi crucificado, mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia.” E ele testemunha que esse Ressuscitado apareceu aos que comeram e beberam com Ele — não a todos, mas àqueles que caminhavam com Ele. A ressurreição não é um espetáculo público, mas uma experiência que transforma a vida dos que O amam.

Hoje, somos chamados a ser essas testemunhas: homens e mulheres que experimentaram o Cristo vivo em sua história e o anunciam com a vida.

A carta aos Colossenses nos recorda: “Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto.” A Páscoa não é apenas um evento do passado, mas uma realidade que nos transforma no presente. Ressuscitar com Cristo significa deixar para trás o “fermento velho”, como diz São Paulo aos Coríntios: tudo aquilo que pesa, que corrompe, que nos distancia do amor e da comunhão.

Celebrar a Páscoa é viver como novas criaturas, revestidos da luz e da alegria de Cristo. É fazer da vida uma Eucaristia permanente, um testemunho vivo da presença do Ressuscitado no mundo.

Hoje, diante do túmulo vazio…

Também nós nos aproximamos do túmulo, como Maria Madalena. Também nós corremos, como Pedro e o discípulo amado. E o que encontramos? Não provas, mas sinais. Não certezas humanas, mas a presença silenciosa de um Deus que nos precede e nos convida a crer.

Cristo não está mais entre os mortos. Ele caminha conosco, ressuscitado.
Ele está nas feridas curadas, nos corações reconcilia­dos, na paz reencontrada.
Ele está em cada gesto de amor que vence o medo, em cada perdão que renasce, em cada vida restaurada pela esperança.

Oração final

Senhor Ressuscitado,
como o discípulo amado, queremos ver e acreditar.
Ensina-nos a reconhecer-te nos sinais discretos da vida,
a correr ao encontro da tua presença viva,
e a viver como testemunhas da ressurreição.
Que este dia, que tu fizeste para nós,
seja o início de uma vida nova,
marcada pela luz, pela alegria e pela paz.
Amém.

SÁBADO SANTO

O Sábado Santo é o dia do grande silêncio, onde a Igreja permanece em recolhimento junto ao sepulcro do Senhor. Após a intensidade da Paixão, somos convidados a fazer uma pausa profunda. O altar está desnudado, não se celebra a Eucaristia, e reina um silêncio litúrgico que carrega uma expectativa: a esperança da Ressurreição.

No Sábado Santo, a Igreja vela em silêncio diante do sepulcro do Senhor. Contempla com reverência sua Paixão, sua Morte e sua misteriosa descida à mansão dos mortos (cf. 1Pd 3,19), aguardando em oração e jejum o esplendor da Ressurreição. É um dia marcado pelo recolhimento e pela espera silenciosa. Por isso, a Igreja se abstém da celebração da Eucaristia — o altar permanece despojado, sem ornamentos — até que, ao cair da noite, na solene Vigília Pascal, irrompam os cantos jubilosos da Páscoa, cuja plenitude se estende ao longo dos cinquenta dias do Tempo Pascal. Neste dia, a Sagrada Comunhão é reservada unicamente como viático, sinal de esperança para aqueles que se preparam para o encontro definitivo com Cristo.

Contemplamos o mistério da sepultura do Senhor, reconhecendo, com a fé mais antiga da Igreja, que: “Cristo morreu pelos nossos pecados, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Cor 15,3-4).

É um dia de esperança silenciosa. Não é um vazio, mas uma gestação. A tristeza não é simplesmente substituída pela alegria, mas é transformada nela. O Sábado Santo é o dia em que a vitória começa a germinar dentro da derrota, a vida brota no coração da morte. “Cristo por nós padeceu, morreu e foi sepultado: vinde todos, adoremos!”.

Viver o Sábado Santo: oração, silêncio e espera

Mesmo com os preparativos para a solene Vigília Pascal, este dia deve conservar um espaço para a oração pessoal e comunitária. A Liturgia das Horas e o Ofício Divino das Comunidades oferecem orações próprias para esse momento. Celebrar com o povo o Ofício de Leituras ao amanhecer e a Oração da Manhã — na igreja despojada, não na capela da reposição — favorece um ambiente de contemplação, como as mulheres portadoras de perfumes, que vigiam à espera do Ressuscitado.

Após esses momentos litúrgicos, pode-se prolongar a meditação, silenciando o coração e repassando a Palavra. Também é precioso reservar um tempo para a oração pessoal, leitura espiritual e contemplação dos Evangelhos que narram o sepultamento de Jesus:
📖 João 19,38-42 | Lucas 23,50-56 | Mateus 27,56-61 | Marcos 15,42-47.

Esses quatro textos, embora sejam relatos discretos, todos profundamente marcados pela reverência e pelo silêncio, eles carregam uma mensagem poderosa e extremamente atual para a humanidade de hoje. Eis algumas luzes que podemos recolher desses evangelhos:

A dignidade da morte e o valor do cuidado: José de Arimateia, Nicodemos e as mulheres que seguem Jesus não se afastam dele na hora da morte. Eles não têm pressa. Eles cuidam, lavam, perfumam, envolvem o corpo em linho. Em um tempo em que a morte é muitas vezes apressada, institucionalizada ou ignorada, esses gestos simples e compassivos recordam à humanidade que todo corpo merece ser cuidado e amado até o fim. Eles nos ensinam a honrar o sofrimento com ternura, a não virar o rosto diante da dor.

A coragem silenciosa dos pequenos: José de Arimateia era discípulo “às escondidas”, Nicodemos antes só vinha de noite, e as mulheres estavam sempre em segundo plano. Mas no momento mais difícil, são eles que permanecem. Esses textos nos lembram que a verdadeira fidelidade não grita nem se impõe. É discreta, mas firme. Num mundo barulhento, onde o poder e a visibilidade parecem dominar, esses pequenos gestos silenciosos gritam: a fé perseverante transforma o mundo.

A espera fecunda no meio do luto: as mulheres observam onde Jesus foi sepultado. Tudo parece ter acabado. Mas elas esperam. Elas não desistem. Mesmo sem entender, não abandonam o lugar onde repousa o amor. Para a humanidade de hoje, marcada pela ansiedade, pelo imediatismo e pelo desespero diante da dor, essas mulheres ensinam a esperar com fé mesmo quando tudo parece perdido. A ressurreição não começa no Domingo: ela começa no coração de quem vigia no sábado do silêncio.

A compaixão como resposta à morte: nestes textos, ninguém faz discursos grandiosos. O que fala é o gesto: envolver Jesus num lençol novo, sepultá-lo num túmulo digno, trazer perfumes… É a linguagem da compaixão concreta. Eles mostram que, diante da dor do outro, o que importa não é ter respostas, mas presença amorosa e gestos sinceros. Numa sociedade muitas vezes indiferente ao sofrimento, esses relatos convidam cada um de nós a sermos companheiros de sepultura — solidários, sensíveis e humanos.

Deus age no silêncio: Nenhuma palavra de Jesus é pronunciada nesses trechos. Ele já está morto. Mas Deus não está ausente. A semente foi lançada na terra. Algo está germinando no invisível. Para a humanidade que sofre, espera, e tantas vezes não vê sinais, esses evangelhos afirmam com doçura: o silêncio de Deus não é ausência, é obra misteriosa de salvação. No tempo do túmulo, a graça trabalha por dentro.

Esses relatos do sepultamento de Jesus não apenas falam do silêncio de Deus, mas nos colocam dentro dele. Jesus está morto. Deus parece ter calado. A dor venceu? A injustiça triunfou? Onde está Deus diante do mal?

É nesse contexto que os textos oferecem uma resposta profunda, ainda que sutil: o silêncio de Deus não é indiferença nem abandono, mas um silêncio grávido de presença, um silêncio que carrega esperança e promessa. Aqui estão algumas pistas que esses textos oferecem à humanidade de hoje:

Deus não está ausente no silêncio: Ele está profundamente mergulhado na dor. O corpo de Jesus, entregue ao sepulcro, mostra que Deus não se retirou do sofrimento humano, mas passou por ele até o fim. No silêncio do túmulo, Deus compartilha nossa noite mais escura. Isso responde à angústia de tantos que perguntam: “Onde está Deus diante das guerras, das violências, dos lutos?” — Ele não está distante. Ele está na cruz, e agora está no túmulo. Com a humanidade.

O silêncio de Deus é espaço para a fé amadurecer. Como as mulheres diante do túmulo, somos convidados a esperar, mesmo sem compreender. O silêncio não é uma rejeição, mas uma pedagogia: faz a fé crescer, ensina a escutar com o coração, a confiar no invisível. Diante do mal, o silêncio de Deus pode parecer ausência, mas é também um chamado à confiança madura, ao tipo de fé que permanece mesmo quando não há sinais.

O bem continua atuando, mesmo na escuridão. José de Arimateia, Nicodemos, as mulheres… são personagens silenciosos que continuam fazendo o bem mesmo quando tudo parece perdido. Eles não esperam Deus agir de forma espetacular: agem com delicadeza e amor, mesmo sem entender tudo. Isso nos inspira a crer que o bem nunca cessa, mesmo diante do mal. No silêncio, Deus age através das mãos compassivas, das atitudes discretas, da fidelidade dos pequenos.

O silêncio de Deus revela que a resposta ao mal é mais profunda do que uma intervenção imediata. Muitas vezes, esperamos que Deus “faça algo” de forma visível, rápida, espetacular. Mas Deus responde ao mal com algo mais radical: Ele entra na morte para vencê-la por dentro. O silêncio do Sábado Santo não é passividade, mas um espaço onde a semente do Reino germina em segredo. A resposta de Deus ao mal não é apenas corrigir o mundo, mas transformá-lo desde o interior, com amor crucificado e ressuscitado.

O silêncio é a preparação da ressurreição. O túmulo é real. A dor também. Mas a última palavra não foi dita ainda. O silêncio não é o fim — é o intervalo sagrado entre a dor e a vitória, entre a cruz e a vida nova. Para a humanidade de hoje, cansada de ruídos, de violências e de desesperança, esses textos dizem: permaneça. Espere. Creia. O amor ainda está agindo.

Esses evangelhos, com sua delicadeza e profundidade, não dão respostas fáceis ao sofrimento. Mas revelam que Deus está presente, mesmo no escuro. E isso muda tudo. Porque o silêncio d’Ele não é abandono, mas amor que trabalha no invisível, preparando o terceiro dia.

MEDITAÇÕES SOBRE O MISTÉRIO DO SÁBADO SANTO

“O Amor penetrou nos infernos”Bento XVI

O Sábado Santo é o intervalo sagrado em que Cristo compartilhou conosco não apenas o morrer, mas o permanecer na morte. É o dia da solidariedade radical de Deus. No coração da morte humana, ressoou a voz do Amor. O que parecia ser o fim, tornou-se princípio. Se até ali o Amor chegou, então também ali germinou a Vida. Na solidão mais escura, nunca mais estaremos sozinhos.

“O grande e santo Sábado”Alexandre Schmemann e Olivier Clément

O Sábado Santo não é um simples intervalo entre a dor e a alegria. Não se trata de tristeza seguida por alívio. É o dia em que a tristeza é transfigurada pela fé. É o dia em que celebramos a morte da própria morte. É o tempo da espera fértil, onde tudo é preparado para a Ressurreição.

