ANJO: PRESENÇA DE DEUS QUE NOS PROTEGE E GUIA

Nesta quinta-feira, 2 de outubro de 2025, a Igreja celebra a memória dos Santos Anjos da Guarda, inserida na 26ª Semana do Tempo Comum. A liturgia nos convida a mergulhar no Evangelho segundo São Mateus (Mt 18,1-5.10), em que Jesus coloca uma criança no centro da assembleia dos discípulos e ensina sobre a humildade necessária para entrar no Reino dos Céus.

O capítulo 18 de São Mateus é conhecido como o “discurso comunitário”. Nele, Jesus ensina aos discípulos como deve ser a vida daqueles que vivem reunidos em seu nome: marcada pela humildade, pelo cuidado mútuo, pela reconciliação e pelo perdão.

A cena começa com uma pergunta que revela certa incompreensão dos discípulos: “Quem é o maior no Reino dos Céus?” (Mt 18,1). A lógica dos homens está sempre ligada ao poder, à grandeza e à hierarquia. Jesus, no entanto, subverte essa mentalidade ao colocar uma criança no meio deles.

No tempo de Jesus, a criança não tinha prestígio algum: era símbolo de pequenez, dependência e fragilidade. Ao apontá-la como modelo, o Mestre ensina que o verdadeiro discípulo é aquele que se coloca diante de Deus como um pequeno, consciente de que nada possui de si mesmo, mas tudo recebe como dom.

O gesto é profundamente simbólico. A criança, na sociedade do século I, não tinha direitos, nem importância social ou religiosa. Era sinal de dependência, fragilidade e necessidade de proteção. Jesus não exalta a inocência ou a pureza da criança, mas sua pequenez e sua total confiança no adulto. Ao colocar a criança no meio, Ele muda a lógica da comunidade: no centro não está o poderoso, mas o pequeno.

No versículo 3, lemos: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus”. A conversão aqui é dupla: intelectual porque nos propõe mudar a forma de pensar, deixar a mentalidade de grandeza. E também uma conversão existencial, pois nos impele a adotar a atitude de dependência confiante diante de Deus. Jesus não pede apenas “imitar as crianças”, mas “tornar-se” criança, isto é, assumir uma postura contínua de humildade e simplicidade.

“Quem se faz pequeno como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus” (Mt 18, 4): no Reino de Deus, não é a força que garante posição, mas a humildade. A “pequenez” não é passividade, mas atitude ativa de quem se coloca nas mãos de Deus.

Não se trata apenas de tornar-se pequeno, mas também de acolher os pequenos. Receber uma criança (ou qualquer pessoa marginalizada, frágil, dependente) equivale a receber o próprio Cristo. Esse ensinamento ecoa Mt 25,40: “todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes”.

Em Mt 18, 10: “Não desprezeis nenhum desses pequeninos, pois eu vos digo: os seus anjos nos céus veem continuamente a face de meu Pai que está nos céus”, ele reforça a dignidade dos pequenos. O motivo pelo qual ninguém deve ser desprezado é teológico: eles têm anjos que contemplam a face de Deus. Isso significa que, mesmo os mais fracos e sem importância aos olhos do mundo, são infinitamente preciosos aos olhos do Pai. Aqui aparece a base bíblica da doutrina dos anjos da guarda.

E é justamente após esse ensinamento que vem a referência aos anjos: aqueles que assistem os pequenos e que continuamente contemplam a face do Pai. Jesus declara, portanto, que cada pequenino tem diante de Deus uma dignidade infinita e uma proteção especial.

A palavra “anjo” vem do grego angelos, que significa “mensageiro”. Os anjos são criaturas espirituais, puramente imateriais, criados por Deus para O servir e adorar. Ao mesmo tempo, exercem uma missão em relação aos homens, acompanhando-os no caminho da salvação.

O Catecismo da Igreja Católica nos ensina:

  • “A existência dos seres espirituais, não corporais, que a Sagrada Escritura habitualmente chama de anjos, é uma verdade de fé” (CIC 328).
  • “Do seu começo até à morte, a vida humana é cercada pela sua proteção e intercessão” (CIC 336).

Na liturgia de hoje, celebramos de modo particular os Anjos da Guarda, ou seja, essa presença espiritual personalizada que acompanha cada ser humano. A Tradição da Igreja vê nesse cuidado divino uma expressão concreta do amor de Deus: Ele não nos abandona, mas coloca ao nosso lado um companheiro invisível que nos guia, nos inspira ao bem, nos protege do mal e nos conduz em direção à vida eterna.

Embora a expressão “Anjo da Guarda” não apareça de forma literal na Bíblia, encontramos diversos textos que confirmam sua missão protetora:

  1. Êxodo 23,20-23 – Primeira leitura da liturgia de hoje. Deus promete enviar um anjo à frente do povo, para guardá-lo e conduzi-lo à Terra Prometida. Aqui já se vê o anjo como presença concreta da providência divina.
  2. Salmo 90(91),10-11 – “Ele dará ordem a seus anjos para que te guardem em todos os teus caminhos.” Esse salmo é uma das expressões mais claras da confiança na proteção angelical.
  3. Mateus 18,10 – Evangelho de hoje: Jesus afirma que os anjos dos pequeninos veem continuamente a face do Pai. Isso revela, por um lado, a comunhão íntima que esses seres celestes têm com Deus, e por outro, a dignidade das pessoas que eles protegem.
  4. Atos 12,6-11 – O anjo que liberta Pedro da prisão. Aqui aparece a ação direta de um anjo guardando e conduzindo um apóstolo em perigo.

Esses textos mostram que os anjos são presença real e atuante na história da salvação, sempre a serviço da glória de Deus e do bem das criaturas humanas.

Desde os primeiros séculos, a Igreja reconhece a missão dos anjos na vida dos fiéis. Padres da Igreja como São Basílio Magno já afirmavam: “Cada fiel tem ao seu lado um anjo como protetor e pastor, para conduzi-lo à vida”.

Na Idade Média, São Bernardo de Claraval fez um famoso sermão sobre os anjos da guarda, no qual recorda que devemos honrá-los com respeito, confiar neles com devoção e amá-los com ternura.

A devoção popular aos anjos da guarda floresceu ao longo dos séculos, sendo confirmada na liturgia. Em 1608, o Papa Paulo V estendeu a festa dos Santos Anjos da Guarda a toda a Igreja, e hoje ela é celebrada como memória obrigatória no calendário romano.

Atualizando para nossa vida

Celebrar os Santos Anjos da Guarda é renovar nossa confiança na providência divina. Num mundo onde tantas vezes nos sentimos sozinhos, desprotegidos e vulneráveis, lembrar que Deus nos concede um anjo particular é motivo de esperança.

Ao mesmo tempo, o Evangelho de hoje nos pede que aprendamos das crianças a simplicidade e a humildade, para reconhecermos nossa dependência de Deus. Só quem se faz pequeno percebe a presença delicada dos anjos e se deixa conduzir por eles.

Portanto, a liturgia de hoje une dois grandes ensinamentos:

  • Do Evangelho: a necessidade da humildade e do cuidado com os pequeninos.
  • Da memória litúrgica: a certeza de que Deus nos acompanha de modo invisível por meio dos seus anjos.

O Anjo da Guarda é um sinal de que nunca estamos abandonados. Deus, em sua infinita bondade, confiou a cada um de nós um companheiro espiritual que nos guia no caminho do bem. O Evangelho nos ensina que esses anjos contemplam o rosto do Pai, e por isso sua missão é sempre fruto da intimidade com Deus.

Que, nesta memória dos Santos Anjos da Guarda, possamos abrir o coração para essa presença discreta e fiel, e viver com confiança e humildade, como crianças no colo de Deus.

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LITURGIA DO DIA: MEMÓRIA DE SÃO JERÔNIMO, BISPO E DOUTOR DA IGREJA

26ª Semana do Tempo Comum

Leituras: Zc 8,20-23 | Sl 86(87),1-3.4-5.6-7 (R. Zc 8,23) | Lc 9,51-56

Reflexão da Liturgia do Dia

O evangelho de hoje (Lc 9,51-56) mostra Jesus decidido a ir para Jerusalém, lugar do cumprimento de sua missão pascal. Ele não se deixa abalar pela rejeição dos samaritanos, nem cede ao ímpeto de vingança sugerido por Tiago e João. O Senhor ensina que o caminho do discípulo não é o da violência, mas o da fidelidade e da entrega amorosa, mesmo quando encontra incompreensão ou hostilidade.

Este trecho marca um ponto de virada no evangelho de Lucas. Até aqui, Jesus havia realizado sinais, ensinado às multidões e formado seus discípulos. No versículo 51, lemos: “Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o céu. Então ele tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”. Aqui temos duas perspectivas importantes: Jerusalém é o lugar do cumprimento da sua missão: paixão, morte, ressurreição e ascensão. E também a “subida” não é apenas geográfica, mas teológica: é o caminho da obediência ao Pai.

No caminho, Jesus passa pela Samaria. Os samaritanos, por causa das tensões históricas com os judeus (antiga rivalidade sobre o local do culto), não o acolhem. Tiago e João, cheios de zelo, querem invocar o fogo do céu contra eles, lembrando talvez do episódio do profeta Elias (cf. 2Rs 1,10-12). Mas Jesus os repreende.

Na perspectiva teológico-litúrgica, este trecho nos coloca diante da Cristologia do caminho. A liturgia apresenta Jesus como o Servo obediente, que, em plena liberdade, assume a vontade do Pai e não se desvia da missão que lhe foi confiada. A decisão firme de partir para Jerusalém não é apenas um deslocamento geográfico, mas um movimento espiritual e teológico: é o caminho da entrega total, no qual a cruz se torna passagem necessária para a ressurreição e para a glória.