“O Silêncio de Deus”Pe. Adroaldo Palaoro

O Sábado Santo é um tempo de silêncio… não de ausência, mas de presença oculta. Um silêncio carregado de sentido, como o do Pai que está de luto por seu Filho e por todas as suas criaturas. O silêncio de Deus é a semente do Verbo lançada na terra, esperando a hora de florescer em Vida nova.

Homilia Antiga do Sábado Santo (séc. IV)

“O que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra… porque o Rei está dormindo.”
Cristo desce aos infernos, procura Adão e Eva, e proclama:
“Levanta-te, tu que dormes! Eu sou a tua vida. Por ti, tomei tua condição e fui até mesmo sepultado debaixo da terra. Mas agora, saiamos daqui! O trono está preparado, os céus abertos, o Reino te espera.”


Um convite ao coração

Neste Sábado Santo, pare. Silencie. Recolha-se. Deixe que o mistério da cruz mergulhe no teu interior e, como uma semente na terra, transforme a tua dor em esperança. Na escuridão da morte, a luz já começa a nascer. É o dia em que Deus parece calar, e justamente nesse silêncio, a fé é chamada a permanecer viva. É um tempo de espera reverente, em que a Igreja, como Maria e os discípulos, permanece ao lado do sepulcro, sustentada pela esperança.

Neste dia, não se celebra a Eucaristia, não há grandes gestos litúrgicos: tudo convida ao recolhimento. É uma pausa sagrada, onde a ausência se torna presença silenciosa, e a oração se torna a linguagem da alma que vigia na escuridão, crendo na luz que virá.

Orar no Sábado Santo é unir-se a Cristo em seu descanso no seio da terra, é permanecer com Ele no silêncio do túmulo, confiando que a vida brotará da morte. É também um modo de nos reconhecermos frágeis, mas guardados no Amor. Por isso, a oração neste dia não é agitada, mas contemplativa, feita de escuta, espera e esperança.

É um convite a mergulhar naquilo que Bento XVI chamou de “a solidariedade mais radical de Deus com a nossa humanidade”: Deus entra até mesmo na experiência da morte e da solidão para que ninguém, jamais, se sinta abandonado. No silêncio do Sábado Santo, a oração é como o incenso que sobe suave e confiante, mesmo antes do sol nascer.

QUINTA-FEIRA SANTA: O AMOR COMEÇA AQUI

A Missa da Ceia do Senhor, celebrada na Quinta-feira Santa ao entardecer, dá início ao Tríduo Pascal. É o primeiro passo da caminhada com Jesus em sua paixão, morte e ressurreição. Essa celebração não é apenas memória de um fato passado, mas a atualização viva do gesto de amor mais profundo: a entrega total de Jesus por nós.

Logo no início da liturgia, a antífona já aponta para o mistério que celebramos: “A cruz de nosso Senhor Jesus Cristo deve ser a nossa glória; nele está nossa vida e ressurreição; foi ele que nos salvou e libertou.”

A Ceia não é um rito isolado. É parte de uma história de salvação que começa com o povo hebreu, na noite da libertação do Egito. “É a Páscoa, a passagem do Senhor!” (Ex 12,11).

O cordeiro imolado, o sangue nos umbrais das portas, a refeição partilhada às pressas: tudo isso anuncia o verdadeiro Cordeiro, Jesus, que entrega seu corpo e derrama seu sangue como sinal de uma nova aliança. “Isto é o meu corpo dado por vós… este cálice é a nova aliança em meu sangue.” (1Cor 11,24-25)

Mas a Ceia não para no altar. Durante o jantar, Jesus levanta-se, tira o manto, pega uma toalha, se abaixa e começa a lavar os pés dos discípulos. Um gesto escandaloso. Um amor que se ajoelha. “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros.” (Jo 13,14)

Na Quinta-feira Santa, celebramos o coração da fé cristã: um Deus que se faz pão, que se faz serviço, que se doa por inteiro. Participar desta Eucaristia é assumir o compromisso de viver como Ele viveu, amar como Ele amou e servir como Ele serviu. Não é apenas uma missa bonita. É um chamado. “Fazei isto em memória de mim.” (1Cor 11,24)

Celebrar a Ceia do Senhor é dizer com a vida: estamos dispostos a continuar o caminho do amor até o fim.

Páscoa: O Sacrifício e a Renovação da Aliança

A Páscoa é um momento de profunda reflexão sobre o sacrifício, a renovação da aliança e a presença divina em nossas vidas. Ao longo das Escrituras, somos convidados a vivenciar a Páscoa não apenas como um evento histórico, mas como uma experiência de transformação pessoal e espiritual.

No Êxodo 12,1-8.11-14, vemos o povo de Israel, em meio à opressão no Egito, ser orientado a celebrar a Páscoa com um sacrifício de cordeiro e a marca de seu sangue nas portas como sinal de salvação. Esta primeira Páscoa é um marco da libertação divina, simbolizando a passagem da escravidão para a liberdade, do sofrimento para a esperança. Ela nos convida a refletir sobre o sacrifício que Deus fez em favor de Seu povo e nos recorda da importância de viver na fidelidade à Sua Palavra.

O Salmo 115,12-13.15-16bc.17-18 ecoa esse sentimento de gratidão e confiança em Deus, que libertou e guiou Seu povo. Ele nos lembra de que, ao recebermos as bênçãos divinas, devemos responder com ação de graças e compromisso com a Aliança. “Como retribuirei ao Senhor por tudo o que Ele me fez?” (Sl 115,12). A resposta a essa pergunta é encontrada no amor e no serviço a Deus e ao próximo, que se manifestam, especialmente, na participação na Ceia do Senhor.

Na Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios 11,23-26, a Eucaristia é revelada como o memorial do sacrifício de Cristo, que, ao instituir a Ceia, transforma o pão e o vinho em Seu Corpo e Sangue. Paulo nos ensina que, ao partilhar deste mistério, renovamos a nossa aliança com Cristo e proclamamos Sua morte e ressurreição até que Ele venha. A Eucaristia, assim, não é apenas um ato de recordação, mas uma vivência profunda da presença de Cristo em nossa vida.

Finalmente, no Evangelho de João 13,1-15, somos chamados a imitar o gesto de humildade e serviço de Jesus, que, ao lavar os pés dos Seus discípulos, nos ensina o verdadeiro caminho do amor. Ele, que é Senhor e Mestre, se faz servo, mostrando que, para viver a Páscoa em plenitude, devemos abraçar o serviço e o amor ao próximo. A humildade e a pureza de coração são essenciais para participar da Páscoa de Cristo, pois é somente através delas que podemos experimentar a verdadeira liberdade e salvação.

O que significa este gesto de Jesus de lavar os pés dos discípulos?

A Páscoa, portanto, não é apenas um rito de lembrança, mas uma vivência de fé, uma renovação da aliança com Deus, e um convite para que, como Cristo, possamos nos doar em amor e serviço ao próximo. Que, ao celebrarmos este tempo sagrado, possamos experimentar, em nossas vidas, a verdadeira libertação e a paz que Cristo nos oferece, nos chamando a viver uma vida de amor e serviço.

No contexto do judaísmo, o gesto de Jesus lavar os pés dos discípulos, conforme descrito no Evangelho de João 13,1-15, é carregado de um profundo simbolismo e se destaca como um ato radical de humildade e serviço. Para entender o significado desse gesto no judaísmo, é importante considerar algumas práticas e tradições culturais da época.

  1. A Tradição Judaica de Lavar os Pés: No judaísmo do tempo de Jesus, lavar os pés era uma prática comum de hospitalidade. Ao receber um convidado em sua casa, o anfitrião ou um servo lavava os pés do visitante, pois as pessoas se deslocavam usando sandálias em estradas poeirentas. Esse gesto era um sinal de acolhimento e respeito. No entanto, a prática de lavar os pés era vista como uma tarefa reservada aos servos ou escravos, uma vez que era uma função humilde e muitas vezes considerada de baixo status.
  2. A Inversão dos Papéis Sociais: Quando Jesus, como Mestre e Senhor, assume a função de servo ao lavar os pés dos discípulos, Ele desafia diretamente as normas sociais e culturais da época. Ao fazer isso, Jesus inverte a expectativa comum de hierarquia, mostrando que, no Reino de Deus, a verdadeira grandeza se encontra no serviço humilde ao próximo. Essa ação vai contra o entendimento de liderança baseado em poder e status, propondo um modelo de liderança servidora.
  3. O Significado Espiritual: O gesto de lavar os pés também carrega um significado espiritual profundo. Para os discípulos, o ato de Jesus era uma forma de purificação, já que, no contexto religioso judaico, a lavagem era associada à purificação ritual. Embora Jesus não estivesse realizando uma purificação formal, Ele estava simbolicamente limpando os discípulos de sua sujeira espiritual e convidando-os a seguir o Seu exemplo de humildade e serviço.
  4. A Tora e a Humildade: Na tradição judaica, a humildade é uma virtude essencial. Os sábios judaicos ensinavam que a verdadeira grandeza estava na capacidade de servir aos outros com um coração humilde. Ao realizar esse gesto, Jesus se alinha com essa virtude de humildade e serviço, que é central na moral judaica, como exemplificado nos ensinamentos dos profetas e dos mestres da Tora.
  5. A Preparação para a Morte: Além disso, esse gesto de lavar os pés pode ser interpretado como uma preparação simbólica para o sacrifício de Jesus na cruz. Ao servir os discípulos dessa maneira, Ele os prepara para entender o tipo de Messias que Ele é: não um líder militar ou político, mas um Servo Sofredor, disposto a dar Sua vida em favor da humanidade.

Portanto, para o judaísmo, o gesto de Jesus de lavar os pés dos discípulos subverte as normas sociais e religiosas de sua época, chamando todos a praticar uma liderança fundamentada na humildade, no serviço e no amor ao próximo, valores que são centrais na tradição judaica. Além disso, é uma lição sobre a necessidade de purificação interior e um lembrete de que a verdadeira grandeza diante de Deus é medida pela disposição de servir e se humilhar em amor.

Para nós cristãos, o gesto de Jesus de lavar os pés dos discípulos possui uma riqueza de significados que vão além da prática de hospitalidade ou do simples ato de humildade. Esse gesto carrega profundas implicações para a compreensão da natureza de Deus, do Reino de Deus e do chamado dos discípulos para seguir o exemplo de Cristo. Vamos explorar os principais significados teológicos desse ato.

1. O Mistério da Humildade Divina

No gesto de lavar os pés, Jesus, que é o Filho de Deus, revela a profundidade da humildade divina. Ele, sendo Senhor e Mestre, não se impõe sobre os discípulos, mas escolhe servir a eles de maneira concreta e visível. Este gesto nos aponta para a natureza paradoxal de Deus, que é completamente transcendente e, ao mesmo tempo, completamente acessível e servo. A humildade de Jesus é uma característica essencial de Sua divindade. Ele, sendo Deus, não se afasta da humanidade, mas entra nela de maneira radical, demonstrando que o serviço e a doação são centrais para Sua missão redentora.

Esse ato de humildade reflete a “kenosis“, o “despojamento” de Cristo, descrito por Paulo em Filipenses 2,6-8. Ao se esvaziar de Sua glória e se tornar servo, Jesus nos revela que a verdadeira grandeza no Reino de Deus não está em poder ou prestígio, mas em um amor que se faz pequeno e se coloca a serviço dos outros. Jesus, ao lavar os pés, não apenas ensina, mas também revela a essência de Sua identidade como o Servo Sofredor, aquele que está disposto a ir até as últimas consequências por amor.

2. Purificação Espiritual

Este ato de lavar os pés também tem um forte componente de purificação. No contexto bíblico, a lavagem dos pés é associada à purificação, especialmente em rituais de preparação para encontros com Deus ou com momentos sagrados. Quando Jesus lava os pés de Seus discípulos, Ele não está apenas realizando um gesto simbólico de limpeza física, mas está apontando para a purificação interior necessária para uma verdadeira comunhão com Ele. Em João 13,10-11, Jesus explica que aquele que já se purificou precisa apenas lavar os pés, indicando que a lavagem é um reflexo da necessidade de purificação constante na vida espiritual. Este gesto antecipa a purificação final que seria realizada por meio da Sua morte na cruz, que oferece perdão e reconciliação com Deus.

3. O Amor Incondicional e Sacrificial

Ao lavar os pés dos discípulos, Jesus demonstra um amor incondicional e sacrificial, o qual se estende até mesmo àqueles que O traem (Judas) e aos que O abandonam (os discípulos, mais tarde). Esse gesto é uma antecipação do Seu maior ato de amor, a Sua morte na cruz, onde Ele se entregará completamente por toda a humanidade. O ato de lavar os pés dos discípulos não é apenas um exemplo de humildade, mas um sinal visível de Seu amor sacrificial, que se entrega totalmente para a salvação dos outros.

Jesus está mostrando que a verdadeira manifestação do amor de Deus no mundo não é algo grandioso ou grandemente exaltado, mas algo que se manifesta em serviço, sacrifício e doação. O amor de Cristo é aquele que se faz pequeno, que se abaixa, que se humilha por amor ao próximo.

4. Exemplo de Serviço e Liderança no Reino de Deus

Jesus, com este gesto, também redefine o conceito de liderança no Reino de Deus. O mundo tende a ver a liderança como algo que envolve poder, controle e domínio. No entanto, no Reino de Deus, a verdadeira liderança é caracterizada pelo serviço e pela capacidade de servir aos outros. Jesus não exige ser servido, mas escolhe servir, e Ele chama Seus discípulos a seguir esse exemplo.

Em João 13,14-15, Ele instrui os discípulos: “Se eu, o Senhor e Mestre, lavei os pés de vocês, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Pois eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como eu fiz.” Este é um mandamento de serviço mútuo, um convite para que os discípulos se tornem servos uns dos outros, assim como Cristo fez. A liderança cristã não é uma posição de poder ou honra, mas um chamado a servir aos outros com humildade e amor.

5. A Nova Comunhão com Cristo

Teologicamente, o gesto de lavar os pés também pode ser visto como um símbolo da nova comunhão que Jesus estabelece com os Seus seguidores. Ao lavar os pés dos discípulos, Ele não só está purificando-os, mas também os preparando para participar plenamente da Sua vida e missão. O serviço de Jesus vai além do ato físico de lavar os pés; Ele está criando uma nova comunidade fundamentada no serviço mútuo, onde os discípulos são chamados a viver em união e a praticar o amor sacrificial uns com os outros. Essa nova comunhão, fundada na imitação do amor e serviço de Cristo, será a base da Igreja que Ele está estabelecendo.

6. A Preparação para a Morte Redentora

Por fim, o gesto de lavar os pés é uma preparação para o sacrifício de Jesus na cruz. Ele sabe que Sua hora está chegando e usa esse momento para ensinar aos discípulos sobre a verdadeira natureza do Seu sacrifício. A cruz, como o lavatório, será o lugar onde Ele purificará e redimirá a humanidade, mas o gesto de lavar os pés já antecipa o significado profundo do que Ele fará. Assim, esse ato de serviço se torna uma preparação teológica para o ato supremo de amor de Cristo: Sua morte sacrificial, por meio da qual Ele oferece a purificação definitiva para todos os que creem Nele.

Assim, neste gesto, Jesus revela a humildade divina, a purificação necessária para uma vida em Cristo, o amor sacrificial que se entrega sem limites, e redefine a liderança como serviço. Ele também prepara os discípulos para o maior ato de amor, que será a Sua morte na cruz, e estabelece a base para uma nova comunidade de fé, caracterizada pelo amor e serviço mútuo. Em última análise, o gesto de lavar os pés é uma convocação para que todos os discípulos de Cristo sigam Seu exemplo e vivam uma vida de serviço, humildade e amor incondicional.

Memória da Ceia do Senhor: Início do Tríduo Pascal

Na noite em que foi entregue, Jesus celebrou a Ceia com seus discípulos. A comunidade cristã, ao se reunir nesta celebração, faz memória viva do que Ele fez e nos mandou fazer: tomar o pão, dar graças, partir e repartir. Este gesto simples e profundo inaugura o Tríduo Pascal, o coração do ano litúrgico.

Nesta celebração, é essencial preservar a estrutura da Ceia. Nos lugares onde for possível, utilizar-se do pão no lugar da hóstia, preparado especialmente para esta Missa, e não retirado do sacrário, que deve estar vazio desde o início da liturgia. A comunhão é realizada sob as duas espécies, pão e vinho, e a assembleia é convidada a se reunir em torno da mesa do altar, como sinal de unidade e partilha.

A adoração ao Santíssimo Sacramento, que se segue à celebração, ocorre em uma capela à parte, em clima de silêncio e sobriedade. Após a meia-noite, não se faz mais solenidade. Nunca se expõe o Santíssimo em ostensório, nem se deixa o sacrário ou o cibório abertos.

Os cantos que acompanham esta liturgia são próprios: a antífona de entrada, o Glória, as aclamações da oração eucarística e o canto de comunhão. As leituras também são específicas para este momento: o relato da Ceia Pascal do Êxodo, o testemunho mais antigo da Eucaristia presente na segunda leitura, e o Evangelho do Lava-pés, gesto que é repetido na celebração como sinal de serviço e amor fraterno. A cor litúrgica do dia é o branco, símbolo de festa e luz.

Ao final da celebração, o altar principal é desnudado e as imagens e cruzes são cobertas, caso ainda não tenham sido veladas no sábado anterior ao 5º Domingo da Quaresma. As imagens permanecem cobertas até a Vigília Pascal, enquanto a cruz permanece velada até a celebração da Sexta-feira Santa.

Do ponto de vista teológico e litúrgico, esta Ceia marca o início do êxodo pascal de Jesus. Nela, Ele reúne o sentido de toda a sua vida e missão, antecipando o mistério de sua entrega por amor. Celebra-se a Páscoa judaica, memória do êxodo, mas agora Ele mesmo se apresenta como o cordeiro da nova aliança: “Este é o meu corpo… este é o meu sangue”.

Espiritualmente, ao repetir os gestos de Jesus naquela noite, deixamo-nos conduzir pelo mesmo Espírito que o animou. Somos convidados a dedicar nossa vida a uma causa maior, assim como Ele fez. A Eucaristia nos impulsiona à gratidão, a ver o bem mesmo nas dificuldades, e a fazer da própria vida uma entrega total, corpo e sangue, por amor.

Sugestões dos cantos para este dia

Embora as músicas estejam gravadas com o acompanhamento completo de instrumentos, com o objetivo de facilitar o aprendizado e favorecer a adesão melódica, lembramos que o Sagrado Tríduo Pascal exige uma preparação cuidadosa. O uso dos instrumentos deve ser feito com discernimento, respeitando o espírito litúrgico próprio de cada celebração.

Diz o missal romano: Para uma boa celebração do Tríduo sagrado requer-se um número adequado de ministros leigos que devem ter sido cuidadosamente instruídos sobre o que lhes compete fazer.
O canto do povo, dos ministros e do sacerdote que preside, tem peculiar importância nas celebrações destes dias, pois os textos recebem toda a força que lhes é própria, sobretudo quando são cantados.

Orientação do Missal Romano para a Missa Vespertina da Missa da Ceia do Senhor: Durante o hino, tocam-se os sinos, que depois permanecerão silenciosos até o Glória da Vigília pascal, a não ser que o Bispo diocesano determine outra coisa. No mesmo período, o órgão e os outros instrumentos musicais podem ser utilizados somente para sustentar o canto.

Canto de entrada (1ª sugestão): Quanto a nós devemos gloriar-nos
Link: https://www.youtube.com/watch?v=gfPi1qOg0pM&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=3

Canto de entrada (2ª sugestão): Ninguém Pode se Orgulhar (Abertura)
Link: https://www.youtube.com/watch?v=8wHCH2v7a7g&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=2

Glória
Link: https://www.youtube.com/watch?v=ORXy8k0P_Po&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=3

Salmo responsorial:
Link: https://www.youtube.com/watch?v=YG_XP7nD5jI&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=4

Aclamação ao Evangelho:
Link: https://www.youtube.com/watch?v=p3so-f2_5XU&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=5

Lava-pés (1ª opção):
Link: https://www.youtube.com/watch?v=p3so-f2_5XU&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=5

Lava-pés (2ª opção)
Link: https://www.youtube.com/watch?v=XHf3LQjonI8&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=7

Apresentação das oferendas:
Link: https://www.youtube.com/watch?v=2CR4PYMyasQ&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=8

Comunhão (1ª opção):
Link: https://www.youtube.com/watch?v=8PzOzuhfEUA&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=9

Comunhão (2ª opção)
Link: https://www.youtube.com/watch?v=4tq6fCC0FJ8&list=OLAK5uy_kjpAsA3rSKZv42Iai_l6DCuO8nPWt4vaY&index=10

Canto da Transladação do Santíssimo Sacramento:
Link: https://www.youtube.com/watch?v=MsF8cdUK8m4&list=RDMsF8cdUK8m4&start_radio=1&rv=MsF8cdUK8m4

Orientações sobre a transladação (missal romano):

Transladação do Santíssimo Sacramento

Se na mesma igreja não houver a celebração da Paixão do Senhor na sexta-feira seguinte, a Missa se conclui como de costume e o Santíssimo Sacramento é colocado no tabernáculo.

Terminada a oração depois da comunhão, o sacerdote, de pé, põe e abençoa o incenso no turíbulo e, ajoelhado, incensa três vezes o Santíssimo Sacramento. Recebe o véu umeral de cor branca, levanta-se, toma o cibório e o cobre com as extremidades do véu.

Forma-se a procissão da transladação do Santíssimo Sacramento, com tochas e incenso, pela igreja ao lugar da reposição, preparado em alguma parte da igreja ou numa capela convenientemente ornada. À frente vai um ministro leigo com a cruz entre dois outros com castiçais acesos; seguem-se outros levando velas acesas; diante do sacerdote que leva o Santíssimo Sacramento vai o turiferário com o turíbulo fumegante. Durante a procissão canta-se o hino Vamos todos louvar juntos (exceto as duas últimas estrofes) ou outro canto eucarístico.

Vamos todos louvar juntos
o mistério do amor,
pois o preço deste mundo
foi o sangue redentor,
recebido de Maria,
que nos deu o Salvador.

Veio ao mundo por Maria,
foi por nós que ele nasceu.
Ensinou sua doutrina,
com os homens conviveu.
No final de sua vida,
um presente ele nos deu.

Observando a Lei mosaica,
se reuniu com os irmãos.
Era noite. Despedida.
Numa ceia: refeição.
Deu-se aos doze em alimento,
pelas suas próprias mãos.