Esse “caminho” revela o rosto de um Messias que não busca triunfos fáceis nem evita a rejeição, mas que se define pelo amor radical e pela misericórdia. Em contraste com a atitude dos discípulos, que desejam recorrer ao fogo do céu para punir os que não acolhem o Mestre, Jesus indica uma nova lógica: a da não-violência, do perdão e da paciência. Assim, o discipulado cristão só se compreende à luz desse itinerário pascal, no qual a centralidade da cruz não é sinal de derrota, mas de fidelidade e de vitória do amor.

Na liturgia, essa dimensão do caminho se transforma em convite permanente para a comunidade: celebrar a Eucaristia é unir-se a Cristo que se oferece no altar como na cruz, e que nos chama a segui-lo na obediência, na perseverança e na esperança. Cada fiel é convidado a “subir com Ele a Jerusalém”, assumindo também os desafios da missão, sustentado pela certeza de que, ao final do caminho, está a vida nova da ressurreição.

Este evangelho também abre uma perspectiva eclesiológica muito clara. A missão da Igreja é universal e deve se manifestar sempre pela misericórdia. Diante do fechamento e da rejeição, a comunidade cristã não pode responder com intolerância ou violência, mas com perseverança e testemunho de amor. A Igreja é chamada a levar a Boa-Nova a todos os povos, mesmo quando encontra oposição, sem impor-se, mas oferecendo a fé como dom e convite. A liturgia ilumina esse ponto ao colocar em diálogo o evangelho com a profecia de Zacarias (1ª leitura), que anuncia o tempo em que “dez homens de todas as línguas agarrarão a orla da veste de um judeu e dirão: queremos ir contigo, pois ouvimos dizer que Deus está contigo”. Assim, a Palavra mostra que a salvação é para todos e que a Igreja é sinal desse projeto de comunhão universal.

Outro aspecto fundamental é a espiritualidade do discipulado. Tiago e João encarnam o risco do falso zelo, que confunde missão com poder e usa a violência como resposta ao não acolhimento. Jesus, ao repreendê-los, corrige essa visão e aponta a verdadeira identidade do discípulo: seguir o Mestre significa assumir a mansidão, a paciência e a lógica do amor. O fogo que consome não é o da vingança, mas o do Espírito que aquece os corações e transforma vidas. A liturgia nos convida, portanto, a rever nossas próprias atitudes diante das dificuldades da missão: não é a força que convence, mas a coerência com a cruz de Cristo. A paciência, a perseverança e o testemunho humilde são os sinais do verdadeiro seguidor do Senhor.

Em síntese, o brano de Lc 9,51-56, dentro da liturgia, inaugura o grande caminho de Jesus para Jerusalém. É uma catequese sobre decisão, rejeição e misericórdia.

  • Decisão: Jesus não hesita em cumprir a vontade do Pai.
  • Rejeição: o Evangelho pode ser recusado, e isso faz parte da missão.
  • Misericórdia: a resposta cristã não é condenação, mas perseverança no amor.

Assim, a perspectiva teológico-litúrgica é clara: Cristo caminha para entregar a vida por todos; a Igreja, unida a Ele, deve percorrer o mesmo caminho, renunciando à violência e testemunhando a misericórdia de Deus.

Portanto, na liturgia do dia, somos chamados a contemplar essa firmeza de Jesus e a aprender que, para seguir seus passos, precisamos cultivar paciência, misericórdia e perseverança. Muitas vezes, o anúncio do Evangelho encontra resistência, mas a resposta cristã deve sempre ser marcada pelo testemunho da paz e do amor que vem de Deus.

A primeira leitura (Zc 8,20-23) anuncia que povos de todas as nações buscarão o Senhor em Jerusalém. Essa profecia se cumpre em Cristo, que reúne em si a salvação para todos. Já o salmo recorda que todos os povos são chamados a fazer parte da cidade santa. Assim, a liturgia do dia nos faz olhar para a universalidade da missão da Igreja: acolher todos, sem distinção, no amor de Deus.

São Jerônimo e a Palavra de Deus

Hoje celebramos São Jerônimo, presbítero e doutor da Igreja, conhecido especialmente por sua dedicação às Sagradas Escrituras. Ele traduziu a Bíblia para o latim (a chamada Vulgata), tornando a Palavra de Deus acessível ao povo de seu tempo.

Neste 30 de setembro, encerrando o Mês da Bíblia 2025, dedicado ao estudo da Carta aos Romanos, a memória de São Jerônimo nos recorda a importância de amar, estudar e viver a Palavra de Deus. Assim como ele se deixou transformar pela Escritura, também somos convidados a deixar que a Palavra ilumine nossas escolhas e nos ajude a caminhar com firmeza na fé, com a mesma decisão de Cristo rumo a Jerusalém.

Vida de São Jerônimo (c. 347–420)

Jerônimo nasceu por volta do ano 347, em Estridão, região da Dalmácia (atual Croácia ou Eslovênia). Desde jovem, demonstrou grande inteligência. Foi enviado a Roma para estudar, onde se destacou como aluno aplicado em gramática, retórica e filosofia. Embora levasse inicialmente uma vida voltada para os prazeres, foi profundamente tocado pela experiência da fé. Batizado na juventude, começou a dedicar-se intensamente à vida cristã.

Após viagens pelo Oriente, Jerônimo optou por uma vida de penitência e oração no deserto da Síria. Ali, mergulhou no estudo das Escrituras, aprendendo grego e hebraico para melhor compreender os textos bíblicos. Em 382, foi chamado a Roma e se tornou secretário do Papa Dâmaso I. A pedido dele, iniciou uma tarefa monumental: revisar e traduzir a Bíblia para o latim. Essa tradução ficou conhecida como Vulgata, e por séculos foi a versão oficial da Igreja.

Depois da morte do Papa, Jerônimo mudou-se para Belém, onde fundou um mosteiro. Ali, viveu até sua morte, dedicando-se à oração, ao estudo bíblico e à escrita. Faleceu em 30 de setembro de 420, em Belém.

Contribuições de São Jerônimo:

A Vulgata, sua tradução da Bíblia para o latim, tornou-se um marco na história da Igreja. Com ela, São Jerônimo ofereceu à comunidade cristã de seu tempo uma Palavra acessível, clara e compreensível, permitindo que a Escritura fosse rezada, estudada e vivida por todos.

No campo do estudo bíblico, destacou-se como pioneiro da exegese cristã. Com dedicação incansável, aprofundou-se nas línguas originais: o hebraico e o grego, para captar a riqueza e a fidelidade do texto sagrado.

Seus escritos (cartas, comentários bíblicos e tratados) permanecem até hoje como fonte preciosa para a teologia, a espiritualidade e a vida pastoral, testemunhando a profundidade de seu pensamento e a força de sua fé.

Mas é sobretudo no seu testemunho de amor à Palavra que resplandece sua herança espiritual. Ele mesmo sintetizou essa paixão numa frase que atravessa os séculos: “Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo.”

São Jerônimo era um homem de temperamento forte, mas de coração totalmente entregue a Deus. Sua vida mostra que a fidelidade à Palavra exige esforço, estudo e dedicação, mas também humildade diante do mistério de Deus. É considerado Padroeiro dos estudiosos da Bíblia, dos tradutores e dos que se dedicam ao aprofundamento das Escrituras.

Rezar com o ícone de São Jerônimo

Ao contemplar o ícone de São Jerônimo, somos convidados a entrar no silêncio do deserto interior. O santo aparece como eremita, de barba branca e olhar profundo, lembrando-nos que a verdadeira sabedoria nasce da escuta de Deus.

O fundo dourado revela que sua vida foi transfigurada pela luz divina: quem se deixa conduzir pela Palavra participa já da glória do Senhor. As vestes marrons recordam sua humildade e penitência, a terra que acolhe a semente do Espírito. O livro em vermelho nos fala do ardor e da paixão com que ele amou as Escrituras, oferecendo sua vida ao serviço da Igreja. O branco de seus cabelos e barba é sinal da pureza e da maturidade espiritual que brotam da fidelidade.

O livro aberto em suas mãos é a Palavra de Deus, que ele traduziu e meditou, tornando-se para a Igreja um mestre e doutor. Ao rezar diante deste ícone, podemos pedir a graça de amar mais profundamente as Escrituras, deixando que elas transformem nosso coração.

O leão aos seus pés recorda a lenda de sua compaixão: quem acolhe até a dor das criaturas mais temidas, acolhe também a própria humanidade ferida. Rezar com este detalhe do ícone nos convida a pedir a virtude da misericórdia e da coragem. O leão ao seu lado faz referência à famosa lenda segundo a qual Jerônimo retirou um espinho da pata de um leão, que depois se tornou seu companheiro fiel.

As vestes simples e o rochedo indicam desapego, penitência e vida ascética. São Jerônimo nos lembra que a busca pela verdade exige humildade, disciplina e silêncio.

Rezar diante do ícone de São Jerônimo é deixar-se conduzir por sua memória e testemunho. É pedir o dom de um amor sempre renovado pela Palavra de Deus, que ilumina e orienta cada passo. É suplicar a sabedoria que brota da escuta atenta e obediente, capaz de discernir a vontade divina nas pequenas e grandes escolhas da vida. É buscar a coragem para viver na fidelidade, mesmo quando o caminho exige renúncias e firmeza interior. E é, por fim, abrir o coração à compaixão diante das feridas do mundo, para que a Palavra acolhida se torne gesto de cuidado, justiça e misericórdia.

Que o mesmo Espírito que guiou São Jerônimo no deserto e no estudo das Escrituras, nos guie também no caminho da oração e da vida cristã.

O MÊS DE SETEMBRO À LUZ DA LITURGIA DOMINICAL

A liturgia nos propõe, a cada domingo, um verdadeiro itinerário espiritual. O Ano Litúrgico não é apenas uma sucessão de festas ou memórias, mas um caminho de discipulado, em que somos introduzidos progressivamente no mistério pascal de Cristo. As leituras bíblicas proclamadas, em sintonia com as orações e gestos celebrativos, não apenas recordam acontecimentos passados, mas tornam-se hoje Palavra viva que nos forma e nos transforma.

O Papa Francisco recorda, na Desiderio Desideravi, que “a liturgia é o lugar privilegiado do encontro com Cristo” (n. 11). Esse encontro não é abstrato, mas concreto, porque “a fé cristã é uma relação viva com Ele” (n. 10). Por isso, a liturgia não nos entrega apenas ensinamentos morais ou lembranças históricas, mas nos conduz por um caminho de experiência: somos colocados dentro do Mistério, para dele participar com todo o nosso ser.

Dessa forma, cada domingo nos foi oferecendo, neste mês de setembro, um passo no seguimento de Cristo. A pedagogia da Palavra e dos ritos nos ensinou que a vida cristã é exigência de renúncia, é encontro com a Cruz como fonte de salvação, é discernimento nas escolhas concretas do uso dos bens, e é compromisso definitivo com a justiça e a vida eterna.

Perguntemo-nos, então: como acolhemos esse caminho espiritual que a liturgia nos propôs ao longo do mês? A revisão não é mero exercício de memória, mas um ato de fé: reconhecer que a Palavra ouvida e celebrada continua agindo em nós. Como afirma a Desiderio Desideravi, “cada celebração é uma escola de vida cristã” (n. 37), na qual somos continuamente educados pelo Espírito Santo.

Assim, olhar para o mês de setembro sob a luz do Ano Litúrgico é perceber que não caminhamos sozinhos: é Cristo quem nos conduz. A cada domingo, fomos convidados a entrar um pouco mais no mistério do seu amor, para que nossa vida, transformada pela liturgia, se torne também lugar de anúncio e testemunho.

O mês de setembro de 2025 foi marcado por uma profunda pedagogia espiritual, que nos convidou a contemplar o seguimento de Cristo em suas exigências concretas, em sua centralidade pascal e em sua força transformadora diante das estruturas do mundo.

No 23º Domingo do Tempo Comum (7 de setembro), Jesus apresentou as condições do discipulado: carregar a cruz, desapegar-se, discernir com sabedoria e colocar-se em total confiança diante de Deus (Lc 14,25-33). A 1ª leitura (Sb 9,13-18) lembrava nossa incapacidade de compreender plenamente os caminhos de Deus sem o dom do Espírito. O caminho de fé aparece, assim, como decisão radical e sustentada pela graça.

No domingo seguinte (14 de setembro), celebramos a Exaltação da Santa Cruz, centro de nossa fé. O hino de Filipenses (Fl 2,6-11) recordou que o caminho da obediência até a cruz é o que leva à exaltação. O evangelho (Jo 3,13-17) mostrou que a cruz não é derrota, mas sinal do amor redentor de Deus. Aqui, o que antes parecia exigência dura (carregar a cruz) revela seu sentido: é na cruz que encontramos a salvação.

No 25º Domingo (21 de setembro), a liturgia nos confrontou com o uso dos bens materiais. O evangelho do administrador infiel (Lc 16,1-13) nos provocou a pensar: em quem colocamos nossa confiança — em Deus ou nas riquezas? A 1ª leitura de Amós (8,4-7) denunciava a exploração dos pobres, e Paulo (1Tm 2,1-8) pedia oração por todos, para que se viva em paz e dignidade. Assim, a cruz de Cristo não pode ser dissociada da vida concreta: seguir Jesus exige opções econômicas, sociais e espirituais coerentes.

Por fim, no 26º Domingo (28 de setembro), a parábola do rico e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31) retomou o mesmo tema, mas agora de forma definitiva e escatológica. A justiça de Deus não falha: a indiferença diante do sofrimento do outro fecha o coração e conduz à perdição. Amós (6,1a.4-7) já havia criticado os que viviam no luxo indiferentes à miséria. Paulo, na 2ª leitura (1Tm 6,11-16), exortava Timóteo a perseguir a justiça, a fé e a mansidão, na esperança da manifestação gloriosa de Cristo.

O caminho teológico-litúrgico de setembro

O mês nos conduziu de um discipulado exigente (renúncia, cruz, discernimento) à contemplação da cruz como fonte de vida, passando pela denúncia da idolatria da riqueza e da indiferença social, para finalmente mostrar o juízo de Deus como confirmação da seriedade dessas escolhas.

  • A cruz é o eixo central: primeiro como condição (7/9), depois como glória (14/9).
  • A vida social e econômica é lugar de fidelidade a Cristo: denunciar a exploração e viver com justiça (21/9 e 28/9).
  • O discipulado autêntico implica carregar a cruz, assumir a lógica do amor e da entrega, e transformar a vida concreta à luz do Reino.

Em setembro, a liturgia nos ajudou a celebrar que a fé cristã não é apenas uma adesão interior, mas um caminho que une sabedoria, cruz e justiça. O discípulo é chamado a seguir o Senhor que se humilhou até a morte e, por isso, foi exaltado.

E você, como viveu este mês de setembro? O que assimilou com o coração destas liturgias dominicais tão ricas?

Concretamente, a liturgia nos fez viver a passagem da decisão pessoal ao horizonte da alteridade, sempre iluminados pela cruz de Cristo. O itinerário espiritual deste mês nos educou a compreender que a fé não se reduz a uma escolha íntima ou individualista, mas se abre necessariamente ao outro: aquele que está ao nosso lado, sobretudo o pobre, o pequeno e o vulnerável. A alteridade, neste sentido, é a medida da autenticidade do discipulado, porque nos lembra que não se pode amar a Deus sem reconhecer e servir o irmão. Como afirma a Desiderio Desideravi, “a liturgia é a participação no modo de ser de Cristo” (n. 41), e o modo de ser de Cristo é totalmente oblativo: Ele viveu em relação, em entrega e em comunhão, chamando-nos a viver a mesma dinâmica de saída de si em direção a Deus e aos outros.

Texto escrito pela Ir. Julia de Almeida, pddm.

COMO PREPARAR A LITURGIA

Celebrar a liturgia é celebrar a vida com Deus. Quando nos reunimos para a missa ou para outro momento de oração comunitária, é Jesus quem está no centro, conduzindo sua Igreja. Por isso, preparar bem a liturgia é um serviço precioso: ajuda a comunidade a rezar, a participar com alegria e a se sentir mais próxima do Senhor.

Não se trata apenas de “organizar quem faz o quê”, mas de colocar amor em cada detalhe, para que toda a assembleia experimente o mistério da fé. A seguir, veremos alguns passos práticos que ajudam a preparar a liturgia de forma simples e bonita.

1. Começar lembrando quem é o centro da celebração

Às vezes, podemos cair na tentação de pensar que a missa depende de nós. Mas é importante lembrar: o verdadeiro protagonista é Cristo. Ele se faz presente pela Palavra proclamada, pelo pão e vinho consagrados, pela comunidade reunida.

Por isso, quando preparamos uma celebração, não é para “inventar” algo novo, mas para acolher o que a Igreja nos propõe e viver de maneira consciente. Cada tempo litúrgico tem sua riqueza:

  • No Advento, vivemos a espera pelo Salvador;
  • Na Quaresma, somos convidados à conversão;
  • No Tempo Pascal, celebramos a vitória da vida sobre a morte;
  • No Tempo Comum, crescemos na esperança e no seguimento diário de Jesus.

Preparar a liturgia é deixar que Cristo brilhe mais do que nós.

2. Rezar com a Palavra de Deus

A missa sempre tem leituras próprias, escolhidas pela Igreja. Para preparar bem, é muito bom que a equipe litúrgica leia esses textos com antecedência. Não só para distribuir quem vai ler, mas para deixar que a Palavra toque nosso coração.

Quando meditamos antes sobre a primeira leitura, o salmo, a segunda leitura e o Evangelho, percebemos melhor a ligação entre elas. Assim, até os cantos, os comentários e a própria participação da assembleia ganham mais sentido.

Um exemplo simples: se o Evangelho fala de Jesus como o Bom Pastor, os cantos e os gestos podem reforçar essa imagem de cuidado e ternura de Deus.

3. Formar e organizar a equipe

Ninguém celebra sozinho. A liturgia é da comunidade, e por isso vários ministérios entram em ação:

  • Leitores: proclamam a Palavra;
  • Salminista: canta o salmo de forma responsorial;
  • Acólitos e coroinhas: ajudam no altar;
  • Ministros da comunhão: distribuem o Corpo de Cristo;
  • Cantores e músicos: sustentam a oração cantada.

Estes são alguns dos ministérios. Existem outros.

É bom que todos saibam com antecedência sua missão e que haja ensaio quando necessário. Mais importante ainda é que cada serviço seja feito com humildade, lembrando que se trata de servir a Deus e à comunidade.

4. Escolher bem os cantos litúrgicos

O canto não é um enfeite: ele faz parte da liturgia. Por isso, deve estar em sintonia com o tempo e o momento da celebração. O que importa não é se a música é bonita apenas para quem canta, mas se ajuda toda a comunidade a rezar.