A Palavra do Deus vivo
transformou o vinho e o pão
no seu sangue e no seu corpo
para a nossa salvação.
O milagre nós não vemos,
basta a fé no coração.

Quando a procissão chega ao local da reposição, o sacerdote, se necessário, com a ajuda do diácono, deposita o cibório no tabernáculo, cuja porta fica aberta. Em seguida coloca incenso no turíbulo e, ajoelhado, incensa o Santíssimo Sacramento enquanto se canta Tão sublime sacramento ou outro canto eucarístico. Depois o diácono ou o próprio sacerdote fecha o tabernáculo.

Tão sublime sacramento
adoremos neste altar,
pois o Antigo Testamento
deu ao Novo seu lugar,
Venha a fé por suplemento
os sentidos completar.

Ao Eterno Pai cantemos
e a Jesus, o Salvador.
Ao Espírito exaltemos,
na Trindade eterno amor.
Ao Deus Uno e Trino demos
a alegria do louvor.

Após algum tempo de adoração silenciosa, o sacerdote e os ministros fazem genuflexão e voltam à sacristia.

Em tempo oportuno retiram-se as toalhas do altar e, se possível, as cruzes da igreja. Convém velar as cruzes que não possam ser retiradas.

Os que participam da Missa vespertina não celebram as vésperas.

Os fiéis sejam exortados a adorarem diante do Santíssimo Sacramento, durante algum tempo da noite, segundo a situação e as circunstâncias do lugar. Contudo, após a meia-noite esta adoração seja feita sem nenhuma solenidade.

DOM ANGÉLICO SÂNDALO BERNARDINO, IJS: UMA VIDA PELO REINO

Com profunda tristeza, recebemos a notícia do falecimento de Dom Angélico Sândalo Bernardino, ocorrido na terça-feira, 15 de abril de 2025, às 18h23, na residência do Padre Antônio Leite Barbosa Júnior. A informação foi confirmada pela Diocese de Blumenau e recebida com grande pesar por todos nós. Estávamos unidos em oração por sua saúde, que havia piorado nas últimas horas. Agora, nos unimos em solidariedade aos seus familiares, amigos e fiéis que caminharam com ele ao longo de sua vida e missão episcopal. Que Deus o acolha em sua misericórdia infinita.

Dom Angélico exerceu seu episcopado com dedicação e firmeza na fé, deixando um legado significativo na história da Igreja no Brasil — como bispo auxiliar de São Paulo e como o primeiro bispo da Diocese de Blumenau, desde sua criação em 2000.

Trajetória de Vida e Ministério

Dom Angélico nasceu em Saltinho (SP), no dia 19 de janeiro de 1933, filho de Duílio Bernardino e Catarina Sândalo Bernardino. Foi batizado no dia 19 de março do mesmo ano, na Igreja do Coração de Jesus, por Frei Evaristo de Santa Úrsula, capuchinho.

Estudou Filosofia em São Paulo (bairro Ipiranga), Jornalismo em Ribeirão Preto e Teologia em Viamão (RS). Foi ordenado presbítero no dia 12 de julho de 1959, na Catedral de São Sebastião, em Ribeirão Preto, por Dom Luiz do Amaral Mousinho. Como sacerdote da Arquidiocese de Ribeirão Preto, desempenhou diversas funções: diretor de jornal, coordenador pastoral, assistente de movimentos eclesiais, cura da catedral e formador no seminário de Brodowski (SP).

Foi nomeado Bispo Auxiliar de São Paulo por São Paulo VI, em 12 de dezembro de 1974, sendo ordenado bispo em 25 de janeiro de 1975, na Catedral da Sé, por Dom Paulo Evaristo Arns. Escolheu como lema episcopal: “Deus é Amor”.

Entre 1975 e 1999, exerceu o episcopado na Arquidiocese de São Paulo, onde foi bispo nas regiões Belém, São Miguel Paulista e Brasilândia; presidiu o Regional Sul 1 da CNBB; atuou na Pastoral Operária; dirigiu o jornal “O São Paulo”; e integrou o Conselho Episcopal Pastoral da CNBB.

Em 19 de abril de 2000, foi nomeado pelo Papa São João Paulo II como o primeiro Bispo Diocesano de Blumenau (SC), tomando posse no dia 24 de junho. Participou do Sínodo da América (Vaticano) e das Conferências de Santo Domingo e Aparecida. Também foi responsável nacional pelo Setor Vocações e Ministérios da CNBB, presidente dos Regionais Sul 1 e Sul 4 e membro da Comissão dos Bispos Eméritos. Em 18 de fevereiro de 2009, teve sua renúncia aceita pelo Papa Bento XVI.

Em sua vida religiosa, ingressou no Instituto Paulino de Vida Secular Consagrada Jesus Sacerdote em 2011. Emitiu os votos perpétuos em 13 de agosto de 2016, após um percurso marcado por dispensas e renovações vocacionais especiais, com autorização da Pia Sociedade de São Paulo.

Velório e Sepultamento

O velório teve início na quarta-feira, 16 de abril, às 8h, na Paróquia Nossa Senhora Aparecida, Vila Zat, região da Brasilândia, em São Paulo. Às 15h, foi celebrada a Missa de corpo presente, presidida pelo Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo. Em seguida, o corpo foi trasladado para Blumenau (SC).

Na quinta-feira, 17 de abril, às 14h, foi celebrada a Santa Missa de exéquias na Catedral de Blumenau, seguida do sepultamento na cripta da Catedral, onde Dom Angélico exerceu seu ministério episcopal.

Palavra da CNBB

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio de sua presidência, manifestou profundo pesar pela partida de Dom Angélico:

“Com pesar recebemos a notícia do falecimento deste nosso irmão Dom Angélico Sândalo Bernardino, às portas do Tríduo Pascal. Elevamos a Deus nossa gratidão por sua dedicação e serviços prestados à Igreja e à CNBB. Que este momento litúrgico seja fonte de força e consolo para todos os que sentem sua partida. Acreditando na Ressurreição, desejamos que brilhe para ele a luz eterna.”

— Dom Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre (RS), Presidente da CNBB
— Dom João Justino de Medeiros Silva, Arcebispo de Goiânia (GO), 1º Vice-presidente
— Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa, Arcebispo de Olinda e Recife (PE), 2º Vice-presidente
— Dom Ricardo Hoepers, Bispo Auxiliar de Brasília (DF), Secretário-Geral da CNBB

“Dai-lhe, Senhor, o descanso eterno, e brilhe para ele a vossa luz. Que ele descanse em paz. Amém.”


DOM ANGÉLICO

por Dom Pedro Casaldáliga

Angélico, mas não angelical:
tem a sábia malicia que pede o evangelho.
Sândalo, flor que se cheira, “bonus odor Christi”.
Bernardino, será seguramente por causa de Jesus,
em cujo nome ele aposta a vida.

Paulista de Saltinho,
forjado em Ribeirão Preto,
barriga-verde, em Blumenau,
vermelho sempre o coração imenso.

Jornalista daqueles que sabem decifrar
sinais do Reino em todo acontecido.
Ele fez do “O São Paulo” uma voz militante
e ecumênica.

Tem sido um bom pastor, em pé de Povo,
e um bom profeta contra as ditaduras.
Auxiliar do time glorioso do
São Paulo do Paulo.

Coordenador de pastorais – famílias,
operários, vocações, companheiro dos padres tão queridos,
solidário dos bispos em aperto.
Põe ternura e paixão no ministério e
a pitada de sal nas cerimônias do cargo e da assembleia.
“Traço de união” entre tendências,
reza o seu lema, a maior verdade de todo o evangelho:
“Deus é Amor”.

Angélico, Irmão, muito obrigado por seres como és.
Continua a ser e a aprontar com essa angélica malicia…

Pedroca do Araguaia

do livro: Dom Angélico Sândalo Bernardino, Bispo Profeta dos Pobres e da Justiça (pg.31).

QUARTA-FEIRA DA SEMANA SANTA: O MISTÉRIO DA TRAIÇÃO E A FIDELIDADE DO AMOR

Nesta Quarta-feira da Semana Santa, a liturgia nos convida a mergulhar no coração do mistério da paixão de Cristo. As leituras de hoje traçam um poderoso paralelo entre o sofrimento do justo, a confiança em Deus diante da dor, e a traição vinda de quem está próximo.

1ª Leitura: Isaías 50,4-9a – O Servo Sofredor

No trecho do profeta Isaías, encontramos a figura do Servo Sofredor. Ele é aquele que, mesmo sendo perseguido, insultado e agredido, mantém-se firme na fidelidade a Deus. “Ofereci as costas aos que me batiam e o rosto aos que me arrancavam a barba…” – diz o texto. O Servo não se rebela, não foge. Ele permanece obediente porque confia que Deus é seu auxílio e sua justiça.

Essa imagem antecipa a figura de Jesus, que caminha para a cruz sem resistência, em entrega total ao plano do Pai.

Salmo 68 (69) – O clamor do justo perseguido

O salmista dá voz ao coração ferido do justo. Rejeitado pelos seus, zombado e desprezado, ele se volta a Deus em súplica: “Na tua grande misericórdia, escuta-me, Senhor”. Mesmo na dor, há esperança. Mesmo no abandono, o salmo é um ato de fé. Este lamento expressa a dor de tantos corações humanos que, como o de Cristo, conhecem a rejeição, a solidão e a injustiça.

Evangelho: Mateus 26,14-25 – A traição de Judas

Neste Evangelho, o drama da Paixão ganha um contorno mais sombrio: Judas Iscariotes, um dos Doze, entrega Jesus por trinta moedas de prata. Durante a última ceia, o próprio Jesus anuncia que será traído por alguém do seu convívio mais próximo. É um momento de profunda dor — não apenas pela violência que se aproxima, mas pela ferida da traição vinda de quem caminhou com Ele, ouviu Seus ensinamentos e partilhou da mesma mesa.

“Um de vós vai me trair” (Mt 26,21)

A Ceia, lugar de comunhão e amor, também se torna o palco da revelação. Judas, dominado por suas ambições, não trai Jesus de longe, mas de perto — sentado ao seu lado, partilhando o pão. Esse gesto revela a complexidade do coração humano e sua capacidade de se afastar do bem, mesmo estando tão próximo da verdade.

O Evangelho nos provoca a refletir: quantas vezes, por nossas escolhas e omissões, também traímos o amor de Cristo? Quantas vezes repetimos, como os discípulos: “Senhor, serei eu?”, sem perceber que nossas atitudes já são a resposta?

Mesmo diante da traição, Jesus não se afasta. Ele acolhe, permanece, oferece ao traidor a chance de arrependimento. Seu silêncio é amoroso e cheio de esperança, uma porta ainda aberta para a conversão. Neste tempo que antecede a Páscoa, somos convidados a olhar para dentro de nós. Rever nossos caminhos, purificar as intenções e nos aproximar do Senhor com sinceridade. Que em vez de sermos instrumentos da dor, sejamos sinais de fidelidade. Que, no lugar da dúvida, cultivemos a confiança. “O meu tempo está próximo” (Mt 26,18) — que também se aproxime o nosso tempo de voltar ao essencial e recomeçar com um coração renovado.

Uma reflexão para o nosso caminho

Essas leituras falam diretamente ao nosso coração e à nossa vida. Elas nos convidam a contemplar Jesus, o Servo fiel, que ama até o fim, mesmo diante da traição, do abandono e da violência. Sua resposta não é a fuga, mas a entrega.