O canto litúrgico faz parte da celebração e tem função própria dentro dela. Outros cantos religiosos ajudam a rezar e a expressar a fé, mas não são feitos para o rito da missa. Cada um tem o seu lugar!

Existe sim a diferença entre os cantos litúrgicos e outras músicas. Primeiro porque o canto litúrgico tem uma finalidade. Ele faz parte da celebração. Não é apenas para “embelezar” a missa, mas ajuda a rezar e a participar melhor do mistério que está sendo celebrado. Cada canto tem uma função própria dentro da liturgia (entrada, ato penitencial, glória, salmo, ofertório, santo, comunhão, ação de graças, envio…). Outros cantos religiosos ou de devoção podem expressar fé e amor a Deus, mas não foram feitos para o rito da missa. São ótimos para momentos de oração pessoal, grupos de jovens, encontros de catequese, procissões, adoração, retiros etc., mas não são para a finalidade de celebrar o mistério de Cristo.

Outro ponto importante é que o canto litúrgico tem uma ligação com a Palavra de Deus e o tempo litúrgico. Assim, o canto litúrgico deve estar em sintonia com as leituras do dia e com o tempo litúrgico (Advento, Natal, Quaresma, Páscoa, Tempo Comum).

E por fim, o canto litúrgico é pensado para ser assembleico, ou seja, para que toda a comunidade possa cantar junto, e não só ouvir. A Constituição Sacrosanctum Concilium (Concílio Vaticano II) afirma que a liturgia é “ação de Cristo e do povo de Deus”. Isso significa que não é o padre sozinho, nem o grupo de canto sozinho, que celebram. É toda a comunidade reunida que celebra o mistério da fé. Logo, o canto litúrgico precisa traduzir essa dimensão comunitária: é a voz da Igreja que canta.

É claro que existe o ministério do grupo de canto ou do coral, que tem uma missão especial. Mas o papel desse ministério não é substituir a assembleia, e sim animar, sustentar e guiar o canto comum. O coro ou o solista pode, em alguns momentos, entoar uma parte sozinho, mas sempre de modo a favorecer a resposta do povo e não a apagar sua voz.

A Igreja pede que na missa se usem cantos litúrgicos, porque eles foram compostos para servir à liturgia. Isso não significa que os outros cantos sejam ruins, apenas que têm lugar em outros momentos de oração e devoção, e não dentro da missa.

5. Preparar o espaço sagrado

O espaço da celebração também fala de Deus. O altar, o ambão e a cadeira presidencial são os lugares principais. Mas todo o ambiente deve ajudar a assembleia a entrar em clima de oração.

As flores, as toalhas, as velas e até o uso das cores litúrgicas transmitem uma mensagem. Por exemplo:

  • O verde no tempo comum lembra a esperança e o crescimento na fé;
  • O roxo convida à penitência e à preparação;
  • O branco e o dourado expressam alegria e festa;
  • O vermelho recorda o Espírito Santo e os mártires.

Quando cuidamos do espaço com simplicidade e beleza, mostramos que acreditamos no mistério que celebramos.

6. Atenção aos gestos e ritos

Os gestos também são linguagem. Uma procissão de entrada bem organizada, uma proclamação da Palavra feita com clareza, a apresentação do pão e do vinho de forma solene, tudo isso ajuda a assembleia a mergulhar no mistério.

Por isso, vale a pena ensaiar antes, principalmente em celebrações mais festivas, como a Páscoa ou a Primeira Comunhão. Não se trata de buscar perfeição teatral, mas de transmitir dignidade e simplicidade. Assim, a atenção não se volta para os erros, mas para Jesus, que está no centro.

7. Viver o espírito de oração

Tudo o que foi dito até aqui só faz sentido se for vivido em espírito de oração. Preparar a liturgia não é só cumprir tarefas, mas servir a Deus com amor.

É muito bonito quando a equipe se reúne antes para um breve momento de oração, pedindo luz ao Espírito Santo. Assim, cada detalhe preparado será expressão de fé. A assembleia percebe quando há esse clima de espiritualidade e reza com mais fervor.

8. Avaliar e aprender sempre

Depois da celebração, é realmente importante reservar alguns minutos para avaliar. Isso ajuda a comunidade e a equipe de liturgia a crescer: observar o que funcionou bem, onde houve dificuldades, como foi a participação da assembleia. Esse exercício é saudável, mas carrega um risco: ficar apenas no plano do fazer técnico, como se a liturgia fosse só uma questão de execução correta ou de organização eficiente.

O Papa Francisco, na carta apostólica Desiderio Desideravi, adverte contra essa visão reducionista. A liturgia não é “um espetáculo” que precisa apenas de bons atores e de um público atento. A liturgia é mistério: é Cristo que age, e nós somos envolvidos pela sua ação salvadora. Por isso, avaliar não pode ser apenas perguntar: “cantamos bem?”, “as leituras foram claras?”, “a procissão saiu organizada?”. Essas questões são importantes, mas não bastam.

A equipe de liturgia precisa se perguntar algo mais profundo: celebramos bem? Não no sentido técnico, mas espiritual: Eu me deixei tocar pelo mistério? Vivi de coração aquilo que celebramos? Saí diferente desta celebração?

Aqui entra o caminho da mistagogia. Avaliar a liturgia é também aprender com a própria experiência celebrativa. A mistagogia não é apenas uma explicação intelectual dos ritos, mas um mergulho: deixar-se conduzir pelos sinais, gestos e palavras, e perceber o que o Espírito Santo realizou em mim e na comunidade.

O Papa Francisco insiste que precisamos redescobrir a capacidade de nos maravilharmos diante da ação de Deus na liturgia. Avaliar, então, não pode ser só revisar erros ou acertos externos, mas cultivar a memória espiritual: onde experimentei a presença do Senhor? Como a Palavra falou ao meu coração? O canto comunitário fortaleceu minha fé? A comunhão me fez sentir mais unido aos irmãos?

Essa avaliação mistagógica é fundamental para que a equipe de liturgia não caia na tentação de ser apenas “organizadora de tarefas”. Ela é chamada a ser escola de oração e de comunhão, ajudando todos a celebrarem melhor, a mergulharem no mistério pascal que se atualiza em cada liturgia.

Portanto, uma boa prática pode ser:

  1. Avaliar o fazer (parte técnica e organizativa);
  2. Avaliar o celebrar (como foi a vivência espiritual);
  3. Avaliar o fruto (o que mudou em mim e na comunidade após a celebração).

Dessa forma, a liturgia se torna também formadora: ensina pelo próprio acontecer, educa o coração e transforma a vida.

Preparar e celebrar a liturgia!

Preparar a liturgia é preparar um encontro de amor entre Deus e seu povo. Isso pede cuidado, oração, simplicidade e dedicação. Quando tudo é feito com carinho, a celebração se torna um espaço de encontro verdadeiro com Jesus, que nos alimenta com sua Palavra e com seu Corpo e Sangue.

A comunidade, então, sai fortalecida, cheia de esperança, pronta para testemunhar no dia a dia aquilo que celebrou. Porque a liturgia não termina na igreja: continua na vida de cada cristão.

Texto escrito por Ir. Julia de Almeida, pddm. Ela é irmã Pia Discípula do Divino Mestre e Mestre em Comunicação e Semiótica.


CATEQUESE LITÚRGICA: 26ª DOMINGO DO TEMPO COMUM

📍 Acompanhe o Quadro Catequese Litúrgica – 26º Domingo do Tempo Comum, com a Irmã Cidinha Batista, pddm. Uma produção das irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre.

Domingo, 28 de Setembro de 2025 | 26º Domingo do Tempo Comum, Ano C
Leituras: Am 6,1a.4-7 | Sl 145(146),7.8-9a.9bc-10 (R. 1) | 1Tm 6,11-16 | Lc 16,19-31

Como preparar a liturgia na comunidade

Preparar a liturgia é muito mais do que organizar funções ou escolher músicas: é entrar no mistério de Deus e ajudar a comunidade a viver, de forma plena, o encontro com o Senhor no Dia do Senhor.

O quadro Catequese Litúrgica nasceu justamente para apoiar as equipes de liturgia nesse processo. A cada episódio, Ir. Cidinha convida a dar o primeiro passo fundamental: acolher a Palavra. Ler o Evangelho e as demais leituras propostas para o domingo é o ponto de partida para toda a preparação, pois é da escuta atenta da Palavra que brotam as escolhas, os gestos e as orações que darão vida à celebração.

Ao refletir juntos sobre os textos bíblicos, a equipe aprofunda a compreensão do mistério celebrado e ajuda a comunidade a rezar melhor. Depois, tudo o que se prepara – cantos, comentários, símbolos, orações – deve estar em sintonia com essa Palavra que ilumina o domingo.

E na sua comunidade?

  • Como vocês preparam a liturgia?
  • De que forma a Palavra de Deus inspira a vida e a missão de vocês?

O convite é simples e profundo: deixar-se conduzir pela Palavra, para que cada celebração seja sempre um verdadeiro encontro com Cristo vivo, no coração da comunidade.

AGENDE ESTA DATA: LIVE “O CUIDADO DA CRIAÇÃO NA LITURGIA”

A Revista de Liturgia convida você para um encontro especial que une fé, cuidado e compromisso com a Casa Comum.

🎥 Live: O Cuidado da Criação na Liturgia
✨ Com a presença de:

  • Irmã Penha Carpanedo, pddm
  • Dom Jerônimo Pereira Silva
  • Daniel Carvalho

📅 Data: 29 de setembro de 2025 (segunda-feira)
Horário: 20h
📍 Local: Canal da Revista de Liturgia no YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=usQMPHRStoI

Venha refletir e rezar conosco sobre como a liturgia pode despertar a responsabilidade e a beleza do cuidado da criação.

Quem são os nossos participantes desta live?

Irmã Maria da Penha Carpanedo, PDDM, é Religiosa da Congregação das Irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre (PDDM), na qual ingressou em 1969, professando os votos religiosos em 1974. Dedica-se há décadas à formação litúrgica no Brasil, atuando especialmente nas Escolas de Liturgia e em processos de iniciação à vida cristã. É responsável pelo serviço de redação da Revista de Liturgia, contribuindo com reflexões, roteiros e subsídios pastorais. Especialista em liturgia, tem participação ativa em encontros, cursos e formações voltados à vida litúrgica das comunidades. Com linguagem acessível e profunda, a Irmã Penha é reconhecida por unir sensibilidade pastoral e rigor litúrgico em sua missão de ajudar comunidades a viverem a liturgia como fonte de fé e vida cristã.

Dom Jerônimo Pereira Silva, OSB, é monge beneditino do Mosteiro de São Bento de Olinda (PE), presbítero desde 2004. Possui formação sólida na área de liturgia. Ele é Doutor em Sagrada Liturgia pelo Pontifício Instituto Litúrgico de Santo Anselmo, Roma; Mestre em Teologia, com especialização em Liturgia Pastoral, pelo Instituto de Liturgia de Santa Giustina, Pádua; e possui formação em música litúrgica pelo Instituto de Santo Anselmo. Atualmente, é presidente da Associação dos Liturgistas do Brasil (ASLI) e membro da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB. Publica artigos e ministra cursos, unindo reflexão acadêmica e experiência pastoral. Seu trabalho destaca-se pela busca de uma liturgia fiel à tradição, mas aberta ao diálogo com a cultura e à participação ativa das comunidades.

Daniel Carvalho é leigo, pesquisador e formador em liturgia. Ele é Mestre em Ciências da Religião pela PUC Goiás; Especialista em Liturgia Cristã pela FAJE (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia), em parceria com a Rede Celebra. Atualmente cursa o Doutorado em Ciências da Religião, com pesquisa voltada à liturgia, bíblia e questões socioambientais. Tem publicado artigos acadêmicos e pastorais em revistas e coletâneas, além de colaborar com encontros e formações. Seu interesse se volta às intersecções entre liturgia, Palavra de Deus e justiça socioambiental, mostrando como a celebração cristã pode inspirar práticas concretas de cuidado com a vida e a criação.

Revista de Liturgia
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LITURGIA DO DIA: 6ª FEIRA DA 24ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Liturgia do Dia – Sexta-feira, 19 de Setembro de 2025 – 24ª Semana do Tempo Comum, Ano Ímpar (I)

O evangelho proposto pela liturgia do dia (Lc 8,1-3) nos coloca diante de uma cena de profundo valor teológico e pastoral: Jesus caminha de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, anunciando e proclamando a boa-nova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os Doze e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades. Entre elas, Lucas menciona Maria Madalena, da qual tinham saído sete demônios, Joana, esposa de Cuza, administrador de Herodes, Susana e muitas outras, que ajudavam a sustentar Jesus e seus discípulos com os próprios bens.

Esse breve relato mostra um traço fundamental do ministério de Jesus: a itinerância missionária e a inclusão. Jesus não permanece preso a um lugar, mas percorre os caminhos, vai ao encontro das pessoas, leva a Boa-Nova a todos, sem restrições. Além disso, sua missão não é solitária nem exclusiva dos Doze apóstolos: mulheres também estão integradas nesse movimento evangelizador. Em um contexto cultural em que a mulher tinha um papel social limitado, a presença feminina no discipulado de Jesus revela a novidade radical do Evangelho, onde todos têm lugar, todos podem servir, todos podem participar.

Do ponto de vista teológico, o texto aponta para a universalidade da salvação e para a dimensão comunitária do seguimento de Cristo. O Reino não é construído apenas por figuras centrais, mas por uma comunidade variada, com diferentes histórias de vida, marcada por curas, libertações e testemunhos. Jesus mostra que o discipulado é fruto da experiência de encontro e de gratuidade: aqueles que foram alcançados pela graça tornam-se colaboradores na missão.

Essa perspectiva ajuda a compreender a articulação com a primeira leitura (1Tm 6,2c-12). Paulo, dirigindo-se a Timóteo, recorda a importância de ensinar a sã doutrina, evitando a tentação da busca pelo lucro e a avidez pelo dinheiro. O apóstolo exorta a fugir da ganância, pois “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro”. Em contraste, convida a cultivar a fé, a piedade, a perseverança, o amor e a mansidão, lutando o bom combate da fé e alcançando a vida eterna.

Ao ligar o evangelho com a exortação paulina, podemos perceber um fio condutor: a verdadeira riqueza está em seguir Jesus e partilhar os bens para o serviço do Reino. As mulheres que acompanhavam Cristo sustentavam a missão não por interesse, mas por gratidão e generosidade. Paulo, por sua vez, adverte contra o risco de reduzir a fé a um meio de enriquecimento. A liturgia do dia, portanto, convida a refletir sobre a relação entre fé e bens materiais: o discipulado se expressa também na maneira como administramos aquilo que temos.

O salmo responsorial (Sl 48[49]) reforça essa mensagem, proclamando a relatividade das riquezas. “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” é o refrão tirado do Evangelho de Mateus, e o salmo canta a precariedade da confiança nos bens terrenos. O salmista lembra que ninguém leva nada consigo ao morrer; por mais que alguém se enriqueça, sua glória não o acompanha na morte. O que permanece, em última instância, é a confiança em Deus.

Se o evangelho mostra mulheres generosas que oferecem seus recursos para a missão e a carta a Timóteo adverte contra a cobiça, o salmo nos coloca diante da transitoriedade da vida e do chamado à confiança plena no Senhor. O itinerário da liturgia do dia conduz a uma síntese clara: o seguimento de Jesus exige liberdade interior em relação aos bens materiais, disponibilidade para partilhar e coragem para viver uma fé encarnada no serviço.

As implicações pastorais desse conjunto de leituras são riquíssimas. Em primeiro lugar, a comunidade cristã é chamada a reconhecer o valor da diversidade de vocações e ministérios. O evangelho lembra que o seguimento de Jesus é para homens e mulheres, jovens e idosos, ricos e pobres, cada qual com seus dons e com sua história de libertação. A pastoral da Igreja deve sempre cultivar esse espírito de inclusão, rompendo barreiras culturais e sociais que possam restringir a ação do Evangelho.

Em segundo lugar, a liturgia do dia provoca a refletir sobre o uso dos bens. No mundo atual, marcado pelo consumismo, pela desigualdade e pela idolatria do dinheiro, a Palavra convida a um estilo de vida mais simples, solidário e desapegado. Não se trata de desprezar os bens materiais, mas de saber orientá-los para o bem comum, como fizeram aquelas mulheres que ajudaram Jesus e os discípulos. A pastoral social e a prática da caridade são, assim, dimensões inseparáveis da vida cristã.

Outro aspecto importante é a exortação de Paulo a Timóteo: a fé não deve ser instrumentalizada para interesses pessoais. Isso vale também para o nosso tempo, quando muitas vezes se vê a tentação de usar a religião como meio de lucro, de poder ou de manipulação. A liturgia do dia denuncia tais desvios e reafirma que a missão da Igreja é testemunhar o Evangelho com simplicidade e gratuidade, apontando para Cristo e não para si mesma.

Por fim, a palavra proclamada nos chama à esperança e à confiança. O salmo recorda que nada neste mundo é definitivo, exceto a promessa de Deus. Por isso, o cristão é convidado a viver com os pés na terra, comprometido com a justiça, mas com o coração voltado para o céu, buscando sempre o Reino que não passa.

Celebrar a liturgia do dia nesta sexta-feira, 19 de setembro de 2025, é renovar o compromisso de ser discípulo missionário, como aqueles que seguiam Jesus em seu caminho. É deixar-se tocar pela Palavra, rever nossas prioridades, cultivar a generosidade e manter viva a esperança na vida eterna. O convite é claro: lutar o bom combate da fé, viver na mansidão, partilhar os dons, caminhar em comunidade.

Assim, a liturgia não é apenas um rito repetido, mas um encontro transformador com o Senhor que continua a passar por nossas cidades, chamando homens e mulheres a segui-lo. Que essa Palavra inspire nossa vida e nossa pastoral, para que, unidos, possamos proclamar a Boa-Nova com gestos concretos de amor e serviço.

MEMÓRIA E LOUVOR NO DIA A DIA

Judite Paulina Mayer*

Artigo publicado na Revista de Liturgia, n. 273-maio/junho de 2019, pp. 12 a 14.

Na oração cotidiana, o judeu religioso torna presente a memória e o louvor das maravilhas realizadas por Deus em favor de seu povo. Tendo sempre como pano de fundo a bênção, a estrutura dos momentos diários da oração possui variações, mas em linhas gerais apresenta a mesma disposição. Entre as orações recitadas diariamente, pela manhã, à tarde e na vigília da noite, encontramos o Kadish[1], o Shema Israel[2] e a Tefilá[3]. Os três momentos diários da oração lembram as oferendas do serviço[4] no Templo: manhã (Shaarit), tarde (Minrá) e vigília da noite (Arvit).

O Shema faz parte essencial da oração da manhã e da noite, pois a Torá limita as horas de recitação desta oração diária, conforme Dt 6,7: quando te deitares e quando levantares.