Também somos convidados a olhar para dentro de nós:

  • Quantas vezes, como Judas, traímos o amor de Deus por nossos interesses?
  • Será que conseguimos ser fiéis como o Servo de Isaías, mesmo quando sofremos injustamente?
  • Em nossas dores e angústias, conseguimos manter a esperança e rezar com a confiança do salmista?

A Quarta-feira Santa nos prepara para o Tríduo Pascal. É um chamado à conversão sincera, à reflexão sobre nossas escolhas e à confiança em Deus que nunca nos abandona. O silêncio e a mansidão de Jesus não são sinal de fraqueza, mas de um amor mais forte que a morte.

POR QUE JESUS PERMANECE SERENO DIANTE DE TANTA DOR?

Essa é uma pergunta profunda — e essencial para compreendermos não só a paixão de Cristo, mas também o coração da teologia cristã. A serenidade de Jesus diante da dor não é simples resignação ou frieza emocional; é expressão de algo muito mais profundo: a união total da vontade de Jesus com a vontade do Pai.

Vamos explorar isso em alguns pontos teológicos centrais:

✝️ 1. A plena consciência e liberdade de Jesus

Na teologia cristã, especialmente à luz dos Evangelhos e da tradição, Jesus não é uma vítima inconsciente do sofrimento. Ele sabe o que vai acontecer e, mesmo assim, escolhe ir até o fim. “Ninguém tira a minha vida, mas eu a dou por mim mesmo.” (João 10,18)

A serenidade vem do fato de que Jesus age com liberdade total. Ele entrega a própria vida por amor. Seu sofrimento não é um fracasso, mas uma missão abraçada voluntariamente.

🙏 2. A obediência amorosa ao Pai

Em Filipenses 2,8, São Paulo diz que Jesus “humilhou-se, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz”. Aqui está o núcleo da teologia da cruz: Jesus confia plenamente no Pai, mesmo quando tudo parece desabar. Essa confiança gera serenidade.

A serenidade de Jesus nasce da certeza de que o amor do Pai é maior do que qualquer dor. Ele não entende o sofrimento como um fim em si mesmo, mas como parte do caminho de redenção.

💗 3. A solidariedade com o sofrimento humano

Jesus assume o sofrimento do mundo para redimir o ser humano desde dentro. Sua serenidade é também fruto de uma compaixão infinita: Ele carrega a dor de todos nós. É como se dissesse, em silêncio: “Não tenham medo da dor, eu estou aqui com vocês. Eu conheço a vossa cruz.” Ele sofre, mas não se desespera. Sofre, mas não perde o sentido. Sua serenidade é a de quem vê além da dor — vê a glória da ressurreição.

🕊️ 4. A certeza da vitória final

A fé de Jesus no Pai sustenta sua serenidade. Ele sabe que a cruz não é o fim, mas a passagem para a vida plena. A serenidade de Cristo nasce dessa certeza: o amor vencerá. O sofrimento tem um sentido porque está unido à esperança. “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.” (Lucas 23,46) É o grito sereno de quem se entrega por inteiro, sem medo.

🌿 A serenidade de Jesus diante da dor é possível porque:

  • Ele é plenamente livre e consciente;
  • Confia totalmente no amor do Pai;
  • Abraça o sofrimento como missão redentora;
  • Sabe que o amor vencerá, e a cruz se transformará em ressurreição.

A Serenidade de Jesus na Dor: Uma Escola para a Vida Pastoral

À medida que nos aproximamos do coração do mistério pascal, a figura de Jesus, sereno diante da traição, do abandono e da cruz, nos interpela profundamente. Como Ele pode permanecer calmo, sem revolta, sem desespero, mesmo cercado pela dor? Esta pergunta, mais do que teórica, é um chamado à contemplação e à formação interior daqueles que servem à Igreja.

Jesus vive cada instante de sua paixão em profunda comunhão com o Pai. Sua serenidade não vem da ausência de sofrimento, mas de uma certeza interior: “Meu Pai está comigo.”

Para quem atua na pastoral, essa verdade é essencial. O serviço ao Reino muitas vezes nos leva ao desgaste, à frustração e até à solidão. A serenidade de Jesus nos ensina que a paz verdadeira não depende das circunstâncias externas, mas de uma alma alicerçada na oração e na escuta da vontade de Deus.

Formação pastoral começa na intimidade com Deus. A serenidade de Cristo vem também da obediência amorosa. Ele abraça a cruz não por obrigação, mas por amor: amor ao Pai, amor à humanidade. Não se trata de resignação passiva, mas de uma entrega ativa, consciente e cheia de sentido.

Na vida pastoral, também carregamos muitas “cruzes”: incompreensões, limitações, críticas, fadiga. Quando essas cruzes são vividas como oferta de amor, elas não nos esmagam. Ao contrário, nos tornam mais parecidos com o Bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas.

Jesus permanece sereno porque sabe que a cruz não é o fim. Ele vê o que os outros não veem: a luz da ressurreição já despontando no horizonte da dor. Esse olhar de fé é o segredo da paz que não se abala, mesmo em meio à tempestade.

Pastoralmente, é fundamental cultivar esse olhar esperançoso. Diante dos desafios da missão, precisamos aprender com Jesus a discernir o sentido profundo de cada sofrimento, e a confiar que Deus transforma dor em graça, fracasso em fecundidade.

A serenidade de Jesus é um convite claro para quem serve na Igreja:

  • Rezar mais do que fazer. Sem oração, o serviço vira ativismo e cansaço. Com oração, o serviço vira oferta.
  • Confiar mais do que controlar. Quando confiamos que é Deus quem conduz a missão, encontramos paz.
  • Oferecer mais do que reclamar. As dificuldades da pastoral são lugar de santificação, não de murmuração.
  • Esperar mais do que desistir. A semente que morre na terra dará fruto a seu tempo.

A serenidade de Jesus é a serenidade do missionário que sabe por que e para quem vive. Ele sofre, sim, mas não perde o centro. Ele é traído, mas permanece fiel. Ele é rejeitado, mas continua amando.

Que essa paz de Jesus, nascida da oração, da confiança e do amor, seja também a paz de todo agente de pastoral. Que cada um de nós possa, mesmo nas dores do ministério, repetir com Ele: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.”

Que nesta Semana Santa, possamos nos unir ao Cristo fiel e aprender com Ele a caminhar com confiança, mesmo nos momentos mais sombrios.

TERÇA-FEIRA SANTA: ACOMPANHAR JESUS NA LITURGIA

À medida que avançamos, a liturgia da Terça-feira Santa nos convida a mergulhar mais profundamente no mistério da entrega de Jesus. As leituras de hoje revelam, em harmonia, um drama de missão, confiança e traição — e nos chamam a acompanhar o Senhor com o coração atento e fiel.

Em Isaías 49,1-6, ouvimos o chamado do Servo de Deus, escolhido desde o seio materno para ser “luz para as nações”. Ele enfrenta o aparente fracasso de sua missão — “cantei inutilmente, gastei minhas forças sem resultado” —, mas encontra em Deus sua força e recompensa. Esta figura profética se cumpre plenamente em Jesus, que caminha rumo à cruz com fidelidade inabalável, mesmo diante da rejeição e do sofrimento. O texto nos recorda que a verdadeira medida do êxito não está no aplauso do mundo, mas na obediência ao chamado de Deus.

O Salmo 70(71) é a oração de quem confia profundamente, mesmo nas tribulações. “Em vós, Senhor, me refugio” — canta o salmista —, expressando a confiança de quem caminha com Deus desde a juventude. Assim como Jesus que, mesmo traído e abandonado, permanece unido ao Pai, também somos convidados a buscar refúgio em Deus nos momentos de dor, dúvida e solidão.

O Evangelho de João 13,21-33.36-38 nos insere diretamente no clima da Última Ceia. Jesus, profundamente comovido, anuncia a traição de um dos seus. Judas sai da mesa, e João nos diz: “Era noite.” Não apenas no céu, mas também no coração de quem escolhe o caminho da infidelidade. Pedro, por sua vez, promete seguir Jesus até a morte, mas Jesus o adverte: “Tu me negarás três vezes”. As palavras de Jesus não são condenatórias, mas reveladoras da fragilidade humana — e também da misericórdia divina que nunca nos abandona.

Neste dia, a liturgia nos ensina que acompanhar Jesus é mais do que seguir seus passos fisicamente: é partilhar de sua missão, sua entrega, sua fidelidade, mesmo quando tudo parece escuro. É reconhecer que, como Pedro, também podemos falhar, mas somos chamados a recomeçar, com a graça daquele que conhece nossas fraquezas e mesmo assim nos ama.

A Terça-feira Santa nos convida a silenciar, a estar com Jesus na intimidade da Ceia, a olhar para dentro de nós e perguntar: Sou luz ou estou escolhendo a noite? Tenho confiado em Deus ou nas minhas próprias forças? Acompanhar Jesus na liturgia é permitir que essas palavras penetrem o coração e moldem nossa vida.

A Noite como Símbolo da Escuridão Interior

Essa expressão — “Era noite”, presente em João 13,30 — é breve, mas carrega um profundo simbolismo espiritual. No contexto do Evangelho, ela descreve o momento em que Judas sai da Ceia para consumar a traição. Mas, além de indicar o tempo do dia, “noite” aqui tem uma dimensão teológica e espiritual densa, que fala diretamente ao coração dos cristãos.

Na espiritualidade cristã, a noite muitas vezes representa o distanciamento de Deus, a perda de sentido, a confusão, o pecado. Judas não apenas sai fisicamente da presença de Jesus — ele entra espiritualmente na escuridão de suas escolhas. É o momento em que ele fecha o coração à luz, e, ao fazer isso, mergulha na noite mais profunda: a da alma afastada do amor.

“Era noite” — não só do lado de fora, mas dentro dele.

O Caminho Espiritual e a Escolha pela Luz

Para os cristãos, essa frase é um alerta e um convite. Ela nos lembra que o seguimento de Cristo passa por decisões concretas. Toda vez que negamos a verdade, que nos deixamos levar por interesses egoístas, que traímos os valores do Evangelho, também escolhemos a noite. E muitas vezes, essa noite se apresenta de forma sutil: um silêncio conveniente, uma omissão, uma palavra que fere, uma atitude que esfria o amor.

Mas o Evangelho não termina na noite. Jesus, Luz do mundo, enfrenta a noite da traição, do abandono e da cruz, para que nós nunca mais tenhamos que permanecer nela. Ele caminha conosco dentro das nossas noites — e é isso que transforma a escuridão em possibilidade de conversão.

A Noite como Lugar de Escolha e Esperança

Espiritualmente, “era noite” pode ser também o lugar do recomeço. Foi na noite que Pedro prometeu fidelidade e fracassou — mas também foi perdoado. Foi na noite que os discípulos fugiram — mas depois voltaram. A noite pode ser o tempo do erro, mas também pode ser o início de um novo amanhecer, se escolhemos voltar à luz.

“Era noite” é, então, uma frase que provoca o nosso coração:

  • Onde tenho escolhido a escuridão?
  • Que áreas da minha vida precisam ser tocadas pela luz de Cristo?
  • Estou caminhando com Jesus ou saindo às escondidas como Judas?

Na espiritualidade cristã, esta frase nos chama a vigiar o coração, a reconhecer que todos nós somos frágeis como Judas ou Pedro — mas também profundamente amados e chamados à luz.