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Percorrendo as orações, podemos contemplar sua construção ao longo dos séculos, integrando a contribuição das sucessivas gerações. O desenrolar da oração muitas vezes se desenvolveu num entrelaçamento de versículos de vários salmos e citações proféticas. É o que tentaremos descobrir ao longo dos serviços cotidianos.

Ao amanhecer, um louvor – Sha’arit Sha’arit, a oração da manhã, vem da palavra hebraica que significa amanhecer. É o momento em que se proclama o amor luminoso de Deus, que se renova a cada manhã. Em geral, no início da oração, é recitado o texto da Torá[5] lembrando o que Moisés disse ao povo: Lembrai-vos do dia em que saíste do Egito, da casa da escravidão… Segue-se o ofício com as bênçãos do dia, recitação do Shemá e Amidá. Para cada dia da semana há um salmo próprio[6].

Há uma coletânea de versículos sálmicos que aparece em muitos dos livros de oração com pequenas modificações. Ela nasceu com um refugiado, o rabino Profiat Duran, durante os massacres ocorridos na Espanha, em 1391. Os versículos imploram a misericórdia divina confessando a fé na compaixão do Eterno que nunca falhou com seu povo. Ela confirma a fé de Israel, mesmo se o Templo foi destruído, pois, como diz Isaías: o trono de Deus está nos céus e a terra é o apoio de seus pés[7]. Seja no exílio ou na dispersão, o povo pode sempre contar com o auxílio do Eterno. Eis como se apresenta a coletânea de versículos sálmicos: Eterno, Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, nossos pais. Conserva a inclinação dos pensamentos do coração do Teu Povo, voltando seu coração para Ti. Exaltai o Senhor, nosso Deus, prostrai-vos ante o escabelo de seus pés: Ele é Santo. Exaltai o Senhor nosso Deus, prostrai-vos ante seu santo monte, porque Santo é o Senhor, nosso Deus. Ele, na sua misericórdia, perdoa o pecado e não aniquila.

Muitas vezes refreia sua ira e não deixa agir todo o seu furor. Senhor, não me recuses tua misericórdia! Tua fidelidade e tua graça me protejam sempre. A tua justiça é a justiça eterna e a tua Torá é verdadeira. Lembra-te, Senhor, do teu amor, e da tua fidelidade desde sempre. Reconhecemos o poder de Deus, a sua majestade sobre Israel, seu poder sobre as nuvens. Do seu santuário, Deus é terrível!

O Deus de Israel dá força e vigor a seu povo, bendito seja Deus! Ó Senhor, Deus justiceiro, manifesta-te! Levanta-te, juiz da terra, paga aos soberbos o que merecem! Do Senhor é a salvação. Sobre o seu povo desça a sua bênção. O Senhor dos exércitos está conosco, nosso refúgio é o Deus de Jacó. Ele abriu o mar para fazê-los passar, segurou as águas em pé como num dique. Senhor dá ao rei a vitória, atende-nos, quando te invocamos. Tu nunca deixas os que te procuram, ó Eterno! Foi do agrado do Eterno, por amor a sua própria justiça, dar magnificência à sua Torá e torná-la poderosa[8].

Não podemos deixar de falar do cântico de Moisés, entoado por Miriam, recitado na oração da manhã que celebra Deus em forma de profissão de fé. Ele se completa com a recitação da passagem do Mar Vermelho, onde mais uma vez se reconhece a gratuidade do amor de Deus pelo seu povo Israel no momento da libertação da escravidão do Egito.

Retomando a vida – Minrá

Minrá se localiza no meio da atividade profissional e a pessoa deve fazer um esforço particular para interromper suas atividades e se colocar em oração. Ao fazer memória do sacrifício vespertino, a oração é a Amida que forma a essência de todos os serviços litúrgicos.

A liturgia deste momento é mais simples. Ela se inicia com o salmo 145. Neste salmo encontramos pelo menos treze atributos divinos[9] que confirmam sua misericórdia. O Talmud recomenda recitá-lo três vezes ao dia, pois o fiel que assim proceder tomará parte no mundo futuro conforme o verso 16: abres tua mão e sacias todos os viventes que amas[10]. Por essa razão, sua recitação é precedida pelos seguintes versos[11]: Felizes os habitantes da tua casa: eles te louvam sem cessar…[12]Feliz o povo que tem tudo isso! Feliz o povo que tem a Deus por Senhor![13] Antes do Salmo 145, recita-se a parte da Torá[14] relativa ao sacrifício cotidiano do Templo.

Segundo Rashi[15], este salmo contribui para confortar o ser humano que está sob a pressão do trabalho e modificar seu humor preocupado e abatido, ou mesmo distraído e frio, para voltar à “alegria calorosa”, a qual “é uma das condições exigidas para a realização da oração”[16].

As palavras do profeta Isaías[17] lembram o dever de sustentar os pobres, precisamente no fim do jejum, a fim de que o necessitado não seja obrigado a prolongar o seu jejum por falta de alimento. Na oração de Minrá, que significa oferenda, é o momento em que o dia declina, implora-se, sem hinos e sem cantos, a presença do Senhor. A partir do século XIX se generalizou o costume de fazer essa oração ao pôr-do-sol e em seguida recitar Arvit, a oração da noite, porque são momentos considerados como hora da misericórdia.

A misericórdia vela por nós – Maariv

Quando as sombras noturnas nos tornam impotentes e incertos, é o momento de se invocar a misericordiosa fidelidade de Deus. Por isso Maariv se inicia com a invocação: Ele é misericordioso (Vehu Rahum), Ele perdoa o pecado e não destrói! Muitas vezes Ele retém o seu furor e não desperta sua cólera! Senhor, Salva-nos! Ó Rei responde-nos no dia em que te invocamos![18]. Ela dá à oração da noite seu real significado. Segundo o Talmud[19] Jacó fixou a oração da noite, como podemos ler em Gn 28,11. Assim, em muitos lugares se desenvolveu o costume de realizar a oração de Maariv antes do cair da noite. Maariv, como os demais ofícios, inclui a Amida como parte essencial do serviço litúrgico. Como Minrá, esta oração se inicia com o salmo 145, com os atributos divinos que confirmam a misericórdia de Deus, e inclui, também, o salmo 134, que serve de transição entre as ocupações profissionais do dia e a oração da noite.

A escolha deste salmo de peregrinação foi determinada pela alusão que inclui a citação sobre os servidores do Senhor que permanecem na casa do Senhor durante a noite. O Talmud recomenda que, à noite, ao voltar do trabalho dos campos, os fieis se dirijam à casa da reunião, e, segundo seu costume, leiam as Escrituras, estudem e, em seguida, digam o Shema e a Amida.

Os cabalistas[20] acrescentam mais três versículos a essa oração e o Talmud recomenda sua recitação três vezes cada um para que sejam memorizados para sempre. Seu conteúdo glorifica o Eterno como cidadela e proclama a felicidade daquele que Nele confia, tornando-o especialmente apto a formar uma transição para a noite, tempo de fragilidade humana e de profundo repouso dos nossos sentidos: “O Senhor de todo poder está conosco. Temos por cidadela o Deus de Jacó… Ó Senhor de todo poder, feliz o homem que conta contigo!… Ó SENHOR, dá vitória ao rei; responde-nos, quando clamarmos”[21].

A última oração do dia, na maioria das comunidades, é conhecida pela primeira palavra “Aleinu”, que significa “É nosso dever.” Esta oração conclui os três momentos da oração diária e é composta por duas orações: Aleinu e Al Kein. É uma das orações mais lindas de toda a liturgia. Em vários momentos históricos, ela foi causa de acusações e perseguições, por isso é difícil encontrá-la em sua forma original. Apresentamos a versão do Sidur completo[22].

É nosso dever (Aleinu) louvar ao Senhor de tudo, atribuir grandeza àquele que formou o mundo desde o seu princípio; que não nos fez para ser como as nações da terra, nem nos fez como as outras famílias da terra; Ele não definiu a nossa parte como a deles, nem a nossa sorte como todas as suas multidões. Mas nós nos inclinamos, dobramos nossos próprios joelhos, ficamos prostrados e louvamos perante o Rei que reina sobre todos os Reis, o Santo, Bendito seja Ele que expandiu os céus e estabeleceu os fundamentos da terra, e cujo precioso trono se firma nas alturas e a Divina Majestade do seu poder está estabelecida no mais alto dos céus. Ele é nosso Deus, e não há nenhum outro. Ele é nosso Rei, e não temos outro além Dele, pois assim está escrito na Sua Torá: “Sabe, pois, hoje e reflete no teu coração que o Eterno é Deus, o Um, acima no céu e abaixo sobre a terra: e não há nenhum outro”.

Por isso (Al Kein) em Ti colocamos nossa esperança, ó Senhor nosso Deus, em breve Tua poderosa glória, quando forem removidas as abominações da terra, e os ídolos exterminados, quando o mundo for regenerado pela soberania do Altíssimo, todos os mortais da terra invocarão Teu nome. Quando todos os maus, regenerados se voltarão para Ti, então, todos os habitantes do mundo reconhecerão e conhecerão que diante de Ti todos os joelhos se dobram, e toda língua prestará juramento diante de Ti, ó Senhor, nosso Deus, eles dobrarão os joelhos e ao teu nome glorioso darão a honra, pois eles aceitarão o jugo do Teu reino, e Tu serás eternamente sobre eles o Rei. Pois Teu é o reino, por toda a eternidade e tu reinarás em glória, como está escrito em Tua Torá: “O Senhor deve reinar eternamente sobre toda a terra[23]. E também diz; “E o Senhor será rei sobre toda a terra; naquele dia o Senhor será Um, e Um Seu nome”[24].

A tradição oral atribui essa oração a Josué no momento da conquista de Jericó ou ainda aos Homens da Grande Assembleia no período do Segundo Templo. Isso nos faz pensar nas narrativas evangélicas[25], onde muitas vezes encontramos Jesus em vigília de oração, em seu encontro com o Pai, talvez recitando sua profissão de fé e dizendo: O Senhor será rei sobre toda a terra; naquele dia o Senhor será Um, e Um Seu nome[26].

Judite Paulina Mayer é irmã da Congregação Nossa Senhora de Sion, professora de Sagrada Escritura, Salvador, BA.


[1] Cf. MAYER, Judite Paulina. A oração do Pai nosso e o Kadish na liturgia judaica. Revista de Liturgia, n. 206, março/abril 2008, p.18.

[2] Cf. MAYER, Judite Paulina. O Shema Israel: coração da oração judaica. Revista de Liturgia, n. 191, set/out. 2005, p.14.

[3] Cf. MAYER, Judite Paulina. Tefilá: a oração por excelência. Revista de Liturgia, n. 192, nov/dez. 2005, p.14

[4] Usar a palavra serviço para falar dos ofícios da sinagoga tem um significado muito importante. Em hebraico, avoda cuja tradução literal seria trabalho, é traduzido, em geral, por serviço; eved, da mesma raiz, significa servo. Quando os israelitas deixaram o Egito eles eram ‘servos’, escravos do faraó. A partir do Êxodo, os israelitas deixam de ser escravos do faraó para se tornarem ‘servos’ libertos do Senhor. A diferença entre a primeira e a segunda situação tem um nome: liberdade. O povo de Israel escolhe livremente servir ao Senhor. Sendo assim, toda a liturgia é um serviço de louvor ao Deus UM.

[5] Cf. Ex 13,1-17.

[6] Domingo: Sl 24; 2ª feira: Sl 48; 3ª feira: Sl 82; 4ª feira: Sl 94; 5ª feira: Sl 81; 6ª feira: Sl 93.

[7] Cf. Is 66,1.

[8] Cf. 2Cr 30,19; Is 66,1; Salmos 99,5.9; 78,38; 40,12; 25,6; 119,142; 68,36-36; 94,1; 3,9; 46,8; 84,13; 20,10; 9.

[9] Sl 145,v. 3: Senhor, tua grandeza é insondável; v. 5: Tu és glorioso; v.8: benevolente, misericordioso, lento para cólera, de grande fidelidade; v 9: és bom… cheio de ternura; v. 13: és veraz; v. 14: apoio dos que caem; v.17: és justo; v. 18: és próximo; v. 19: escutas e salvas; v. 20: és guardião.

[10] Cf. TB. Ber: 24b.

[11] Por isso, no serviço sinagogal, o Sl 145 é conhecido como Asherei [felizes], pois é a palavra que introduz a recitação deste salmo.

[12] Sl 84,5.

[13] Sl 144,15.

[14] Nm 28,1ss.

[15] Rabi Shlomo ben Ytzaak, conhecido pelo acróstico Rashi, viveu na França no século XI-XII. É célebre por seus comentários,

que tornaram o Talmud compreensível para seus contemporâneos, e até hoje é estudado como um dos grandes sábios do povo judeu.

[16] Cf TB. Ber. 31a.

[17] Is 58,6-7: Acaso o jejum que prefiro não será repartir o teu pão com o faminto, hospedar o desabrigado… Vestir o que está nu e jamais te esconder do pobre teu irmão?

[18] Sl 78,38: E Ele, o misericordioso, apagava a sua falta. Muitas vezes segurou a sua cólera e não despertou o seu furor.

[19] Talmud Berakhot 26,b.

[20] MUNK, Elie Le monde de prières. Paris: C.L.K.H., 1970, p.233.

[21] Sl 46,8; 84,13 e 20,10.

[22] Sidur completo com tradução e transliteração. Organização, edição e realização de Jairo Fridlin. S. Paulo: Sefer. 1997. p. 117.

[23] Cf. Ex 15,18.

[24] Cf. Zc 14,9

[25] Cf. Mt 14,23; Mt 26,36; Lc 6,12; Lc,22,41; Mc 6,46;Mc. 14,32, etc.

[26] Cf. Zc 14,9.

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LITURGIA DO DIA: MEMÓRIA DE SÃO CORNÉLIO E SÃO CIPRIANO

A liturgia desta terça-feira, 16 de setembro de 2025, convida-nos a mergulhar na profundidade de um dos relatos mais comoventes do Evangelho segundo São Lucas: a ressurreição do filho da viúva de Naim. Jesus, ao entrar na pequena cidade, depara-se com uma cena de dor: um cortejo fúnebre leva o corpo de um jovem, filho único de sua mãe, que era viúva. A narrativa realça a vulnerabilidade daquela mulher: sem marido e agora sem filho, estava desprovida de proteção, sustento e esperança diante da sociedade de seu tempo.

O texto evangélico é marcado por um detalhe essencial: “Ao vê-la, o Senhor encheu-se de compaixão” (Lc 7,13). É esse olhar de Jesus que transforma a história. A compaixão divina não é apenas sentimento humano de solidariedade; é o movimento do coração de Deus que se inclina sobre a miséria humana para restituir a vida. Lucas, o evangelista da misericórdia, quer nos mostrar que em Jesus se revela o Deus que não permanece distante da dor do povo, mas se aproxima para devolver esperança onde parecia haver somente morte.

O gesto de Jesus vai além do milagre: Ele toca o caixão e ordena ao jovem que se levante. Ao tocar o esquife, Jesus rompe barreiras de impureza ritual previstas na Lei judaica, pois o contato com a morte tornava alguém impuro. Mas o Senhor da vida não teme a morte, pois Ele é a própria Vida. Sua presença purifica, restaura, recria. O menino se levanta e fala, e Jesus o entrega novamente à sua mãe. Esse detalhe de “entregar à mãe” sublinha a dimensão relacional do milagre: não se trata apenas de devolver a vida biológica, mas de restaurar vínculos, reconstruir a esperança da família e da comunidade.

No plano teológico-litúrgico, este Evangelho nos faz contemplar o Cristo que vence a morte, antecipando já o mistério de sua Páscoa. O episódio é um sinal que aponta para a ressurreição final, onde a morte será definitivamente vencida. Ao mesmo tempo, é um convite à Igreja para ser presença de compaixão no mundo, tocando as realidades de dor e exclusão, levando vida nova aos que estão à beira do desespero.

Portanto, a liturgia de hoje nos convida a perguntar: em quais situações somos chamados a ser instrumentos do olhar compassivo de Cristo? Quantas viúvas, quantos órfãos, quantos corações desamparados clamam por uma palavra de vida em nosso tempo?

A Primeira Leitura – 1Tm 3,1-13

A primeira leitura, da Carta a Timóteo, apresenta os critérios para os ministérios na comunidade cristã primitiva. Paulo descreve as qualidades necessárias para quem exerce o episcopado e o diaconato: irrepreensível, sóbrio, equilibrado, hospitaleiro, moderado, homem de fé e de bom testemunho. O apóstolo insiste que o ministério na Igreja não é um privilégio, mas um serviço fundamentado na credibilidade e na coerência de vida.

Quando colocamos essa leitura em relação com o Evangelho, percebemos um fio condutor: se Jesus é o modelo do Bom Pastor que se compadece do rebanho e devolve vida, então os pastores da Igreja devem espelhar-se nessa mesma compaixão. O líder cristão não pode ser movido por interesses pessoais, mas por uma entrega total ao serviço da comunidade, especialmente aos mais frágeis. Assim como Jesus restituiu o filho à mãe viúva, também os pastores devem ser instrumentos de reconciliação, de proximidade e de cuidado.

O texto de 1Tm destaca ainda os diáconos, cujo ministério está intrinsecamente ligado ao serviço. Eles devem guardar o mistério da fé com consciência pura e agir com dignidade. Não é por acaso que a liturgia de hoje coloca esse trecho junto ao Evangelho: ambos nos recordam que a Igreja deve ser sinal da vida nova de Cristo no meio do mundo, não apenas com palavras, mas sobretudo com testemunho coerente.

O Salmo Responsorial – Sl 100(101)

O salmo de hoje ressoa como oração de quem deseja viver segundo os caminhos do Senhor: “Vou cantar-vos, Senhor, um canto novo de justiça”. O salmista expressa o anseio de caminhar na integridade e na fidelidade, evitando o mal e buscando uma vida reta diante de Deus.

Na relação com o Evangelho, o salmo se torna eco da atitude de Jesus: Ele é o Justo por excelência, aquele que não compactua com a injustiça, mas se aproxima dos pobres e marginalizados. O canto de justiça do salmo encontra sua realização plena no gesto de compaixão de Cristo em Naim, que devolve dignidade à viúva e vida ao jovem.

Além disso, o salmo também se conecta com a primeira leitura. Assim como Paulo exorta os ministros da Igreja a viverem de forma irrepreensível, o salmista expressa a decisão de trilhar os caminhos da retidão. O salmo, portanto, é a oração que sustenta e alimenta a vida de quem exerce responsabilidades na comunidade, para que não se perca na corrupção ou na busca de poder, mas mantenha-se fiel ao Senhor.

Memória dos Santos Cornélio e Cipriano

Neste dia, a Igreja celebra também a memória dos santos Cornélio, papa, e Cipriano, bispo, ambos mártires do século III.