“Era noite”: quando a humanidade se afasta da Luz

Essa expressão — “Era noite” (Jo 13,30) — quando lida à luz da história da humanidade, ecoa como um diagnóstico doloroso, mas também como um chamado à esperança. Ela não é apenas uma constatação do tempo, mas uma afirmação do estado da alma. Judas sai da presença de Jesus, e a noite cai, como símbolo da escolha pela escuridão. E assim tem sido, tantas vezes, na história humana.

Cada vez que a humanidade escolhe a lógica da guerra em vez do diálogo, a exploração em vez do cuidado, o egoísmo em vez da fraternidade, ela repete esse mesmo gesto de Judas. Sai da Ceia, abandona o lugar da comunhão, do amor partilhado, e mergulha na noite.

A escuridão de conflitos armados, de desigualdades gritantes, de violências contra os mais vulneráveis, e da devastação da criação é, de fato, uma noite espiritual e existencial. É a noite provocada por corações que perderam o rumo da luz, que já não escutam o grito do outro, nem o clamor da terra.

“Era noite” — e ainda é, quando o lucro vale mais do que vidas, quando as bombas falam mais alto que as pontes, quando rios morrem e povos são silenciados.

Mas essa noite não é o fim

O Evangelho de João é profundamente simbólico, e sempre contrapõe luz e trevas. Mas nunca deixa a noite como última palavra. Porque a luz brilha nas trevas, e as trevas não a venceram (Jo 1,5). Mesmo quando a humanidade parece perdida, Deus continua oferecendo sua presença, sua Palavra, sua luz.

Jesus entra na noite, não foge dela. Ele a atravessa — traído, humilhado, crucificado — para redimir a escuridão do mundo com o brilho do amor radical. E esse é o convite para nós: ser pequenas luzes no meio dessa noite global.

Um apelo à consciência e à conversão coletiva

A frase “era noite” também é um espelho que incomoda. Ela nos pergunta:

  • Onde estamos escolhendo a noite como sociedade?
  • Por que ainda naturalizamos a violência, a miséria, a destruição da Terra?
  • Como podemos voltar à mesa da Ceia, onde o amor é servido, e a fraternidade é possível?

A resposta cristã não é o desespero, mas a vigilância ativa, a compaixão comprometida. Somos chamados a ser sentinelas da manhã, aqueles que, mesmo em meio à escuridão, mantêm acesa a chama da esperança.

POR QUE A SEMANA SANTA AINDA IMPORTA EM 2025?

A Semana Santa é o ponto culminante do ano litúrgico da Igreja. Celebrada pelos cristãos do mundo inteiro, ela nos convida a entrar profundamente no mistério central da nossa fé: a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Não se trata apenas de recordar um evento passado, mas de vivê-lo liturgicamente, permitindo que a graça da salvação alcance hoje o nosso coração e transforme a nossa vida.

Cada dia da Semana Santa possui um significado especial. O Domingo de Ramos abre as celebrações, recordando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, acolhido como Rei pelos que dias depois clamariam por sua crucifixão. A liturgia deste dia nos convida a refletir sobre a fragilidade humana e a fidelidade de Cristo.

Na Quinta-feira Santa, a Igreja celebra a instituição da Eucaristia e do sacerdócio, durante a Última Ceia. É também o momento em que Jesus lava os pés dos discípulos, gesto de humildade que nos ensina o caminho do serviço. A celebração se encerra com a transposição simbólica de Jesus ao Horto das Oliveiras, marcando o início de sua Paixão.

A Sexta-feira Santa é o único dia em que não se celebra a Eucaristia. Em silêncio e reverência, os fiéis participam da Celebração da Paixão do Senhor, contemplando a cruz como sinal de amor supremo e redenção. É um dia de jejum, oração e profunda meditação.

O Sábado Santo é marcado pelo silêncio e pela espera. A Igreja permanece em vigília, junto ao túmulo do Senhor, preparando-se para a grande celebração da Vigília Pascal. Na noite do Sábado, a luz do Cristo Ressuscitado rompe as trevas, e a alegria da Ressurreição transforma o luto em júbilo. É a celebração mais importante de todo o ano litúrgico.

Participar da Semana Santa é entrar no coração da fé cristã. É permitir que o amor de Deus, manifestado na Cruz e confirmado na Ressurreição, renove nossa esperança e nos impulsione a viver como discípulos de Cristo no mundo.

Semana Santa

Cronograma da Semana Santa:

📅 Domingo de Ramos da Paixão do Senhor
Evangelho: Mt 21,1-11; Mt 26,14 – 27,66
Jesus é acolhido em Jerusalém como Rei, mas a liturgia já nos conduz ao mistério de sua Paixão.
🕊️ “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor!” (Mt 21,9)

📅 Segunda-feira Santa
Evangelho: Jo 12,1-11
Jesus é ungido em Betânia. Maria reconhece sua dignidade e se antecipa à sua paixão.
🕊️ “Deixa-a, que ela guarde isto para o dia da minha sepultura.” (Jo 12,7)

📅 Terça-feira Santa
Evangelho: Jo 13,21-33.36-38
Jesus anuncia a traição de Judas e a negação de Pedro.
🕊️ “Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes.” (Jo 13,38)

📅 Quarta-feira Santa
Evangelho: Mt 26,14-25
Dia em que Judas Iscariotes trama a traição. Conhecida como a “Quarta-feira das Trevas”.
🕊️ “O Filho do Homem vai morrer, conforme está escrito, mas ai daquele por quem o Filho do Homem é traído!” (Mt 26,24)

📅 Quinta-feira Santa – Ceia do Senhor
Evangelho: Jo 13,1-15
Celebramos a instituição da Eucaristia e do sacerdócio ministerial. Jesus lava os pés dos discípulos, ensinando-nos o amor-serviço.
🕊️ “Eu vos dei o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz a vós.” (Jo 13,15)

📅 Sexta-feira Santa – Paixão do Senhor
Evangelho: Jo 18,1 – 19,42
Dia de jejum, silêncio e veneração da Cruz. A Igreja contempla com reverência o mistério da Cruz de Cristo.
🕊️ “Tudo está consumado.” (Jo 19,30)

📅 Sábado Santo – Vigília Pascal
No silêncio do túmulo, a Igreja espera a Ressurreição. À noite, celebra-se a Vigília Pascal, a “mãe de todas as vigílias”.
🕊️ “Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24,5)

📅 Domingo de Páscoa – Ressurreição do Senhor
Evangelho: Jo 20,1-9
Cristo ressuscitou! A vida venceu a morte, e a esperança renasce no coração dos fiéis.
🕊️ “Ele viu e acreditou.” (Jo 20,8)

Semana Santa: Um Convite à Conversão Profunda

Participar da Semana Santa é mais do que acompanhar rituais religiosos. É permitir que o amor de Deus, manifestado na Cruz e confirmado na Ressurreição, transforme o nosso modo de viver. Como diz São Paulo: “Se com Cristo morremos, com Ele também viveremos.” (Rm 6,8)

A Semana Santa não é apenas uma sucessão de ritos sagrados. Ela é, acima de tudo, um espelho que confronta o nosso interior, uma travessia espiritual que nos convida à conversão – não como um dever moral imposto de fora, mas como um movimento íntimo, necessário e transformador.

Liturgia que nos atravessa

A cada dia da Semana Santa, a liturgia da Igreja nos conduz por cenas profundamente humanas: a aclamação entusiasmada que se transforma em rejeição, a traição que nasce no meio dos amigos, o silêncio de Deus diante do sofrimento inocente, o medo da perda, a fuga dos discípulos, o abandono, o luto… e, enfim, a vida que ressurge quando parecia já não haver saída.

Esses momentos não são apenas memórias do passado. Eles são vividos aqui e agora, em nós. A liturgia nos envolve para que passemos, com Cristo, por esses desertos interiores. Como escreveu Santo Agostinho: “Cristo sofreu por nós para que aprendêssemos a sofrer n’Ele.”

Conversão como travessia

Na teologia cristã, conversão (do latim conversio) significa mudança de direção, retorno a Deus, reencontro com a Verdade. Mas essa virada não é apenas racional. É existencial. A cruz que contemplamos não está apenas sobre o altar: ela revela também nossas contradições, nossas feridas, nossas negações internas.

Ao olhar para Cristo que sofre calado, somos convidados a reconhecer aquilo que em nós resiste ao amor, se fecha ao perdão, se esconde da verdade. A conversão, então, não é medo do castigo, mas coragem de encarar a própria sombra, à luz daquele que tudo redime.

Caminho do autoconhecimento

Sob uma perspectiva psicanalítica, poderíamos dizer que a Semana Santa nos obriga a sair das defesas do ego e nos deparar com conteúdos reprimidos – traições internas, impulsos de fuga, desejos ambivalentes, perdas não elaboradas. Judas, Pedro, Pilatos, Maria, Simão de Cirene… todos representam partes de nós.

A paixão de Cristo é um roteiro profundamente humano. É ali que percebemos como o inconsciente atua nos grandes dilemas: entre amor e medo, entre entrega e controle, entre confiança e autossabotagem. Converter-se, portanto, é também integrar, reconhecer o que em nós precisa ser reconciliado.

A cruz como lugar de reconciliação

No ponto culminante da Semana Santa — a Cruz — não vemos apenas o sofrimento de um inocente, mas um gesto absoluto de amor e reconciliação. Cristo, ao entregar-se livremente, cura a ruptura entre Deus e a humanidade. E, ao fazê-lo, nos convida a reconciliar também as rupturas dentro de nós: com o outro, com o passado, com Deus, e com aquilo que somos de verdade.

🕊️ “Ele foi ferido por causa de nossas transgressões, esmagado por causa de nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele.” (Is 53,5)

Por que a Semana Santa é um convite à conversão?

Porque ela nos tira da superficialidade.
Porque nos confronta com o essencial.
Porque nos revela que a mudança não é só possível — é necessária.
Porque nos lembra que a morte, quando vivida com amor, gera vida nova.
E porque, ao final da dor, sempre há ressurreição.

Que esta semana sagrada seja vivida com fé, silêncio interior e espírito de conversão, abrindo nosso coração para o grande dom da vida nova em Cristo.


REFERÊNCIAS:

BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 2. ed. Brasília: Edições CNBB, 2008.

RATZINGER, Joseph (Papa Bento XVI). Introdução ao Cristianismo. São Paulo: Loyola, 2005.

RATZINGER, Joseph. O espírito da liturgia. São Paulo: Loyola, 2001.

REVISTA DE LITURGIA. Semana Santa: Paixão e Ressurreição do Senhor. Ano 38, n. 152, mar./abr. 2007. São Paulo: Pias Discípulas do Divino Mestre.

REVISTA DE LITURGIA. Abrir a porta ao mistério e acender as luzes da fé. São Paulo: Pias Discípulas do Divino Mestre, n. 308, mar./abr. 2025.

REVISTA DE LITURGIA. Do livro à Palavra. São Paulo: Pias Discípulas do Divino Mestre, n. 307, jan./fev. 2025.

REVISTA DE LITURGIA. Oração, Missal Romano e experiência de Deus. São Paulo: Pias Discípulas do Divino Mestre, n. 306, nov./dez. 2024.

REVISTA DE LITURGIA. Semana Santa: Paixão e Ressurreição do Senhor. São Paulo: Pias Discípulas do Divino Mestre, n. 152, mar./abr. 2007.

AUGUSTINUS, Aurelius. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos. São Paulo: Paulus, 1999.

FREUD, Sigmund. O ego e o id. Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

JUNG, Carl Gustav. A psicologia da transferência. Petrópolis: Vozes, 2013.

KÜNG, Hans. Ser Cristão. São Paulo: Verus, 2005.

RETIRO MENSAL – 5º DOMINGO DA QUARESMA – ANO C

Abril de 2025Secretariado da Espiritualidade PDDM

Todo o primeiro domingo do mês, como família religiosa, fazemos o retiro mensal com os textos bíblicos do domingo. Este primeiro domingo do mês de abril, celebramos o 5º Domingo da Quaresma – Ano C. Abaixo o roteiro para a vivência deste retiro mensal.


🕊️ ROTEIRO DO RETIRO

1. Ambiente de Oração
Prepare com carinho o espaço onde será realizado o retiro: uma mesa com toalha, a Bíblia ou o Lecionário, uma vela acesa ao centro, cadeiras dispostas em círculo. Cuide para que todas as pessoas tenham um lugar acolhedor. Inicie acendendo a vela, sinal da presença de Cristo, luz do mundo.

2. Refrão meditativo
“Misericordioso é Deus, sempre, sempre o cantarei.”
Melodia: https://www.youtube.com/watch?v=fIsINtmGu-I

3. Invocação ao Espírito Santo
Peça a presença do Espírito que ilumina, consola e conduz. Pode-se usar uma oração espontânea ou conhecida.

4. Leitura dos Textos Bíblicos do Dia

  • Evangelho: Jo 8,1-11
  • 1ª Leitura: Is 43,16-21
  • Salmo: Sl 125
  • 2ª Leitura: Fl 3,8-14

✨ APROFUNDAMENTO DOS TEXTOS

📖 Evangelho – João 8,1-11
“Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra.”

Neste 5º Domingo da Quaresma, o Evangelho segundo João nos convida a mergulhar na misericórdia de Deus, que não se resume a leis ou julgamentos, mas se manifesta como oportunidade de recomeço e salvação.

A narrativa se passa entre o Monte das Oliveiras e o templo de Jerusalém. O monte representa o lugar da intimidade de Jesus com o Pai, onde Ele assume com coragem o projeto divino de levar as pessoas à vida plena – um caminho que passa pela cruz e culmina na ressurreição. Já o templo, símbolo do poder religioso da época, torna-se o cenário onde Jesus será confrontado pelas autoridades que resistem à novidade do Reino.

Logo ao amanhecer, Jesus está no templo ensinando. Ele é como um novo sol, cuja luz dissipa as trevas da opressão e ilumina o caminho da verdadeira libertação. Nesse momento, escribas e fariseus trazem até Ele uma mulher acusada de adultério. Com a intenção de armá-lo, confrontam-no com a Lei de Moisés, que ordenava o apedrejamento. Se Jesus optasse por seguir a Lei, contrariaria as leis romanas. Se poupasse a mulher, seria acusado de desrespeitar a Tradição.

Com sabedoria divina, Jesus devolve a responsabilidade à consciência dos acusadores:
“Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra.” Diante dessa provocação, um a um se retiram, conscientes de que também carregam suas culpas. Aqueles que se colocavam como juízes reconhecem, em silêncio, sua fragilidade.

Fica então apenas Jesus e a mulher. Ele, o único sem pecado, não a condena, mas oferece a ela uma nova chance: “Eu também não te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais.”

Neste gesto, Jesus revela o coração do Pai: um Deus que não julga para excluir, mas que acolhe para transformar. Como nos lembra o Evangelho de João (3,17), “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por Ele.”

Essa passagem nos desafia a abandonar o julgamento e a abrir espaço para a misericórdia. Jesus não elimina o mal punindo o pecador, mas oferecendo-lhe a possibilidade de uma vida nova. Assim também somos chamados: a sermos portadores de esperança e instrumentos da compaixão de Deus.

📖 1ª Leitura – Isaías 43,16-21
“Eis que farei coisas novas e as darei ao meu povo.”

Neste trecho do profeta Isaías, ouvimos uma poderosa mensagem de esperança e renovação. O profeta, porta-voz de Deus, dirige-se a um povo aflito, prestes a enfrentar o exílio. Suas palavras são como um bálsamo, alimentando a fé e renovando a confiança em um Deus que não abandona os seus, mesmo nos tempos de maior penúria.

Isaías relembra a travessia do Mar Vermelho — evento marcante da libertação do Egito — para reacender a memória do poder libertador de Deus. A saída da escravidão em direção à liberdade não é apenas um fato histórico, mas um sinal permanente de que Deus é aquele que transforma a dor em caminho, e a opressão em oportunidade de vida nova. É um convite para levantar os olhos e confiar novamente na ação divina.

No entanto, o profeta também alerta: não fiquem presos ao passado, às dores e mágoas. Deus está fazendo algo novo: “Eis que faço novas todas as coisas.” Essa promessa aponta para uma transformação profunda, onde até o deserto se torna lugar de vida. Deus abrirá caminhos onde antes só havia solidão, e fará brotar águas vivas, símbolo da renovação e da aliança.

A imagem da água no deserto nos remete aos antigos encontros matrimoniais dos patriarcas junto aos poços – lugares onde se formavam alianças e nasciam histórias de amor. Assim também é a relação entre Deus e seu povo: uma união profunda e fiel, comparável ao casamento, marcada pela fidelidade e fecundidade.

Essa nova realidade se estenderá a toda a criação. Homens, mulheres e até os animais se alegrarão com a abundância que Deus fará jorrar. A terra será fecundada, e todos louvarão ao Deus da providência, que salva seu povo da aridez e o conduz a uma vida plena.

📖 2ª Leitura – Filipenses 3,8-14
“Por causa de Cristo, eu perdi tudo, tornando-me semelhante a Ele em sua morte.”

Nesta carta apaixonada, escrita provavelmente durante sua prisão em Roma (por volta dos anos 61-62 d.C.), o apóstolo Paulo revela o centro de sua fé: tudo em sua vida perdeu valor diante da grandeza de conhecer e seguir Jesus Cristo.

Para Paulo, seguir Cristo não é apenas uma escolha de fé, mas uma entrega total. Ele abre mão de tudo – status, segurança, prestígio e até da própria liberdade – porque encontrou em Cristo o verdadeiro sentido da vida. Seu maior desejo é ser encontrado n’Ele, unir-se plenamente à sua paixão, morte e ressurreição.

Paulo compreende a justiça não como mérito conquistado por leis ou tradições, mas como dom gratuito de Deus, alcançado pela fé. Conhecer Cristo, para ele, é experimentar o mistério pascal na própria vida: compartilhar os sofrimentos, suportar as provações e, com esperança firme, caminhar em direção à ressurreição.

Mesmo com toda sua vivência espiritual, Paulo reconhece que ainda não chegou à meta. Mas ele se sente impulsionado pelo chamado de Deus, como um atleta que corre decidido rumo ao prêmio final. Com coragem e humildade, afirma: “Não que eu já tenha alcançado tudo… mas continuo correndo para conquistar, porque já fui conquistado por Cristo Jesus.”

Essa imagem da corrida espiritual revela um apóstolo incansável, cheio de fé e esperança. Paulo não se vangloria de suas conquistas passadas, mas vive com os olhos voltados para o futuro – para o céu, onde deseja se unir plenamente a Cristo.

Seu testemunho nos inspira a também corrermos com perseverança, deixando para trás o que nos prende, e abraçando a vida nova em Cristo. Paulo é modelo de fé viva, configurada ao Senhor, e nos convida a trilhar esse mesmo caminho de entrega, paixão e esperança.


🙏 CONCLUSÃO DO RETIRO

6. Retomar o refrão meditativo:
“Misericordioso é Deus, sempre, sempre o cantarei.”
Melodia: https://www.youtube.com/watch?v=fIsINtmGu-I

7. Partilha dos frutos da oração
Momento de escuta fraterna. Cada participante, se desejar, pode partilhar o que a Palavra de Deus tocou em seu coração.

Se você realiza este momento sozinho(a), na partilha anote os frutos da sua oração. Quando puder, partilhe com seu amigo/amiga mais próximo.

Concluir este momento cantando ou rezando o salmo da liturgia do dia: Salmo 125
Melodia: https://www.youtube.com/watch?v=sBN4U20v9Rw

8. Oração Final

  • Rezar juntos o Pai Nosso
  • Rezar a oração do dia
  • Concluir com a bênção final, agradecendo a Deus pelo encontro e pela graça de vivê-lo em comunidade.

Que este retiro fortaleça sua caminhada quaresmal e o ajude a viver mais profundamente a misericórdia, a conversão e a esperança que a Páscoa nos traz. Eis que faço novas todas as coisas” (Is 43,19)

Abaixo, o roteiro em PDF, numa versão mais ampliada:

📍 Acompanhe a Catequese Litúrgica do 5° Domingo da Quaresma.
Texto: Ir. Cidinha Batista, pddm
Voz e Edição: Ir. Neideane Monteiro, pddm
Irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre

ALBERIONE E A LITURGIA

Por Ir. Ana Mazzurana, pddm

 A Liturgia é o Cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, é a fonte donde emana toda a sua força, assim declarou o Concílio na Constituição sobre a Liturgia (SC 10). Para Alberione, esta afirmação calou fundo e veio confirmar sua intuição  de que a  liturgia devia ser  o caminho natural do seguimento de Jesus Cristo no decorrer do Ano Litúrgico.[1]

A formação litúrgica e a atividade apostólica de pe. Alberione a serviço da liturgia têm uma história: leu livros e revistas de liturgia; seguiu a indicações de Pio X para o ensino da liturgia, ao dar aula no seminário; foi cerimoniário do Bispo, com a incumbência de preparar o livro das cerimônias; deu aula de arte sacra e, sobretudo, sempre deu preferência à oração da Igreja e com a Igreja (AD, 71-77).

Cita com muita freqüência o ora et labora da Regra Beneditina eescolheu como data de fundação das Discípulas, 10 de fevereiro, data em que a Igreja faz memória Santa Escolástica, irmã de São Bento. Ele escreve: “Para vocês este dia é muito importante porque lembra o aniversário do seu nascimento.(…) Na comemoração de  Santa Escolástica, recordem a função litúrgica que tiveram os beneditinos e as beneditinas. Portanto, grande estima por tudo o que se refere à liturgia. Não fiquem no exterior, mas penetrem o íntimo da liturgia, façam  algo a mais, diferente para alcançar o verdadeiro apostolado: levar todos à Eucaristia!”[2]

Ter participado do Concílio foi para Alberione, já maduro nos anos, uma confirmação de sua missão de  comunicador do Evangelho com os meios da comunicação social  e um reconhecimento da sua espiritualidade centralizada no Mistério de Cristo, celebrado na Liturgia.