São Cornélio, Papa da Misericórdia: eleito papa em 251, em meio às perseguições do imperador Décio, Cornélio enfrentou uma difícil crise: muitos cristãos haviam negado a fé para escapar da morte, os chamados lapsi.
Enquanto alguns defendiam que não havia perdão para eles, Cornélio insistia que, com arrependimento sincero, era possível a reconciliação pela penitência. Seu coração pastoral refletia a misericórdia de Cristo, que sempre acolhe o pecador que retorna.
Preso e exilado em 253, Cornélio morreu mártir, deixando o testemunho de um pastor que não abandonou o rebanho.

São Cipriano, Bispo de Cartago e Defensor da Unidade: nascido em Cartago, no norte da África, Cipriano era advogado e homem culto antes de sua conversão ao cristianismo. Pouco depois, foi eleito bispo e tornou-se uma das vozes mais influentes da Igreja africana.
Assim como Cornélio, também enfrentou a questão dos lapsi e buscou equilíbrio: exigir verdadeira conversão, mas sem fechar as portas da misericórdia. Seu famoso tratado “A Unidade da Igreja Católica” lembra que não se pode ter Cristo sem viver em comunhão com sua Igreja.
Na perseguição do imperador Valeriano, em 258, foi preso e condenado à morte. Aceitou o martírio com serenidade e fé, sendo decapitado diante do povo de Cartago.

Pastores Unidos na Fé e na Amizade

Mesmo em cidades diferentes, Cornélio e Cipriano mantiveram uma forte comunhão espiritual. Trocaram cartas, apoiaram-se mutuamente e defenderam a mesma verdade: a Igreja deve ser lugar de misericórdia, unidade e fidelidade a Cristo. Por isso, a liturgia celebra os dois juntos, como sinais da amizade que nasce da fé e do amor à Igreja.

Hoje, Cornélio e Cipriano nos ensinam que a Igreja é chamada a ser sempre fiel a Cristo, mesmo diante das dificuldades, e que nenhum pastor pode se afastar do coração misericordioso do Senhor.
Seu martírio nos recorda que a verdadeira liderança na Igreja não é feita de poder, mas de serviço, compaixão e fidelidade até o fim.

Que a memória desses santos pastores nos ajude a viver a fé com coragem, a buscar sempre a unidade e a anunciar, com gestos e palavras, o amor misericordioso de Deus.

LITURGIA DO DIA

A liturgia desta terça-feira nos apresenta um caminho profundo de reflexão:

  • O Evangelho revela o Cristo da compaixão que vence a morte e restitui a esperança.
  • A primeira leitura nos recorda que a Igreja precisa de ministros que vivam em coerência e serviço, à imagem de Jesus.
  • O salmo é a oração que alimenta esse desejo de justiça e retidão.
  • A memória de Cornélio e Cipriano testemunha que é possível viver essa fidelidade até as últimas consequências.

Assim, a Palavra nos desafia a sermos homens e mulheres de compaixão, testemunhas da vida e da justiça de Deus em nosso tempo. Como discípulos de Cristo, somos chamados a tocar as realidades de morte com a força da fé, a sermos pastores e servidores que cuidam do rebanho, e a viver em integridade diante do Senhor.

Que, pela intercessão dos mártires Cornélio e Cipriano, possamos ser Igreja que canta a justiça, caminha na fidelidade e anuncia sempre a vida nova de Cristo, Senhor da compaixão.

LITURGIA DO DIA: DOMINGO DA FESTA DA EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ

Liturgia do dia – Domingo, 14 de setembro de 2025
Exaltação da Santa Cruz – Festa – Ano C
24ª Semana do Tempo Comum

A Liturgia do dia nos convida a contemplar o mistério da Santa Cruz, sinal de salvação e vitória. A festa da Exaltação da Santa Cruz recorda que a cruz, antes instrumento de sofrimento e morte, tornou-se para os cristãos a árvore da vida, pela qual recebemos a redenção em Cristo.

Na primeira leitura (Nm 21,4b-9), o povo de Israel, ferido pelas serpentes no deserto, encontra na serpente erguida por Moisés o sinal de cura e salvação. Este gesto já anunciava o mistério de Cristo, elevado na cruz para dar vida ao mundo.

O salmo responsorial (Sl 77) nos convida a recordar as maravilhas de Deus, que sempre perdoa e salva o seu povo, mesmo quando este vacila na fidelidade.

Na segunda leitura (Fl 2,6-11), São Paulo apresenta o hino cristológico que proclama a obediência de Jesus até a morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou, dando-lhe o nome acima de todo nome, diante do qual todo joelho se dobra.

O Evangelho (Jo 3,13-17) mostra que a cruz é o grande sinal do amor de Deus pela humanidade: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna”. A cruz não é derrota, mas manifestação plena da misericórdia e da vitória da vida sobre a morte.

A liturgia da Exaltação da Santa Cruz nos conduz ao coração do mistério cristão: a cruz, que aos olhos humanos é sinal de sofrimento e condenação, se torna em Cristo a plena revelação do amor de Deus e a fonte de vida eterna. O Evangelho de João nos apresenta Jesus como o Filho do Homem que desceu do céu e que deve ser elevado. Essa elevação possui um duplo sentido: histórico, pois se refere à sua entrega na cruz, e teológico, porque aponta também para sua glorificação junto do Pai. Assim como a serpente de bronze erguida por Moisés no deserto se tornou sinal de salvação para os que olhavam para ela, também o Filho do Homem, elevado na cruz, torna-se fonte de vida para todos os que nele crerem.

No centro do Evangelho está o versículo que muitos chamam de “pequeno evangelho”: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna”. Neste anúncio, encontra-se resumida toda a Boa Nova. Deus é o sujeito do amor, o mundo inteiro, mesmo em sua fragilidade e pecado, é o destinatário, e o Filho é o dom oferecido até a cruz. O fruto desta entrega é a vida eterna, concedida a quem se abre à fé. A cruz, portanto, não é o lugar da derrota, mas a epifania do amor gratuito e misericordioso de Deus, que não poupa o próprio Filho para salvar a humanidade.

O texto continua afirmando que Deus não enviou o Filho para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Esse detalhe é essencial: a cruz não é condenação, mas reconciliação; não é sinal da ira divina, mas do excesso de amor que gera salvação. O julgamento não é um castigo imposto, mas a escolha que cada pessoa faz diante do amor manifestado em Cristo. Quem crê encontra vida; quem rejeita permanece nas trevas.

Liturgicamente, a cruz é exaltada como altar do sacrifício, trono de glória e sinal de comunhão. No altar, Cristo se entrega totalmente ao Pai por amor à humanidade. No trono da cruz, Ele reina, pois é precisamente no abaixamento que se manifesta sua exaltação. Como sinal de comunhão, a cruz une o céu e a terra, reconciliando os homens com Deus e entre si. A festa de hoje nos convida, portanto, a olhar para a cruz não como peso, mas como caminho de amor e libertação, celebrando-a como sinal pascal de vitória.

Exaltar a cruz significa reconhecer que nela está a fonte de nossa fé, esperança e caridade. Na fé, porque acreditamos que a vida venceu a morte e que o amor é mais forte que o pecado. Na esperança, porque podemos carregar as nossas cruzes com confiança, certos de que em Cristo já participamos de sua ressurreição. Na caridade, porque somos chamados a viver a mesma entrega de amor que Ele viveu, transformando a vida em dom.

Assim, a Liturgia do dia nos leva a contemplar o grande paradoxo cristão: onde parecia haver derrota, resplandece a vitória; onde se via morte, nasce a vida; onde se esperava condenação, transborda a misericórdia. A cruz, hoje exaltada, é para nós a certeza de que Deus nunca desiste da humanidade, mas a envolve com um amor que se faz total entrega.

Origem da Festa da Exaltação da Santa Cruz

A festa da Exaltação da Santa Cruz remonta aos primeiros séculos do cristianismo e está ligada a acontecimentos marcantes na história da Igreja. Sua origem mais antiga está associada à peregrinação de Santa Helena, mãe do imperador Constantino, à Terra Santa, por volta do ano 326. Movida por profunda devoção, ela procurou os lugares santos ligados à vida de Jesus e, segundo a tradição, encontrou o lenho da verdadeira cruz em Jerusalém. Poucos anos depois, Constantino mandou erguer no local a imponente Basílica do Santo Sepulcro, dedicada em 13 de setembro de 335. No dia seguinte, 14 de setembro, a cruz foi solenemente apresentada aos fiéis, que a veneraram com grande devoção. Esse gesto litúrgico passou a ser celebrado anualmente, dando origem à festa da Exaltação da Santa Cruz.

A importância dessa celebração se fortaleceu ainda mais no século VII, quando o imperador bizantino Heráclio recuperou a relíquia da cruz, que havia sido roubada pelos persas em 614. Em 628, a cruz foi devolvida solenemente a Jerusalém, e esse evento se uniu à memória já existente do dia 14 de setembro, conferindo à festa caráter universal.

Desde então, a Igreja não celebra apenas a descoberta ou a recuperação de uma relíquia, mas sobretudo o mistério que a cruz revela: a vitória de Cristo sobre a morte e a manifestação suprema do amor de Deus. A cruz, que aos olhos do mundo foi instrumento de humilhação, é exaltada como trono da glória de Cristo e árvore da vida, da qual brota a salvação.

Por isso, a liturgia deste dia não se concentra no sofrimento da paixão, como acontece na Sexta-feira Santa, mas na alegria pascal da cruz redentora. Ao celebrarmos a Exaltação da Santa Cruz, contemplamos o sinal do amor infinito de Deus, que transforma aquilo que era derrota em vitória e aquilo que era morte em fonte de vida.

Que esta Liturgia do dia nos ajude a contemplar a cruz não como peso, mas como caminho de amor, entrega e salvação.