Alberione, em sua  catequese e ação pastoral, sempre procurava formar as pessoas e comunidades  à luz da liturgia. Nas homilias que fazia, referia-se não somente às leituras do dia, mas também  às orações e prefácio. Ele mesmo escreve, falando de si mesmo na terceira pessoa do singular escreve: “…era preciso explicar o evangelho nas missas,  era o que  fazia aos domingos, na catedral. Esse costume se introduziu depois em muitas paróquias…” “sentia sempre mais o gosto de rezar a oração da Igreja”.[3]

A partir dessa sua experiência, convidava a Família Paulina  a aprender dos santos padres e a fazer da liturgia uma escola de fé: “Os santos padres ajudavam a viver a liturgia, que é uma escola de fé e de oração… Seguindo a liturgia é possível elevar os corações dos irmãos ao Senhor, pois a liturgia não é só uma comemoração de fatos, mas celebração da vida, da vida de Cristo”.[4]

Tinha também uma grande preocupação com o estudo da liturgia e não medida esforços para incentivar o estudo e o cultivo da espiritualidade litúrgica: “É necessário estudar, meditar e difundir a Bíblia,… para conhecer a fonte de onde a Igreja atinge a doutrina e para alimentar nossa espiritualidade…estudar os livros litúrgicos, não só como cultura, mas como fonte de meditação e possibilidade de celebrar com inteligência e com sentimento de quem se apropria do próprio sentimento da Igreja quando celebrar a liturgia”.[5] Alberione desejava que todos, ao celebrar, pudessem “sentir a beleza da Liturgia“.

 Estudo, para Alberione, era também sabedoria da fidelidade dinâmica “precisamos seguir as leis litúrgicas, mas sempre é possível melhorá-las. Observá-las, na medida do possível, com perfeição. Mas acima de tudo interpretar o sentido das funções, o sentido das palavras”.

A Espiritualidade do Ano Litúrgico

Alberione participava ativamente do desenrolar-se do Ano Litúrgico e deixou-se tocar pelo espírito desta dinâmica. De fato, fez do Ano Litúrgico seu itinerário natural no seguimento de Jesus. Vivenciava profundamente a espiritualidade própria de cada tempo, de cada domingo, e não media esforços para formar as comunidades na espiritualidade, centralizada na Palavra de Deus, seguindo o próprio do tempo litúrgico.

Alberione, porém, não tinha a preocupação de escrever sobre o Ano Litúrgico ou a liturgia. Na verdade, ele não foi um teórico da liturgia, no sentido estrito da palavra, e sim um especialista na vivência do Mistério de Cristo celebrado na liturgia. Por isso seu jeito familiar e simples de expressar a profundidade do Mistério celebrado no diferentes tempos litúrgicos:

 “Os ciclos litúrgicos são contemplados a partir de três vertentes: preparação, celebração e frutos. O Advento é um tempo com uma característica  alegre: a espera do Messias e a grande alegria de recebê-lo: Deus conosco, o Redentor, o Salvador que vem para realizar todas as promessas. Por isso, podemos dizer que é um tempo feliz, enquanto a Quaresma é mais penitencial, tem um caráter de sobriedade, é um tempo de preparação de toda a Igreja para ajudar-nos a fazer da Páscoa, da Ressurreição de Jesus, a celebração central do grande Mistério da nossa, fé”.[6]

O Ano Litúrgico era entendido por Alberione como uma grande unidade sem a qual seria impossível perceber a totalidade do Mistério de Cristo: “O Filho de Deus assumiu um corpo, fez-se homem e morreu por nós. Preparar a Páscoa é lembrar que no Natal recebemos do céu o Filho de Deus feito homem. Nós contemplamos Jesus em Belém, no presépio. Na Páscoa vemos Jesus que se imola, fazendo-se dom e entrega de si mesmo a nós”.

Já em 1939 ele falava da dinâmica do Ano Litúrgico, entendida como um processo em espiral: “O Ano Litúrgico, com suas festas, è ordenado a três fins: conhecer Jesus; imitar Jesus; viver Jesus… O Ano Litúrgico é como o caminho que sobe uma montanha de forma circular. O viajante que a percorre se encontra a cada volta num ponto paralelo à aquele da partida, mas sempre mais no alto, até atingir o cume que é a posse do Reino”.[7]

Como instrumento de ajuda na vivencia deste itinerário, Alberione deixou algumas pistas:

“É útil ler alguns comentários que possam ajudar a entender melhor e a acolher os ensinamentos que brotam do Evangelho. Portanto, ler o Evangelho, o catecismo, os livros litúrgicos, e perguntar-nos: como Jesus viveu?  como realizou a vontade do Pai? E nós o  que estamos buscando? Procuramos a Deus como Jesus?. Amar a Palavra de Deus, desejar compreender o sentido da Palavra dita por Jesus. Olhar como Jesus fazia, pensar na sua Palavra e ao mesmo tempo senti-la e praticá-la. Este é o caminho para conhecermos melhor nosso Mestre”.  (Quaresma 1960).

Como celebrar

Alberione foi um homem atento ao Divino e ao humano. Sua preocupação era formar pessoas capazes de totalidade, mente, vontade, coração. Queria pessoas abertas e sensíveis à história, à cultura, à vida. Pessoas livres e participantes do desenrolar da história. Certamente este seu lado humano o ajudou a perceber a importância de preparar  uma celebração, que  cuidasse do espaço, da beleza, que respeitasse a comunidade celebrante,  a cultura, o tempo litúrgico, que tudo favorecesse a celebração do mistério pascal de Cristo: “Estamos na semana santa, é necessário saber explicar (ao povo), por exemplo, porque se cobre o crucifixo ou porque se usa a cor roxa,  porque existe a Páscoa, a festa de Pentecostes ou  Natal, ou ainda, porque a Igreja celebra a festa dos santos, as festas  de Nossa Senhora. Saber explicar tudo para adquirir o verdadeiro espírito da liturgia, mesmo as pequenas coisas, como o cuidado com o altar, a limpeza do espaço, as velas, as vestes. Sobretudo na semana santa preocupar-se para que todos os fiéis se acomodem e se sintam bem confortáveis no espaço litúrgico, assim poderão participar com inteligência, e coração das celebrações litúrgicas”.

O Concílio  lembra exatamente a importância desta participação plena, consciente e ativa, exigida pela própria natureza da liturgia e pelo direito que o povo tem por força do seu batismo (SC 14). “A Liturgia é como um rio  que atravessa todo o Ano: um rio de graças, de luz, de bênçãos”.

Alberione e o Concílio

Alberione seguiu atentamente a evolução do movimento litúrgico e dele falava às Irmãs Pias Discípulas, como fez por exemplo, em 1963, a respeito da Sacrosanctum Concilium, sobre a liturgia, a primeira Constituição aprovada pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, votada também pelo pe. Alberione.

Já antes, em outubro de 1962,  portanto, durante Concílio Alberione fala às Pias Discípulas sobre suas preocupações com a reforma litúrgica: “Que o Espírito Santo derrame a suas luzes sobre todos os padres conciliares, a fim de que seja considerado apenas aquilo que melhor apresente o culto e melhor glorifique a Deus, sobretudo o que se refere à Eucaristia… se é preciso rever os livros litúrgicos – Breviário, Missal, Ritual Pontifical – também para isso precisa-se da luz de Deus, sempre na busca de compreender a mentalidade e as necessidade de hoje…é preciso caminhar, isto é, deve-se rodar segundo o desenvolvimento dos tempos…O Concílio Vaticano II vem cumprir a sua missão, que é necessária no momento atual da história e da história da Igreja. Por isso, é preciso colaborar com tudo o que se refira à liturgia, ao centro da liturgia; a Eucaristia”.

E dado que a renovação litúrgica não é só reforma do ritos, mas também a retomada de um novo contato vivo com a Bíblia, Palavra de Deus. Junto com o movimento litúrgico deve ser estudado também o movimento bíblico. Da Bíblia, de fato, é que nasce a compreensão da liturgia. Participante ativo deste movimento eclesial, pe. Alberione rezou, pregou e trabalhou muito para a compreensão e divulgação da Bíblia, e do Evangelho. O binômio Bíblia – Liturgia era, para ele, essencial, como o recorda o próprio Alberione em 1965: “essa contínua descristianização da vida, da arte, do pensamento, deve-se à falta do oxigênio litúrgico-bíblico, que durante séculos sustentou a vida do povo. Do fenômeno da separação entre liturgia e Bíblia resultaram consequências como: a grande massa não entendia mais a Missa, os sacramentos, a funções… A pregação, distante da bíblia, não era mais sentida como Palavra de Deus, e sim um raciocínio humano. A liturgia é a sacramentalidade da Bíblia…, segue-se a necessidade da Bíblia para o povo; do contrário, para o povo a liturgia nada diz, e por isso deixa de louvar a Deus e não faz uma prece consciente”

De fato, uma nova pedagogia espiritual nasceu a partir do Concilio para o crescimento, em Cristo, do povo cristão, chamado a entrar no mistério da salvação.

Em 1963 Alberione, em pleno Concílio, Alberione lembrava às Pias Discipulas: “ Rezai para que os padres conciliares sejam iluminados e todos compreendam o que é essencial na liturgia, não somente na parte técnica, mas sobretudo o espírito, o que constitui a vida. A liturgia tem um corpo esterno, mas este corpo deve ter uma alma, e a alma é o espírito”.[8]

O caminho percorrido por pe. Alberione

Na igreja do Brasil, Alberione é conhecido como o homem que dedicou toda a sua vida ao anúncio do Evangelho através da comunicação social.  Alberione, ainda jovem, intuiu  que os meios da comunicação  formariam a cultura do novo século (1900) e  dos séculos  futuros,  e consequentemente que também a Igreja, já não poderia mais evangelizar sem contar com a ajuda destes meios e das novas técnicas que haveriam de surgir. Assim dizia Alberione nos anos 50: “A imprensa, o cinema, o rádio e a televisão, constituem hoje os mais urgentes, rápidos e eficazes meios para a missão evangelizadora. Com essas técnicas, deve-se comunicar às pessoas a mensagem do Evangelho e tudo o que é bom, verdadeiro e útil”.

Mas Pe. Alberione foi também o homem da universalidade e da intimidade com Deus: “é preciso ter no coração todos os povos e fazer com que em todos os problemas, se sinta a presença da Igreja”. Seus olhos de apóstolo estavam fixos no Cristo do Evangelho, o Mestre Caminho, Verdade e Vida da humanidade. A Bíblia, a Eucaristia, a Igreja, o ecumenismo, o mundo moderno, a necessidade de novos apóstolos povoavam sua mente e fizeram dele  um grande místico, ativo e inquieto. Sua espiritualidade era alimentada nas fontes das águas puras da liturgia. Talvez esta última característica seja a menos conhecida na vida de Alberione, e com este artigo queremos  tornar conhecido um pouco do coração litúrgico deste homem do nosso tempo.


[1] Sobre a contribuição dada pelo pe. Alberione ao movimento litúrgico, há a tese de doutorado em Sagrada Liturgia da primeira mulher doutora, pelo Instituto de Santo Anselmo, em Roma. Trata-se da Pia Discípula Agnes Abayan Tapang – Giacomo Alberione – 1884-1971 – and the liturgical movement, Roma, 1988.

[2] Tiago Alberione, Opera omnia, Alle Pie Discepole Del Divin Maestro (=APD)(1946/47)98, 138-141

[3] Tiago Alberione, opera omnia, Abundantes Divitae Gratiae suae, Ed. Paulus, Roma (2000)nº 72. 140

[4] Alberione, Giacomo, Opera Omnia, 2 “Mihi vivere Christus est.”, Roma,  (1971), p.98

[5] Opera Omnia APD – 1960, p. 182

[6] Opera Omnia APD 1961, p.27

[7] Citado no livro Vade-mecum, nº 755,  St Paul publications, Roma 1989.

[8]  Tiago Alberione, APD, nº 340, 1963